Tríduo Pascal

terça-feira, 8 de abril de 2014

Evangelho - Domingo de Ramos da Paixão do Senhor - Ano A - Mt 27, 11-54

CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO Mt 27, 11-54  
DOMINGO DE RAMOS - ANO A 
“Per Crucem ad Lucem!”
Contrariamente à quimera sugerida por certa mentalidade muito alastrada, não é possível abolir a cruz da face da Terra, pois, em geral, todo ser humano sofre. Apenas nas produções cinematográficas e demais fantasias do gênero — coroadas sempre pelo happy end — encontramos figuras irreais de pessoas imunes a qualquer incômodo físico ou moral, bem-sucedidas em todos os seus empreendimentos e sem dificuldades no convívio social, não havendo sequer os pequenos aborrecimentos e decepções do cotidiano.
Por mais que se fundem hospitais, por mais que se abram creches ou se construam abrigos para idosos, a dor é nossa companheira e só deixará de existir no Paraíso Celeste. E imprescindível ao homem, portanto, compreender o verdadeiro valor do sofrimento, pois uma impostação equivocada perante ele leva alguns a caírem no abatimento; outros, a revoltar-se contra a Providência; outros — quiçá a maioria — a querer se esquivar de carregar a própria cruz, tentativa que, além de ser inútil, a torna mais pesada, acrescentandoe0 ônus da inconformidade com a vontade de Deus, que conhece e permite cada uma de nossas angústias.
O valor da luta
Compenetremo-nos de que a dor encerra inúmeros benefícios para nossa salvação. Em primeiro lugar, é um poderoso meio para nos aproximarmos de Deus. Com efeito, desde antes da queda, Anjos e homens, por terem sido criados em estado de prova, têm a tendência de fechar-se sobre si, quando deveriam estar constantemente abertos para Deus. E é nisto que consiste a prova. Com o pecado essa inclinação acentuou-se, e cada falta atual aumenta-lhe a virulência.
Por tal razão, as lutas, reveses e aflições surgidas em nosso caminho são elementos eficazes para dirigir nosso espírito ao Bem infinito e escancarar para Ele a porta de nossa alma. Nessas horas experimentamos o poder da oração, sentimos nossa total dependência em relação ao Criador e nos colocamos em suas mãos sem reservas, à procura de amparo e força. Assim considerado, o sofrimento bem pode receber o título de bern-aventurança que nos faz merecer, já neste mundo, a recompensa de libertar-nos de nosso egoísmo e de vivermos voltados para Deus. Ó dor, bem-aventurada dor!
O sofrimento nos torna patente, ainda, o vazio dos bens terrenos, tão passageiros, e nos ensina a não pormos neles a esperança, alimentando em nosso coração o desejo da felicidade eterna. Em sua bondade infinita, o Senhor “nos cumulou de tribulações na Terra para nos obrigar a buscar a felicidade no Céu”,8 assegura Santo Antônio Maria Claret. Se nossa existência transcorresse sem a presença de obstáculos, seríamos como um botão de rosa que nunca houvesse desabrochado ou um bebê que não crescesse nem se desenvolvesse, e jamais atingiríamos a plenitude espiritual de um concidadão dos Santos e habitante do Céu. O sofrimento constitui-se, então, um meio infalível de preparação para contemplar a Deus face a face.
A glória comprada pelo sofrimento
O Verbo onipotente, Unigênito do Pai, ao Se encarnar quis passar pelas vicissitudes da condição humana, para nos dar exemplo de paciência.9 Sua Alma santíssima, criada na visão beatífica desde o primeiro instante da concepção, já possuía toda a glória, e esta deveria, naturalmente, refletir-se em sua carne. Mas a relação natural entre alma e corpo n’Ele estava submetida à sua divina vontade, à qual aprouve suspender esta lei,1° realizando um milagre contra Si mesmo, pois preferiu tomar um corpo padecente “a fim de que obtivesse com maior honra a glória do Corpo, quando a merecesse pela Paixão”.11 Por conseguinte, Ele assumiu aquelas deficiências corporais derivadas do pecado original que não são incompatíveis com a perfeição da ciência e da graça, como o cansaço, a fome, a sede, a morte.12 Quis nascer numa Gruta, onde suportou o frio da noite e outras agruras; quis depois viver de maneira apagada, como Filho de um carpinteiro, sem revelar sua origem eterna; e, por fim, quis sofrer morte violenta para nosredimir. Sujeitando-Se a todos os gêneros de sofrimento humano inferidos de fora,’3 Jesus viSava também apontar o combate da cruz como causa de elevação para todos nós, batizados, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo (cf. Rm 8, 17). E o que nos apresenta a primeira leitura (Is 50, 4-7), na disposição de Isaías — pré-figura do Redentor — de enfrentar todos os ultrajes por amor a Deus e ao próximo, certo, todavia, de não ser desonrado nem desapontado, pois o Senhor virá em seu auxílio e lhe concederá a vitória.
As palavras de São Paulo aos filipenses, depois de se referir aos tormentos de Cristo, confirmam com maior ênfase este ensinamento: “Por isso, Deus O exaltou acima de tudo e Lhe deu um nome que está acima de todo nome. Assim, ao nome de Jesus todo joelho se dobre no Céu, na Terra e abaixo da terra, e toda língua proclame: ‘Jesus Cristo é o Senhor’, para a glória de Deus Pai” (Fl 2, 9-11). Tão excelente é o sacrifício de nosso Salvador, oferecendo-Se a Si mesmo ao Pai como Vítima perfeita, que os efeitos da Paixão excedem em muito a dívida do pecado: “Deus Pai pediu a seu Filho um ato de amor que Lhe agrada mais do que Lhe desagradam todos os pecados juntos; um ato de amor redentor, de um valor infinito e superabundante”.14 Por causa desse generoso holocausto, no qual Se humilhou e Se esvaziou de sua dignidade divina tornando-Se semelhante aos homens, Nosso Senhor mereceu ser exaltado, pois “quando alguém, por uma justa vontade, se priva do que tinha direito de possuir, merece que se lhe dê mais, como salário de sua vontade justa”,15 afirma São Tomás.

Reportando-nos ao início da celebração do Domingo de Ramos, vemos que se a entrada triunfal em Jerusalém precedia as humilhações da Paixão, esta, por sua vez, prenunciava a verdadeira glorificação de Jesus, conforme suas próprias palavras aos discípulos de Emaús, depois da Ressurreição: “Porventura não era necessário que Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse na sua glória?” (Lc 24, 26).

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