Continuação dos comentários ao Evangelho XVI Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 10, 38-42
Almas “Marta” e almas “Maria”
Pode-se inferir da resposta do
Divino Mestre que Ele condenava o cuidado das coisas concretas, as quais não
passarão para a eternidade e, portanto, não merecem nossa atenção? Deveriam
todos, então, dedicar-se exclusivamente à contemplação das verdades eternas?
Não é essa a lição que devemos
tirar desta passagem do Evangelho, pois, como observa Santa Teresa de Jesus de
modo pitoresco e cheio de bom senso, se Marta “permanecesse, como Madalena,
embevecida aos pés do Senhor, ninguém daria de comer a este Divino Hóspede”.11
Cristo não afirma aqui que
Marta deveria abandonar aquelas indispensáveis ocupações, o que é posto em
evidência por Santo Agostinho, com sua característica vivacidade:
“Devemos pensar que Jesus
vituperou a atividade de Marta, ocupada no exercício da hospitalidade, ao
recebê-Lo em sua casa? Como podia ser com justiça censurada quem se deleitava
em acolher tão notável Hóspede? Se assim for, cessem os homens de socorrer os
necessitados e escolham para si a melhor parte, a qual não lhes será tirada;
dediquem-se à meditação da palavra divina, almejem ardentemente a doçura da
doutrina, consagrem-se à ciência da salvação; não se preocupem em saber se há
na aldeia algum peregrino ou algum pobre sem alimento ou roupa;
desinteressem-se de visitar os enfermos, de resgatar o cativo, de enterrar os
mortos; abandonem as obras de misericórdia e apliquem-se à única ciência. Se
esta é a melhor parte, por que não nos dedicarmos todos a ela, já que, nessa
matéria, temos o próprio Senhor como nosso defensor?”.12
A resposta dada por Jesus fora
muito sutil e, como bem observa o Cardeal Gomá, “encerra todo um programa de
vida que é a concretização do sumo equilíbrio do Cristianismo na ordem da
ação”.13 Nas pessoas de Marta e Maria, deixou o Divino Mestre uma lição para
toda a humanidade.
Contemplação operativa e ação contemplativa
Contemplação e ação não são
realidades excludentes. Ensina São Tomás que a primeira é, sem dúvida, mais
excelente e meritória que a segunda.14 Entretanto, acrescenta ele, a ação que
procede da plenitude da contemplação é preferível à simples contemplação.15 A
este ensinamento do Doutor Angélico, faz eco Fillion: “Embora a parte de Maria
tenha algo de mais celestial, o melhor, nas situações ordinárias, é unir a
condição de Marta com a de Maria”.16
A perfeição está, pois, na
junção entre contemplação e ação. Disso dá-nos supremo exemplo a Sagrada
Família. Nossa Senhora cuidava com inigualável esmero da casa em Nazaré, e São
José era com certeza o mais consciencioso dos carpinteiros. Ambos trabalhavam,
cada um nos seus afazeres. Entretanto, tinham constantemente a atenção voltada
para Jesus e para os aspectos mais elevados da realidade, a ponto de São Luís
Maria Grignion de Montfort afirmar que Nossa Senhora, ao dar um ponto com a
agulha, glorificava mais a Deus do que São Lourenço sofrendo na grelha as
terríveis dores do seu martírio.17
Então, podemos também nós dar
muita glória a Deus nos atos concretos do dia a dia, desde que os realizemos
com a atenção posta nas coisas celestes, e não apenas nas terrenas. Assim fez
Cristo Jesus durante Sua vida pública: ocupadíssima, intensíssima, entretanto,
sempre impregnada de oração e contemplação.
A preocupação naturalista de Marta
Como deveria, então, ter agido
Marta neste episódio?
Ela era, como vimos, a
responsável pela casa e cabia-lhe tomar as providências para o bom atendimento
de Nosso Senhor. Assim, começou bem ao querer servi-Lo e agradá-Lo. Porém, sem
ela se dar conta — como sói acontecer — essa louvável aspiração foi sendo
substituída por uma preocupação naturalista, acompanhada pelo desejo de fazer
bela figura diante d’Ele e dos demais.
Se executasse todas aquelas
tarefas pondo em Jesus a atenção principal, ficaria ela também com a melhor
parte, os frutos de seu trabalho teriam outra beleza e outra substância. Não
lhe era preciso, portanto, deixar suas ocupações para ir sentar-se, como Maria,
aos pés de Jesus, mas, segundo sublinha acertadamente Fillion, ter em vista que
“o único necessário é preferir as coisas interiores às exteriores, dar-se a
Cristo sem restrições, adorando-O, amando-O e vivendo só para Ele”.18
O amor imperfeito de Maria
O Divino Mestre diz que Maria
escolheu a melhor parte, mas não afirma ter ela agido impelida por um amor
perfeito.
Nosso Senhor é cioso da
obediência devida às autoridades intermediárias e, portanto, deveria Maria ter
se submetido às determinações de sua irmã mais velha, cumprindo as obrigações
que lhe cabiam sem perder o enlevo, mantendo o coração todo posto no Senhor.
“Não imagines — adverte o Doutor Seráfico — que teu amor à quietude te autorize
a subtrair-te, mesmo em coisas mínimas, aos exercícios da santa obediência ou
das regras estabelecidas pelos anciãos”.19
Portanto, pode-se afirmar que
Maria não atuou de forma exímia, na medida em que menosprezou a parte menos
perfeita, esquivando-se de assumir incumbências necessárias para o bom
atendimento a Jesus.
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