Conclusão dos comentários ao Evangelho – II domingo da Quaresma – Mt 17, 1-9 – Ano A – 2014
A fragilidade humana diante da
glória de Deus
Ouvindo isto, os discípulos caíram de
bruços, e tiveram grande medo.
A voz
do Senhor toca a fundo o coração dos inocentes, tal qual se deu com Pedro na
barca, ou com Tomé no Cenáculo: caem com a face por terra. Sobre os maus, seu
efeito é bem o contrário: caem de costas, como sucedeu com os soldados que
foram prender Jesus no Horto das Oliveiras.
São
Jerônimo procura nos explicar as razões desta queda dos Apóstolos: “Por três
motivos caíram aterrorizados: porque compreenderam seu erro, porque ficaram
envolvidos pela nuvem luminosa e porque ouviram a voz de Deus que lhes falava.
E não podendo a fragilidade humana suportar tamanha glória, ela se estremece
com todo o seu corpo e toda a sua alma, e cai por terra: pois o homem que não
conhece sua medida, quanto mais queira elevar-se até as coisas sublimes, mais
desliza até as baixas”10.
Porém, Jesus aproximou-Se deles, tocou-os e
disse-lhes: ‘Levantai-vos, não temais.’
Além da
onipotência de Sua presença e de Sua voz, Jesus quis tocálos com Sua própria
mão. Esse fato nos faz recordar aquela passagem de Daniel: “uma mão me tocou e
fez-me levantar” (Dn 10, 10). Tornou-se, assim, evidente para eles o quanto
essa força partia de Jesus e não da natureza deles.
Eles, então, levantando os olhos, não viram
ninguém, exceto Jesus.
Desaparecem
de seus olhos a Lei e os Profetas. Agora entendem experimentalmente o quanto
Jesus é o Esperado das nações.
Após a contemplação é necessário
dedicar-se à ação
Quando desciam do monte, Jesus fez-lhes a
seguinte proibição: “Não digais a ninguém o que vistes, até que o Filho do
Homem ressuscite dos mortos.”
Até
mesmo no alto do Tabor, terminam as alegrias, como sempre ocorre nesta terra de
exílio. É necessário descerem do monte todos aqueles que, ademais, são chamados
à vida ativa. Depois de se enriquecerem com as graças de Deus por meio da
contemplação, é preciso abraçar as penosas tarefas da pregação e da caridade. E
não deviam dizer nada a ninguém, “porque se fosse divulgada ao povo a majestade
do Senhor, este mesmo povo se oporia aos príncipes dos sacerdotes e impediria a
Paixão, e assim se retardaria a Redenção do gênero humano” 11.
Conclusão
“Sou
demasiadamente grande, e meu destino por demais nobre, para que eu me torne
escravo de meus sentidos” 12. Esta foi a conclusão à qual chegou Sêneca por
mera elaboração filosófica, sem ter a menor revelação de algo análogo à
Transfiguração do Senhor. No Tabor, Jesus Cristo vai muitíssimo além: em Sua
divina didática, faz-nos conhecer uma parcela de Sua glória nos reflexos da
claridade própria a Seu corpo após a Ressurreição. Pálida exemplificação do que
veremos no Céu, como fruto dos méritos de Sua Paixão, dos fulgores de Sua visão
beatífica e da união hipostática. Como objetivo imediato, quis Ele fortalecer
seus discípulos para assumirem com heroísmo as tristes provações de Sua Paixão
e Morte, à margem da manifestação de Sua divindade. Porém, não era alheio aos
Seus divinos desígnios, deixar consignado para a História quais são as
verdadeiras e reais alegrias reservadas aos justos post mortem.
Em
contrapartida, o demônio, o mundo e o pecado nos prometem contentamentos com
ares de absoluto. Entretanto, sua fruição é quase sempre fugaz e seguida de
amargas frustrações; além do mais, ao término desta vida seremos lançados no
fogo eterno como castigo, se não tiver havido de nossa parte um verdadeiro
arrependimento, propósito de emenda e a obtenção do perdão de Deus.
No
Tabor a voz do Pai proclama: “ouvi-O”. Esta recomendação se dirige sobretudo a
nós, batizados, pois somos filhos adotivos de Deus e, portanto, já passamos por
uma imensa transformação quando ascendemos à ordem sobrenatural, deixando de
ser exclusivamente puras criaturas. Porém, quando penetrarmos na ordem da
glória, outra transformação se dará, pois seremos como Ele o é agora. Para lá
chegarmos, convidanos Jesus a iniciarmos pelas agruras dos primeiros passos no
caminho da virtude, sustentados logo depois por muita paz de alma e, por fim,
sermos nós mesmos transfigurados no alto do Tabor eterno.
O Céu,
por si só, é uma enorme manifestação da bondade de Deus, um riquíssimo tesouro
de felicidade que Ele nos promete e um poderoso estímulo para aceitarmos com
amor as cruzes durante nossa existência terrena. Confiemos nessa promessa com
base nas garantias da Transfiguração do Senhor e peçamos à Mãe da Divina Graça
que bondosamente nos auxilie com os meios sobrenaturais a chegarmos incólumes,
decididos e seguros ao bom porto da eternidade: o Céu.
1) AQUINO, Tomás de.
Suma Teológica, I, q. 25, a. 6, ad. 4.
2 ) Idem, Suma contra os
Gentios, l. 1, c. 100.
3 ) Idem, Suma
Teológica, I-II, q. 3, a. 2, ad. 2.
4 ) Idem, ibidem, I-II,
q. 3, a. 3, ad. 2.
5 ) Idem, ibidem, I q.
44, a. 4 ad. 3.
6 ) CIC, § 1024.
7 ) AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
8 ) Idem, ibidem.
9 ) Idem, ibidem
10 ) Idem, ibidem
11 ) SÃO REMÍGIO apud
AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
12 ) Sêneca: Ep. 65.
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