Tríduo Pascal

segunda-feira, 26 de maio de 2014

EVANGELHO SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR - Mt 28, 16- 20 - ANO A

De Deus viemos, a Ele devemos retornar
No Evangelho de São João encontramos as palavras do Divino Mestre que sintetizam a trajetória de sua vida terrena, e devem também ser o resumo da nossa: “Saí do Pai e vim ao mundo.
Agora deixo o mundo e volto para junto do Pai” (Jo 16, 28). Elas podem se aplicar com toda razão aos homens, pois nenhum de nós criou a própria alma. Apenas o corpo foi formado pelo concurso dos pais e mesmo estes não o engendrariam sem a força de Deus —, mas a alma provém d’Ele, que a cria no instante da concepção para que anime o corpo. Se fomos constituídos por Deus, é preciso que nosso desenvolvimento se faça com vistas a este retorno a Ele, como se deu com Jesus. Eis a extraordinária dignidade de nossa origem e de nossa finalidade: Deus!
No entanto, para atingirmos este fim é indispensável fazer como Nosso Senhor, que viveu com a atenção voltada para o Pai, conforme testemunhou em seu discurso de despedida: “Eu Te glorifiquei na Terra” (Jo 17, 4a). Nisto consiste a missão, o dever moral de cada homem. E não pensemos que tal meta se contrapõe às nossas obrigações no estado familiar ou em qualquer outro, pois se as cumprimos por amor a Deus, em função d’Ele e para Ele, realizamos o nosso chamado e poderemos dizer: “Terminei a obra que Me deste para fazer” (Jo 17, 4b). Com a Encarnação, Jesus revelou à humanidade o Deus Uno e Trino, Pai, Filho que é Ele — e Espírito Santo, e mostrou que a única Religião verdadeira, o único caminho que nos fortalece e nos dá paz é este que Ele trouxe, com o perdão dos pecados, a instituição dos Sacramentos e a felicidade do estado de graça. Por isso pôde afirmar: “Manifestei o teu nome aos homens” (Jo 17, 6). Quanto a nós, devemos continuar a sua obra e, para isso, contar com a força do Espírito Santo que nos é prometida. Se estivermos compenetrados de que somos membros de seu Corpo Místico, chamados a participar da herança de sua glória, e seguirmos a via por Ele aberta, nossos corpos ressuscitarão gloriosos no último dia.
Glorificação da natureza humana
A Ascensão de Cristo é o preâmbulo do que nos aguarda, como Ele anunciou: “vou preparar-vos um lugar” (Jo 14, 2). Ao subir, abre para nós as portas do Céu e, ao cântico dos Anjos, Se estabelece em seu trono ao lado do Pai, representando toda a humanidade, como belamente entoamos nos versos do hino de Laudes desta Solenidade: “Demos graças a tal defensor / que nos salva, que vida nos deu / e consigo no Céu faz sentar-se / nosso corpo no trono de Deus”.12 De fato, no momento em que a humanidade santíssima de Jesus Se assenta no “trono da Majestade divina nos Céus” (Hb 8, 1) e recebe a glória devida, todo o gênero humano é também elevado.
Sabemos, todavia, que só no Juízo Final teremos essa glória, pois antes disso todos morreremos e o corpo não será poupado da decomposição, servindo de alimento aos vermes até se desfazer. Enquanto não o recuperarmos a alma estará, sob certo aspecto, em estado de violência, como explica o padre Royo Marín: “Se é contrário à natureza qualquer mutilação do corpo humano, [...] é evidente que muito mais contrário à natureza humana é que o corpo inteiro se destaque e se separe de sua alma”.’3 Contudo, o período que permeia entre o instante em que fechamos os olhos para esta vida e o da ressurreição no último dia é ínfimo se comparado à eternidade. No fim do mundo comprovaremos o extraordinário poder de Deus pois, assim como criou nossa alma do nada, Ele reconstituirá os corpos a partir do que deles ainda restar; e, se tivermos morrido em graça, os restituirá em estado glorioso, para subirmos ao Céu tal como Nosso Senhor Jesus Cristo em sua Ascensão, comemorada liturgicamente nesta Solenidade.
Ele intercede por nós junto ao Pai
À vista disso, a Oração do Dia adquire especial significado ao recordar que a Ascensão do Senhor “já é a nossa vitória”.14 E prossegue: “Fazei-nos exultar de alegria e fervorosa ação de graças, pois, membros de seu Corpo, somos chamados na esperança a participar da sua glória”.’5 Ele está sentado no trono de Deus, à direita do Pai, como Intercessor, Mediador e Sacerdote, apresentando-Lhe sua humanidade! Sem dúvida, basta-nos isto para obtermos tudo o que necessitamos. E Ele não só oferece sua humanidade, como o faz depois de ter passado por todas as vicissitudes de um corpo padecente, pela Paixão e pela Morte. O padre Monsabré, célebre pregador dominicano, tece algumas considerações sobre este tema: “Lá, Vós concluís a obra de nossa salvação. Lá, Vós fazeis um apelo à nossa fé, à nossa esperança, ao nosso amor, às nossas adorações; lá, precursor diligente e devotado, nos preparais um lugar, mostrando-nos a via que seguistes e as gerações bem-aventuradas que haveis livrado do poder de satanás. Lá, Pontífice misericordioso, Vós mostrais as vossas chagas e aplicais, em nosso favor, os sofrimentos e os méritos de vossa Paixão e de vossa Morte; de lá, derramais sobre nós todos os vossos dons. De lá, enfim, Vós vireis um dia, lei subsistente e viva, Sabedoria Encarnada, Senhor de toda criatura, exemplar de toda vida, plenitude de toda graça, de lá vireis, revestido de grande poder e de grande majestade, para julgar os vivos e os mortos”.16
Deste modo, temos ao lado do Pai alguém que participa de nossa natureza, de nossa carne e de nossos ossos a advogar por nós, acompanhado por Maria Santíssima, que sempre vela com incansável maternalidade pelos homens.
Peçamos a Eles a graça de não serem tisnadas nossas almas pelas ilusões que levaram os Apóstolos a procurarem uma felicidade meramente humana. Esteja nossa atenção sempre voltada para as coisas do alto, buscando restituir a Deus tudo quanto d’Ele recebemos ao longo da vida. E assim como estamos neste mundo para imitar Nosso Senhor, que Se encarnou para ser o Modelo Supremo, assim também devemos nós ser exemplo para os outros. Eis a verdadeira perspectiva neste estado de prova: manter sempre a esperança de que, em determinado momento, estaremos em corpo e alma nos Céus, num eterno e sublime convívio com Deus!
1) Cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. De rejeitado a onipotente. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.18 (Jun., 2003); p.6-11; Comentário ao Evangelho da Solenidade da Santíssima Trindade — Ano B, no Volume III desta coleção.
2) Cf. TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, vV, p.605.
3) SÃO RÁBANO MAURO, apud SÃO TOMAS DE AQUINO. Catena Aurea. In Matthæum, c.XXVIII, v.16-20.
4) SÃO JERÔNIMO. Comentario a Mateo. L.IV (22,41-28,20), c.28, n.64. In: Obras Completas. Comentario a Mateo y otros escritos. Madrid: BAC, 2002, v.11, p.419.
5) SAO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía XC, n.2. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (46-90). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, v.11, p.729.
6) Idem, ibidem.
7) SAO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Suppl., q.89, a.1.
8) Cf. Idem, III, q.53, a.4.
9) Idem, q.57, a.3.
10) Idem, a.6.
11) SAO JOAO CRISÓSTOMO, apud SAO TOMAS DE AQUINO. Catena Aurea In Lucam, c.XXIV v.50-53.
12) SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR. Hino de Laudes. In: COMISSAO EPISCOPAL DE TEXTOS LITURGICOS. Liturgia das Horas. Petrópolis: Ave Maria; Paulinas; Paulus; Vozes, 2000, vIl, p.830.
13) ROYO MARIN, OP, Antonio. Teología de la salvación. 4.ed. Madrid: BAC, 1997, p.174.
14) SOLENIDADE DA ASCENSAO DO SENHOR. Oração do Dia. In: MISSAL ROMANO. Trad. Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9.ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.313.
15) Idem, ibidem.
16) MONSABRÉ, OP, Jacques-Marie-Louis. Le Triomphateur. In: Exposition du Dogme Catholique. Vie de Jésus-Christ. Carême 1880. 9.ed. Paris: Lethielleux, 1903, v.VIII, p.327-329.


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