CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO Mt 27, 11-54
DOMINGO DE RAMOS - ANO A
“Per Crucem ad Lucem!”
Contrariamente
à quimera sugerida por certa mentalidade muito alastrada, não é possível abolir
a cruz da face da Terra, pois, em geral, todo ser humano sofre. Apenas nas
produções cinematográficas e demais fantasias do gênero — coroadas sempre pelo
happy end — encontramos figuras irreais de pessoas imunes a qualquer incômodo
físico ou moral, bem-sucedidas em todos os seus empreendimentos e sem dificuldades
no convívio social, não havendo sequer os pequenos aborrecimentos e decepções
do cotidiano.
Por
mais que se fundem hospitais, por mais que se abram creches ou se construam
abrigos para idosos, a dor é nossa companheira e só deixará de existir no
Paraíso Celeste. E imprescindível ao homem, portanto, compreender o verdadeiro
valor do sofrimento, pois uma impostação equivocada perante ele leva alguns a
caírem no abatimento; outros, a revoltar-se contra a Providência; outros —
quiçá a maioria — a querer se esquivar de carregar a própria cruz, tentativa
que, além de ser inútil, a torna mais pesada, acrescentandoe0 ônus da
inconformidade com a vontade de Deus, que conhece e permite cada uma de nossas
angústias.
O valor da luta
Compenetremo-nos
de que a dor encerra inúmeros benefícios para nossa salvação. Em primeiro
lugar, é um poderoso meio para nos aproximarmos de Deus. Com efeito, desde
antes da queda, Anjos e homens, por terem sido criados em estado de prova, têm
a tendência de fechar-se sobre si, quando deveriam estar constantemente abertos
para Deus. E é nisto que consiste a prova. Com o pecado essa inclinação
acentuou-se, e cada falta atual aumenta-lhe a virulência.
Por tal
razão, as lutas, reveses e aflições surgidas em nosso caminho são elementos
eficazes para dirigir nosso espírito ao Bem infinito e escancarar para Ele a
porta de nossa alma. Nessas horas experimentamos o poder da oração, sentimos
nossa total dependência em relação ao Criador e nos colocamos em suas mãos sem
reservas, à procura de amparo e força. Assim considerado, o sofrimento bem pode
receber o título de bern-aventurança que nos faz merecer, já neste mundo, a
recompensa de libertar-nos de nosso egoísmo e de vivermos voltados para Deus. Ó
dor, bem-aventurada dor!
O
sofrimento nos torna patente, ainda, o vazio dos bens terrenos, tão
passageiros, e nos ensina a não pormos neles a esperança, alimentando em nosso
coração o desejo da felicidade eterna. Em sua bondade infinita, o Senhor “nos
cumulou de tribulações na Terra para nos obrigar a buscar a felicidade no Céu”,8
assegura Santo Antônio Maria Claret. Se nossa existência transcorresse sem a
presença de obstáculos, seríamos como um botão de rosa que nunca houvesse
desabrochado ou um bebê que não crescesse nem se desenvolvesse, e jamais
atingiríamos a plenitude espiritual de um concidadão dos Santos e habitante do
Céu. O sofrimento constitui-se, então, um meio infalível de preparação para
contemplar a Deus face a face.
A glória comprada pelo sofrimento
O Verbo
onipotente, Unigênito do Pai, ao Se encarnar quis passar pelas vicissitudes da
condição humana, para nos dar exemplo de paciência.9 Sua Alma santíssima,
criada na visão beatífica desde o primeiro instante da concepção, já possuía toda
a glória, e esta deveria, naturalmente, refletir-se em sua carne. Mas a relação
natural entre alma e corpo n’Ele estava submetida à sua divina vontade, à qual
aprouve suspender esta lei,1° realizando um milagre contra Si mesmo, pois
preferiu tomar um corpo padecente “a fim de que obtivesse com maior honra a
glória do Corpo, quando a merecesse pela Paixão”.11 Por conseguinte, Ele
assumiu aquelas deficiências corporais derivadas do pecado original que não são
incompatíveis com a perfeição da ciência e da graça, como o cansaço, a fome, a sede,
a morte.12 Quis nascer numa Gruta, onde suportou o frio da noite e outras
agruras; quis depois viver de maneira apagada, como Filho de um carpinteiro,
sem revelar sua origem eterna; e, por fim, quis sofrer morte violenta para
nosredimir. Sujeitando-Se a todos os gêneros de sofrimento humano inferidos de
fora,’3 Jesus viSava também apontar o combate da cruz como causa de elevação
para todos nós, batizados, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo (cf. Rm
8, 17). E o que nos apresenta a primeira leitura (Is 50, 4-7), na disposição de
Isaías — pré-figura do Redentor — de enfrentar todos os ultrajes por amor a
Deus e ao próximo, certo, todavia, de não ser desonrado nem desapontado, pois o
Senhor virá em seu auxílio e lhe concederá a vitória.
As
palavras de São Paulo aos filipenses, depois de se referir aos tormentos de
Cristo, confirmam com maior ênfase este ensinamento: “Por isso, Deus O exaltou
acima de tudo e Lhe deu um nome que está acima de todo nome. Assim, ao nome de Jesus
todo joelho se dobre no Céu, na Terra e abaixo da terra, e toda língua
proclame: ‘Jesus Cristo é o Senhor’, para a glória de Deus Pai” (Fl 2, 9-11).
Tão excelente é o sacrifício de nosso Salvador, oferecendo-Se a Si mesmo ao Pai
como Vítima perfeita, que os efeitos da Paixão excedem em muito a dívida do
pecado: “Deus Pai pediu a seu Filho um ato de amor que Lhe agrada mais do que
Lhe desagradam todos os pecados juntos; um ato de amor redentor, de um valor
infinito e superabundante”.14 Por causa desse generoso holocausto, no qual Se
humilhou e Se esvaziou de sua dignidade divina tornando-Se semelhante aos homens,
Nosso Senhor mereceu ser exaltado, pois “quando alguém, por uma justa vontade,
se priva do que tinha direito de possuir, merece que se lhe dê mais, como
salário de sua vontade justa”,15 afirma São Tomás.
Reportando-nos
ao início da celebração do Domingo de Ramos, vemos que se a entrada triunfal em
Jerusalém precedia as humilhações da Paixão, esta, por sua vez, prenunciava a
verdadeira glorificação de Jesus, conforme suas próprias palavras aos
discípulos de Emaús, depois da Ressurreição: “Porventura não era necessário que
Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse na sua glória?” (Lc 24, 26).
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