Continuação dos comentários ao Evangelho VIII Domingo do Tempo Comum - Ano A - 2014
Um servo não pode entregar sua vontade a dois senhores
Havendo um apreço
desequilibrado pelos bens deste mundo, quem o possua terá conferido a esses
bens o caráter de senhorio. Ora, sabemos o quanto a escravidão, em si mesma, é
avassaladora. As faculdades do escravo pertencem ao senhor e a este deve ele
entregar todo o seu serviço. “Um senhor pode ter muitos servos, mas um servo
não pode ter muitos senhores; pois o próprio do senhor é governar o servo, e
não precisamente amá-lo; o específico do servo, porém, é amar, e não governar
seu senhor; o mando pode dividir-se, mas o amor, não. Com isso, Cristo indica
que as riquezas se gastam injustamente não só quando são injustas. Mas, até
mesmo, quando não foram adquiridas por maus meios, se são amadas, apartam o
homem do amor de Deus. Ninguém pode servir a dois senhores, como disse antes:
‘É impossível que um rico entre no Reino dos Céus’ (Mt 19, 23). Observa o autor
da Obra Imperfeita que ninguém pode servir a dois senhores, e não diz que
ninguém pode ter dois senhores. Dá o nome de senhor a qualquer coisa a que nos
tenhamos entregado em demasia, à qual servimos de alguma maneira: ‘Não sabeis
que, quando vos ofereceis a alguém para lhe obedecer, sois escravos daquele a
quem obedeceis, quer seja do pecado para a morte, quer da obediência para a
justiça?’ (Rm 6, 16). E São Pedro: ‘O homem é feito escravo daquele que o
venceu’ (2 Pd 2, 19). 5
O verbo “servir” empregado
neste versículo refere-se à situação de um servo que, sem restrição alguma,
entrega sua vontade a um senhor, figura muito de acordo com a inclinação para
os extremos, tão característica dos orientais. Neste caso, torna-se impossível
ao servo obedecer a um segundo senhor que lhe dê qualquer incumbência oposta e
simultânea à exigida pelo primeiro. Ademais, acabará por amar menos seu
autêntico senhor, atitude à qual equivale o significado do termo “odiar” na
língua hebraica 6. Na realidade, Deus não quer apenas uma parte de nosso
coração, ainda que esta seja grande. Ele o deseja na sua íntegra, e essa
entrega deve ser realizada por nós com alegria, generosidade e constância.
Dois senhores rivais: Deus e o dinheiro
Resumindo, o Divino Mestre nos
coloca diante de dois senhores diametralmente opostos no que concerne aos seus
respectivos interesses: Deus e o dinheiro. O primeiro nos exige a crença nEle e
em Suas revelações, a esperança em Suas promessas, com amor total, além da
prática da castidade, da humildade, como também do cortejo de todas as
virtudes. O dinheiro cobra de nós, e nos inspira ambição, volúpia de prazeres,
vaidade, orgulho, menosprezo do próximo, etc. Um nos dá forças para praticar o
bem e a este inclina nossas paixões, enquanto o outro nos arrasta para o mal e
nele nos vicia. O Céu e sua eterna felicidade constituem o estímulo para os
esforços exigidos por um dos senhores. A terra e seus prazeres fugazes são os
atrativos oferecidos pelo outro.
Esses dois senhores não admitem
rivais. O pior rival do dinheiro é Deus, e vice-versa. Por isso, a desgraça do
rico que entrega seu coração aos bens da terra consiste em buscar em vão sua
felicidade neles; e a desgraça do pobre, em iludir-se com a pseudofelicidade
oferecida pelas riquezas.
É preciso ter sempre diante dos
olhos o quanto são opostos entre si, Deus e o mundo. Por isso, não queiramos
servir a ambos ao mesmo tempo: “Não vos sujeiteis ao mesmo jugo com os infiéis.
Que união pode haver entre a justiça e a iniquidade? Ou que sociedade entre a
luz e as trevas? E que concórdia entre Cristo e Belial? Ou que de comum entre o
fiel e o infiel? E que relação entre o templo de Deus e os ídolos? Porque vós
sois templos de Deus vivo” (2 Cor 6, 14-16).
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