Comentário ao Evangelho – Domingo de Páscoa da Ressurreição do Senhor - Ano A - Jo 20, 1-9
No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã,
sendo ainda escuro, e viu a pedra retirada do sepulcro. Correu então, e foi ter
com Simão Pedro e com o outro discípulo a quem Jesus amava, e disse-lhes:
“Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram”. Partiu, pois,
Pedro com o outro discípulo e foram ao sepulcro. Corriam ambos juntos, mas o
outro discípulo corria mais do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro.
Tendo-se inclinado viu os lençóis no chão, mas não entrou. Chegou depois Simão
Pedro, que o seguia, entrou no sepulcro e viu os lençóis postos no chão, e o
sudário que estivera na cabeça de Jesus, que não estava com os lençóis, mas
enrolado para outro sítio. Entrou também, então, o discípulo que tinha chegado
primeiro ao sepulcro. Viu e acreditou. Com efeito, ainda não entendiam a
Escritura, segundo a qual Ele devia ressuscitar dos mortos (Jo 20, 1-9).
Uma mulher precedeu os
Evangelistas
Para comunicar aos apóstolos a
primeira e fundamental verdade do Evangelho, Deus não escolheu um anjo e nem
sequer um homem. Foi Maria Madalena o arauto da boa nova da Ressurreição do
Senhor.
Vitória de Cristo sobre a morte
“Este é o meu filho muito
amado, em quem pus toda a minha complacência...” (Mt 17, 5). Seria suficiente
esse amor infinito do Pai pelo Seu Unigênito para que operasse Sua
ressurreição, porém, ademais concorreu para tal o brilho da justiça divina,
conforme São Tomás de Aquino: “A esta pertence exaltar os que se humilham por
causa de Deus, conforme diz Lucas (1, 52): “Destronou os poderosos e exaltou os
humildes”. E já que Cristo, por seu amor e obediência a Deus, se humilhou até a
morte de cruz, era preciso que Ele fosse exaltado por Deus até a ressurreição
gloriosa” 1.
Tomados de adoração, uma vez
mais foi-nos possível acompanhar liturgicamente ao longo da Semana da Paixão, o
quanto a morte teve uma aparente vitória no Calvário. Todos que por ali
passavam podiam constatar a “derrota” de Quem tanto poder havia manifestado não
só nas incontáveis curas por Ele operadas, como também em Seu caminhar sobre as
águas ou nas duas vezes que multiplicou os pães.
Os mares e os ventos Lhe
obedeciam, e até mesmo os demônios eram, por sua determinação, desalojados e expulsos.
Aquele mesmo que tantos milagres prodigalizara havia sido crucificado entre
dois ladrões e, diante de Seus extremos sofrimentos, “os que passavam O
injuriavam, sacudiam a cabeça e diziam: ‘Tu, que destróis o Templo e o
reconstróis em três dias, salva-te a ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da
cruz!’ Os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os anciãos também zombavam
dEle: ‘Ele salvou a outros e não pode salvar-se a si mesmo! Se é rei de Israel,
desça agora da cruz e nós creremos nEle! Confiou em Deus, Deus o livre agora,
se o ama, porque Ele disse: Eu sou o Filho de Deus!’” (Mt 27, 39-43).
Porém, a maneira pela qual fora
removida a pedra do sepulcro e o desaparecimento dos guardas, eram de si, uma
prova sensível do quanto havia sido derrotada a morte, conforme o próprio São
Paulo comenta: “A morte foi tragada pela vitória. Onde está, ó morte, a tua
vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1 Cor 15, 55). Os fatos
subseqüentes tornaram ainda mais patente a triunfante Ressurreição de Cristo e
por isso os prefácios da Páscoa cantam sucessivamente: “Morrendo, destruiu a
morte, e, ressurgindo, deu-nos a vida” (I). “Nossa morte foi redimida pela sua
e na sua ressurreição ressurgiu a vida para todos” (II). “Imolado, já não
morre; e, morto, vive eternamente” (III). “E, destruindo a morte, garantiu-nos
a vida em plenitude” (IV).
Constituem essas frases uma
sequência de afirmações que proclamam a vitória de Cristo não só sobre Sua
própria morte, como também sobre a nossa. Ele é a cabeça do Corpo Místico e,
tendo ressuscitado, trará necessariamente a nossa respectiva ressurreição, pois
esta nos é garantida pela presença dEle no Céu, apesar de estarmos, por ora,
submetidos ao império da morte. De maneira paradoxal, aquele sepulcro
violentamente aberto a partir de seu interior, deu à morte um significado
oposto, passou ela a ser o símbolo da entrada na vida, pois Cristo quis
“destruir pela sua morte aquele que tinha o império da morte, isto é, o
demônio”, e assim libertar os que “estavam em escravidão toda a vida” (Hb 2,
14).
São Paulo tem sua alma
transbordante de alegria em face da realidade da Ressurreição de Cristo e nela
encontramos nosso triunfo sobre a morte, tal qual ele próprio nos diz: “E assim
como todos morreram em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo” (1
Cor 15, 22); “...ressuscitou dentre os mortos, como primícias dos que morreram!
Com efeito, se por um homem veio a morte, por um homem vem a ressurreição dos
mortos” (1 Cor 15, 20-21).
Na Ressurreição vemos, ademais,
realizada por Jesus, a profecia que Ele mesmo fizera pouco antes de Sua Paixão:
“Agora é o juízo deste mundo; agora será lançado fora o príncipe deste mundo”
(Jo 12, 31). De fato, propriamente dito, o cumprimento dessa profecia se
iniciou durante os quarenta dias de retiro no deserto, e teve continuidade
passo a passo ao longo de Sua vida pública ao expulsar os demônios que pelo
caminho encontrava, chegando ao ápice em Sua Paixão: “Despojou os Principados e
Potestades, e fez deles um objeto de escárnio público, levando-os no seu
cortejo triunfal” (Cl 2, 15).
Posteriormente, não só o
demônio, mas o próprio mundo foi derrotado: inúmeros pagãos passaram a se
converter e muitos entregaram a própria vida para defender a cruz, animados
pelas luzes da ressurreição do Salvador. Em função dela, passaram a ser
acolhidos no Corpo Místico todos os batizados que, revitalizados pela graça e
sem deixarem de estar incluídos no mundo, tornaram perpétuo o triunfo de
Cristo: “Tende confiança! Eu venci o mundo” (Jo 16, 33). Trata-se, portanto, de
uma vitória ininterrupta, mantendo seu rútilo fulgor tal qual no dia de Sua
ressurreição, sem uma fímbria sequer de diminuição. Com a redenção, Cristo
lacrou as portas do seio de Abraão depois de ter libertado, de seu interior, as
almas que ali aguardavam a entrada no gozo da glória eterna.
“Hæc est dies quam fecit
Dominus. Exultemus et lætemur in ea!” 2
Essas são algumas considerações
que nos facilitam compreender o porquê de ser a Páscoa da
Ressurreição a festa das festas, a solenidade das solenidades, pois o mistério
nela presente é dos mais importantes para a história da Cristandade, tal como
afirma São Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é
vã a vossa fé” (1 Cor 15, 14).
Por isso, nos primórdios da
Igreja, esse período era considerado o mais importante do ano inteiro. Os fiéis
se apinhavam na Basílica de São João de Latrão para assistir às cerimônias e
muito comum era, entre eles, o cumprimento com a fórmula do “Aleluia!”. Hoje em
dia, com o progressivo desbotamento das majestosas comemorações que marcaram os
séculos, infelizmente deteriorou-se o sabor da grande importância das
solenidades pascais.
A alegria que será a nota
dominante dessa celebração far-se-á presente nos cânticos, nos paramentos, no
incenso e na própria liturgia. Se bem sejam todos os Domingos do ano dedicados
ao Senhor, desde as mais antigas eras a Igreja celebrou com especial júbilo
este da Ressurreição; e tal é seu gáudio que sempre o fez prolongar por
cinqüenta dias consecutivos, conforme comentava Tertuliano: “Somai todas as
solenidades dos gentios, e não chegareis aos nossos cinqüenta dias da Páscoa”
3.
Ademais, podemos afirmar ser a
Ressurreição a festa de nossa esperança, pelo fato de nela encontrarmos não só
o extraordinário triunfo de Cristo, como também o nosso próprio, pois se Ele
ressurgiu dos mortos, o mesmo se passará conosco. E é em vista desse futuro
triunfo nosso que desde já nos é feito o convite para abandonarmos os apegos
a
este mundo, sem olhar para trás, fixando nossa atenção nos absolutos celestes,
conforme nos aconselha o Apóstolo com estas palavras selecionadas para a
liturgia deste Domingo, em sua segunda leitura: “Se, portanto, ressuscitastes
com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus.
Afeiçoai-vos às coisas lá de cima, e não às da terra. Porque estais mortos e a
vossa vida está escondida com Cristo, em Deus. Quando Cristo, vossa vida,
aparecer, então também vós aparecereis com Ele na glória” (Cl 3, 1-4).
O depósito de fé que nos foi
deixado por Jesus e pelos apóstolos sobre este fundamental acontecimento
escatológico é corroborado por estas palavras de São Tomás de Aquino: “Ao ver
ressuscitar Cristo, que é nossa cabeça, esperamos que também ressuscitaremos
nós. Assim é como se diz: ‘Se de Cristo se prega que ressuscitou dos mortos,
como entre vós dizem alguns que não há ressurreição dos mortos?’ (1 Cor, 15,
12)” 4. E aí está mais uma maravilha a promover a exultação de nosso
instinto de conservação. Esse instinto terá sua plena realização no fim dos
tempos, proporcionando-nos verdadeira e eterna felicidade, garantida pelo
próprio Cristo Ressurrecto.
“Deus o ressuscitou ao terceiro dia, permitindo que aparecesse a nós...”
5
Maria Madalena: a que mais ferventemente amava o Senhor
No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã,
sendo ainda escuro, e viu a pedra retirada do sepulcro.
Para o amor, nada é impossível,
disse Santa Teresinha do Menino Jesus. Maria Madalena vivia inebriada de amor a
Jesus e por isso não podia conter-se de desejo de adorar e perfumar Seu sagrado
corpo. Despertou-se de madrugada e servindo-se da luminosidade prateada do
luar, dirigiu-se ao Santo Sepulcro: “Não cabe dúvida de que Maria Madalena era
a que mais ferventemente amava o Senhor entre todas as mulheres que O haviam
amado; assim, não é sem motivo que São João faz menção somente a ela, sem
nomear as outras que com ela foram, como asseguram os outros Evangelistas” 6.
São João, além de ter escrito
este relato bem depois dos outros Evangelistas, deve ser o mais objetivo ao
afirmar que o Sol não havia raiado ainda. A esse respeito, vários são os
comentários como, por exemplo, o de São Gregório: “Com razão se diz: ‘Sendo
ainda escuro’, porque, com efeito, Maria buscava no sepulcro o Criador do
universo, que ela amava, e, não O tendo encontrado, imaginou que O haviam
roubado; e por conseguinte encontrou trevas quando chegou ao sepulcro” 7.
Belo exemplo para nós. Madalena
buscava o adorável corpo de Jesus jazido no sepulcro, a nós foi concedida a
imensa graça de recebê-Lo vivo e em Seu estado de glória. Será que nós
possuímos a mesma e empenhada solicitude e devoção em buscar Jesus na
Eucaristia, logo ao acordarmos?
São Mateus narra com mais
detalhes os antecedentes dessa chegada de Madalena ao túmulo do Senhor, fazendo
menção ao terremoto devido à descida de um anjo, no fulgor de um relâmpago,
para remover a pedra, e ao consequente desmaio dos guardas, de puro terror (cf.
Mt 28, 2-4).
Arauto da boa nova da Ressurreição
Correu então, e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo a quem
Jesus amava, e disse-lhes: “Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O
puseram”.
“Pedro e João representam a
autoridade e o amor, a força do governo e da caridade. Madalena vai a Pedro e
João, na angústia que dela se havia apoderado à vista do sepulcro aberto, para
buscar direção e sustento. É uma mulher amantíssima do Senhor, mas se reconhece
incapaz de julgar e decidir nesse assunto gravíssimo que seus próprios olhos
lhe trouxeram ao espírito. Por isso busca a luz do conselho e o amparo da
caridade. Em nossas dúvidas, sobretudo no que diz respeito aos assuntos da fé,
recorramos aos ofícios daqueles que dela são os custódios natos, e que por sua
hierarquia serão nossos guias, e com amorosa solicitude sustentarão nosso
espírito” 8.
Por uma determinação divina, a
pregação do evangelho desde seu nascedouro compete aos homens. Entretanto, a
História registra algumas poucas, mas comovedoras, exceções como essa contida
no presente versículo. Trata-se da primeira e fundamental verdade do evangelho;
para comunicá-la aos apóstolos, Deus não escolhe um anjo e nem sequer um homem.
É a Madalena que será o arauto da boa nova da ressurreição do Senhor. Logo em
seguida, repetir-se-á essa evangelização através de outras santas mulheres.
Com muita propriedade afirma
Santo Agostinho: “Ama et quod vis fac”
(Ama, e faze o que quiseres). Nesse ato de “imprudência”, ao irem ao sepulcro
do Senhor — ainda de madrugada, sem se preocupar com os guardas, nem com a laje
a ser removida, não considerando que se trata de uma ação contra a lei civil e
contra, até, a própria lei natural — essas mulheres estão cumprindo um outro
preceito: um mandamento do amor, ou seja, na prática realizam já as palavras
deixadas por Cristo. Nelas, tudo se perdoa pelo fato de agirem por puro amor. O
amor próprio está ausente das almas delas. Ao deparar Deus com o verdadeiro
amor a Jesus Cristo, Seu Unigênito, Ele próprio toma sobre Si o encargo de
limpar as manchas tão comuns às ações executadas pela natureza humana decaída,
transformando-as de imperfeitas e imprudentes em obras de santa e meritória ousadia.
Por isso, São João, ao narrar
este acontecimento, “não privou a mulher desta glória, nem achou indecoroso que
[os dois apóstolos] recebessem por intermédio dela a primeira notícia. Por sua
palavra, vão eles com muita solicitude para reconhecer o sepulcro” 9.
Madalena pronuncia sua
informação fazendo uso do verbo no plural: “... e não sabemos ...”, fato este
demonstrativo do quanto a descrição se harmoniza com as dos outros
evangelistas, pois São João procura completar o relato feito por eles.
Madalena, portanto, estava acompanhada pelas outras santas mulheres.
Continua no próximo post
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