CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO - VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA - Mt 28, 1-10 - Ano A
Portentosos sinais da Ressurreição do Senhor
2 “De repente, houve um grande tremor de terra: o Anjo do Senhor desceu
do Céu e, aproximando-se, retirou a pedra e sentou-se nela. 3 Sua aparência era
como um relâmpago, e suas vestes eram brancas como a neve. 4 Os guardas ficaram
com tanto medo do Anjo, que tremeram, e ficaram como mortos”.
A descrição destes versículos é
portentosa, e inclusive mais detalhada que a dos outros três Evangelhos no que
se refere aos fenômenos ocorridos no sepulcro. São Mateus — contrariamente aos
demais evangelistas — empenha-se em ressaltar o aspecto grandioso da
Ressurreição: em sua narrativa, o forte tremor de terra parece um episódio do
Antigo Testamento, e o Anjo que desce do Céu, aproxima-se, retira a pedra e
nela se senta, tem uma magnificência peculiar. O simples fato de defini-lo
“como um relâmpago” e serem suas vestes “brancas como neve” nos dá uma noção da
imponência do momento.
Enriquecedores são os
comentários tecidos por São Jerônimo: “Nosso Senhor, Filho único de Deus e, ao
mesmo tempo, Filho do Homem conforme as suas duas naturezas, a da divindade e a
da carne, mostra ora os sinais de sua grandeza, ora os de sua humildade. Por
isso também na presente passagem, embora seja um Homem aquele que foi crucificado,
sepultado [...], os fatos que fora se desenrolam manifestam que é o Filho de
Deus: o Sol que foge, as trevas que caem, o terremoto, o véu rasgado, os
rochedos destroçados, os mortos ressuscitados, os serviços prestados pelos
Anjos, que desde o início de sua Natividade demonstravam que é Deus. [...]
Agora também vem um Anjo (Mc 16, 5) como guardião do sepulcro do Senhor e com
sua veste branca indica a glória do Triunfador”.5
É, pois, compreensível que os
guardas tenham ficado aterrados, a ponto de desfalecerem. Além do medo que os
assaltou em decorrência da Ressurreição — segundo a interpretação de vários
Padres, entre eles São João Crisóstomo6 —, viram frustrado o objetivo que os
levara para junto do sepulcro: comprovar que o Homem-Deus não passava de um
mortal. Ora, a contragosto e para seu castigo, converteram-se eles em
testemunhas oculares do maior prodígio havido na História, e, ademais, o fato
de terem sido eles que selaram o sepulcro e o vigiaram aumenta a humilhação
infligida com o milagre, como também a culpa ao negá-lo daí por diante.
Nosso Senhor não esquece os que ama
5“Então o Anjo disse às mulheres: ‘Não tenhais medo! Sei que procurais
Jesus, que foi crucificado. 6 Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito!
Vinde ver o lugar em que Ele estava. 7 Ide depressa contar aos discípulos que
Ele ressuscitou dos mortos, e que vai à vossa frente para a Galileia. Lá vós O
vereis. É o que tenho a dizer-vos’”.
Apesar dessa manifestação
grandiosa, não mais estamos no Antigo Testamento, quando a aparição de um Anjo
era considerada prenúncio imediato de morte. O mensageiro celeste sabe tratar
de maneira adequada cada criatura humana e diz às mulheres: “Não tenhais
medo!”. Na verdade, depois de tudo o que acabara de suceder não faltavam
motivos para recear, mas ele dá a entender que desígnios superiores pairavam
sobre aqueles acontecimentos, portadores de esperança. Prepara-as assim para
acolher o anúncio que contém a essência do Evangelho selecionado para esta
solene cerimônia: “Ressuscitou, como havia dito!”.
Embora o estupendo milagre da
Ressurreição tivesse sido predito por Nosso Senhor, suas palavras não
encontraram suficiente eco na alma dos que O seguiram nos anos de vida pública,
caindo no esquecimento perante as aparências contrárias presenciadas na Paixão.
No entanto, já era hora de recordarem esta profecia: “Destruí vós este Templo e
Eu o reerguerei em três dias” (Jo 2, 19). Com estas palavras Ele Se referiu ao
seu próprio Corpo, que passaria pela Morte e Ressurreição. Lembremo-nos de que
tanto seu sagrado Corpo quanto sua Alma, mesmo estando separados pela morte,
permaneceram unidos hipostaticamente à divindade, por cujo poder ambos se
reassumiram mutuamente no momento da Ressurreição. O Redentor cumprira a
promessa, ressurgindo com todas as características que possuíra na vida mortal,
acrescidas de glória.
Prelibando a fase de expansão
da Igreja que dentro em breve se iniciaria, o Anjo transmite às mulheres uma
incumbência: comunicar aos discípulos a notícia da Ressurreição, pois, abatidos
pelo desânimo e decerto pesarosos por sua própria prevaricação, a Morte de
Nosso Senhor lhes poderia dar a ideia de que Ele Se esquecera dos que estimava.
Talvez pensassem que, uma vez tendo partido deste mundo, Jesus Se havia
afastado para não mais conviver com os seus. Vemos que o Anjo desmente essas
impressões falsas com o aviso de um novo encontro na Galileia, deixando claro o
quanto o Mestre os ama apesar de todas as infidelidades.
Um misto de medo e alegria
8 “As mulheres partiram depressa do sepulcro. Estavam com medo, mas
correram com grande alegria, para dar a notícia aos discípulos”.
As mulheres, que sempre
acompanhavam Nosso Senhor onde quer que Ele fosse, estavam habituadas a vê-Lo
sair-Se bem em todas as circunstâncias. Foi o que se verificou, por exemplo,
quando o paralítico descido pelo teto foi curado e seus pecados foram perdoados,
deixando os adversários do Divino Mestre confundidos e furiosos (cf. Lc 5,
18-26; Mc 2, 3-12; Mt 9, 2-8); ou quando houve a multiplicação dos pães e, pelo
instinto materno próprio à psicologia feminina, também sentiram pena da
multidão faminta que seguia Nosso Senhor, contemplando maravilhadas a
prodigiosa solução dada por Ele, na ocasião (cf. Mt 14, 15-21; Mc 6, 35-44; Lc
9, 12-17; Jo 6, 5-14). Episódios semelhantes ocorridos ao longo da pregação de
Jesus robusteceram-nas numa fé sincera em relação a Ele, fruto da retidão de
quem não tem arrière-pensée ou desconfianças próprias aos que fazem
considerações materialistas, esquecendo-se da existência de fatores
sobrenaturais que podem explicar os acontecimentos extraordinários.
Animadas por tão bom espírito,
retiraram-se elas do sepulcro sôfregas por transmitir a mensagem recebida.
Neste versículo, todavia, transparece algo muito humano: o misto de alegria e
medo que as invadiu, apesar da advertência angélica. A alegria, como é natural,
vinha do magnífico anúncio da Ressurreição de Nosso Senhor, e o temor tinha sua
origem em possíveis represálias dos judeus naquela situação ainda muito
instável. Para extirpar por completo esse receio, nada mais eficaz que um
contato com o Mestre.
O encontro com Nosso Senhor
9 “De repente, Jesus foi ao encontro delas, e disse: ‘Alegrai-vos!’. As
mulheres aproximaram-se, e prostraram-se diante de Jesus, abraçando seus pés”.
No intuito de animar as Santas
Mulheres, o próprio Jesus tomou a iniciativa de ir ao encontro delas, mostrando
que Ele vai à procura dos que realmente O amam. E eis que a sua primeira
palavra é “Alegrai-vos!”, para, em seguida, permitir que Lhe abraçassem os pés.
O conjunto dos pormenores de
outros relatos evangélicos desta passagem sugere a hipótese de que Maria
Madalena não estivesse junto às mulheres nesse instante, mas sozinha, em busca
de Nosso Senhor (cf. Mc 16, 9-11; Jo 20, 11-18). Tudo indica que o encontro que
tiveram com Ele deu-se em momentos e lugares diversos: primeiro apareceu à
pecadora arrependida, a quem ordenou “Não me retenhas!” (Jo 20, 17), e depois
às demais, enquanto corriam. É curioso notar a diferença em seu divino modo de
agir, pois não deixou aquela que havia “demonstrado muito amor” (Lc 7, 47)
externar toda a sua veneração, e aqui, pelo contrário, as Santas Mulheres
seguram seus pés e Ele não lhes opõe resistência.
Como explicar este aparente
paradoxo? Santa Maria Madalena tinha uma fé robusta e o Mestre não queria
tirar-lhe o mérito. Caso ela chegasse a tocá-Lo — ou se demorasse muito ao
fazê-lo, conforme sustentam alguns autores7 —, confirmaria cabalmente que Ele
havia ressuscitado e não era um espírito, mas o mesmo Homem-Deus cujos pés
lavara com suas lágrimas e enxugara com os cabelos (cf. Lc 7, 37-38). Jesus
estava como que a dizer-lhe: “Não Me toques, porque Eu te reservo um mérito
maior: o de crer sem comprovar”.
Às outras, consentiu que dessem
largas às suas manifestações de adoração. Elas já haviam visto um espírito e
sua primeira impressão ao deparar-se com o Salvador seria de que também se
tratava de um ser imaterial, até porque possuíam uma fé menos vigorosa que a de
Maria Madalena. Além disso, acompanharam-No continuamente antes da Paixão e,
enquanto os homens costumam dar menos importância à ausência física, elas, como
mulheres, eram mais sensíveis à separação e ao abandono. Precisavam, pois,
verificar que Jesus estava vivo e não as desamparara.
Ao abraçar os pés do Senhor,
devem ter visto e osculado as marcas dos cravos, além de sentir seu
inconfundível perfume, agora intensificado em virtude da glorificação do Corpo.
Ficaram comovidas por perceber que a Ressurreição era real e experimentaram,
sem a menor dúvida, uma consolação extraordinária. Põe-se aqui um problema
sobre qual será a maior graça: obter o mérito de crer sem constatar ou poder
estreitar o Corpo glorioso do Mestre? Deixemos que os teólogos tratem dessa
delicada questão, pois para ninguém será fácil a escolha, que depende do feitio
de cada pessoa.
Arautos da Ressurreição nomeadas pelo Senhor
10 “Então Jesus disse a elas: ‘Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus
irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles Me verão’”.
Depois do imenso favor de
permitir que tocassem em seu Corpo ressurrecto, Nosso Senhor recomenda “Não
tenhais medo”, para certificar mais uma vez de que Ele não era um fantasma e
infundir-lhes coragem ante a perspectiva de uma possível perseguição movida
pelos judeus. E deixa um recado destinado aos discípulos: que partissem rumo à
Galileia para um encontro, pois Ele não havia desaparecido. Assim, o Salvador
as constitui arautos para propagar a Boa-nova da Ressurreição, que os próprios
Apóstolos ainda não conheciam.
Que modo de proceder
contundente para os padrões estabelecidos pela sociedade da época! Os Doze, que
eram Bispos e foram os primeiros a comungar o Corpo, Sangue, Alma e Divindade
de Nosso Senhor Jesus Cristo, são obrigados a receber a notícia através de
mulheres! Eles fraquejaram, fugiram de medo e acabaram sendo postos à margem na
hora da Ressurreição, pois Jesus quis dar um prêmio às que não haviam faltado à
caridade. Não será que, se não nos convertermos a um amor tão intenso quanto
Ele espera de cada um, seremos ultrapassados pelos que consideramos inferiores
a nós? Sejamos verdadeiramente fervorosos, para que isto não nos aconteça!
Jesus ainda convive com eles ao
longo de quarenta dias para então subir aos Céus, mas compensa sua ausência
enviando o Espírito Santo e prolonga sua presença no Sacramento da Eucaristia,
confirmação da promessa feita por Ele antes de partir: “Eis que estou convosco
todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20).
Continua no próximo post
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