Continuação dos comentários ao Evangelho – Solenidade de São Pedro e São Paulo
O povo não considerava Jesus como o Messias
Eles responderam: “Uns dizem que é João Batista; outros,
que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas”.
Os Apóstolos tinham
exata noção do juízo que os “homens” de então faziam a propósito do Divino
Mestre. Apesar de todas as evidências, dos milagres, da doutrina nova dotada de
potência, etc., o povo não O considerava como o Messias tão esperado. Jesus
surgia aos olhos de todos como a ressurreição ou o reaparecimento de anteriores
profetas. Não encontravam nEle a eficaz magnificência do poder político, tão
essencial para a realização do mirabolante sonho messiânico que os inebriava.
Daí imaginarem-No o Batista ressurrecto, ou Elias, enquanto mais
especificamente um precursor, ou até mesmo um Jeremias, lídimo defensor da
nação teocrática (cf. 2 Mac 2, 1-12). Vêse claramente neste versículo como o
espírito humano é inclinado ao erro e como facilmente se distancia dos
verdadeiros prismas da salvação. Mas, pelo menos, aqueles seus contemporâneos
ainda discerniam algo de grandioso em Jesus. Seria interessante nos
perguntarmos como Ele é visto pela humanidade globalizada, cientificista e
relativista de nossos dias.
Pedro O reconhece como Filho de Deus
Perguntou-lhes de novo: “E vós, quem dizeis que Eu sou?”
Bem sublinha São João
Crisóstomo a essência desta segunda pergunta 5. Sem refutar os erros de
apreciação dos outros, Jesus quer ouvir dos próprios lábios de seus mais
íntimos o juízo que dEle fazem. Para lhes tornar fácil a proclamação de Sua
divindade, não usa aqui o título humilde de Filho do Homem.
Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: “Tu és o
Messias, o Filho de Deus vivo”.
Pedro falava como
intérprete da opinião de todos, por ser o mais fervoroso e o principal 6,
embora não fosse a primeira vez que Jesus era reconhecido como Filho de Deus.
Já Natanael (cf. Jo 1, 49), os Apóstolos após a tempestade no mar de Tiberíades
(cf. Mt 14, 33) e o próprio Pedro (cf. Jo 6, 69) haviam externado essa
convicção.
Sola
fides! Aqui não há elemento algum emocional ou
sensível, como em circunstâncias anteriores. Em meio às rochas frias de um
ambiente ecológico, longe de acontecimentos arrebatadores e da agitação das
turbas ou das ondas, só a voz da Fé se faz ouvir.
“Certíssimo argumento é que Pedro chamou a Cristo de Filho de Deus por
natureza, quando O contrapôs a João, a Elias, a Jeremias e aos profetas, os
quais foram — claro está — filhos de Deus por adoção” 7. Ademais, como
comenta o mesmo Maldonado, Pedro dá a Deus o título de “vivo” para distingui-Lo dos deuses pagãos que são substâncias
mortas. E, por fim, o artigo — como sói acontecer na língua grega — antecedendo
o substantivo “filho”, designa “filho único” segundo a natureza, e não
um entre vários.
A ciência humana não tem força para atingir a união hipostática
Jesus disse-lhe em resposta: “És feliz, Simão, filho de
Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que
está no Céu”.
Ao felicitar seu
Apóstolo, Jesus avalia a afirmação de Pedro a respeito de sua filiação e,
portanto, de sua natureza divina e consubstancialidade com o Pai. Sobre este
particular são unânimes os comentaristas. Era um costume judaico indicar a
filiação da pessoa para ressaltar sua importância; neste caso concreto havia a
intenção de manifestar o quanto “Cristo é
tão naturalmente o Filho de Deus como Pedro é filho de Jonas, quer dizer, da
mesma substância daquele que o engendrou”8.
As palavras de Pedro
não são fruto de um raciocínio com base num simples conhecimento experimental.
Não haviam sido poucas as curas logo após as quais os beneficiados conferiam
com exclamações ao Salvador o título de “Filho de Davi” (cf. Mt 15, 22; Mc 10,
47, etc.), conhecido como um dos indicativos do Messias. Os próprios demônios,
ao se encontrarem com Ele, proclamavam-No “o Santo de Deus” (Lc 4, 34), “o
Filho de Deus” (Lc 4, 41), “Filho do Altíssimo” (Lc 8, 28; Mc 5, 7). Ele mesmo
declarara ser “dono do sábado” (Mt 12, 8), e após a multiplicação dos pães a
multidão queria aclamá-Lo “Rei” (Jo 6, 15). Assim como estas, muitas outras
passagens poderiam facilmente nos indicar as profundas impressões produzidas
por Jesus sobre seus discípulos9. Porém, em nenhuma ocasião anterior Pedro
recebeu tal elogio saído dos lábios do Salvador. Nesta passagem, ele “é feliz porque teve o mérito de elevar seu
olhar além do que é humano e, sem deter-se no que provinha da carne e do
sangue, contemplou o Filho de Deus por um efeito da revelação divina e foi
julgado digno de ser o primeiro a reconhecer a Divindade de Cristo”10.
Portanto, a afirmação
de Pedro se realizou com base num discernimento penetrante, luzidio e
abarcativo da natureza divina do Filho de Deus. A ciência, a genialidade ou
qualquer outro dom humano não têm força suficiente para atingir os páramos da
união hipostática realizada no Verbo Encarnado. É indispensável ser revelada
pelo próprio Deus e aceita pelo homem. Mas o homem sem Fé aferra-se às suas
próprias idéias, tradições e estudos, rejeitando, às vezes, as provas mais
evidentes, como o são os milagres. Para este, Jesus não passa — e quando muito
— de um sábio ou de um profeta. Haverá também aqueles que não O verão senão
como “o filho do carpinteiro” (Mt 13, 55).
Essa é a nossa Fé
ensinada pela Igreja, revelada pelo próprio Deus, anunciada pelo Filho, o
enviado do Pai, e confirmada pelo Espírito Santo, enviado pelo Pai e pelo
Filho. As verdades da Fé não são fruto de sistemas filosóficos, nem da
elaboração de grandes sábios.
Jesus edifica Sua Igreja sobre Pedro
Também Eu te digo: “Tu és Pedro, e sobre esta Pedra
edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno nada poderão contra ela”.
Foi indispensável e
excelente ter afirmado Orígenes inspiradamente: “Nosso Senhor não precisa se é
contra a pedra sobre a qual Cristo construiu sua Igreja ou se é contra a
própria Igreja, construída sobre a pedra, que as portas do inferno não
prevalecerão. Mas é evidente que elas não prevalecerão nem contra a pedra nem
contra Igreja”11. Sim, porque para destruir essa pedra, ou seja, o Vigário de
Jesus Cristo na Terra, muitos esforços e diligências de um considerável número
de hereges têm sido empregados, na tentativa de abalar o sagrado edifício da
Igreja a partir de seu fundamento, o qual é a alegria, consolo e triunfo dos
verdadeiros católicos. Nesse “edificarei” se encontra o real anúncio do Reino
de Jesus. O grande e divino desígnio começa a se delinear nesse nome, até então
nunca usado: “minha Igreja”.
O plano de Jesus é
proclamado sobre as rochas de Cesaréia, pelo próprio Filho de Deus, que Se
apresenta como um divino arquiteto a erigir esse edifício indestrutível,
grandioso e santíssimo, a sociedade espiritual, constituída por homens: militante
na Terra, padecente no Purgatório, triunfante no Céu. O conjunto de todos
aqueles que se unem debaixo da mesma Fé, nesta Terra, chama-se Igreja. Desta, o
fundamento é Pedro e todos os seus sucessores, os romanos pontífices, pois,
caso contrário, não perduraria a existência do edifício. Eis um ponto vital de
nossa Fé: “o fato da Igreja estar edificada sobre o próprio Pedro” que aliás —
“é admitido por todos os autores antigos, excepto os hereges”12.
Um só corpo e um só espírito em torno do Sucessor de Pedro
“Há na Igreja muitas
pessoas constituídas em autoridade, às quais devemos estar unidos pela
obediência. No entanto, toda essa variedade precisa reduzir-se a um prelado
primeiro e supremo, em quem principalmente se concentre o principado universal
sobre todos. Deve reduzir-se não só a Deus e a Cristo, mas também a Seu
vigário; e isto não por estatuto humano, mas por estatuto divino, mediante o
qual Cristo constituiu São Pedro príncipe dos Apóstolos, estabelecidos estes,
por sua vez, como príncipes na Terra. E Cristo fez isso convenientissimamente,
por assim o exigirem a ordem da justiça universal, a unidade da Igreja e a
estabilidade, tanto dessa ordem, quanto dessa unidade” 13.
O “Tu es Petrus ...”
será aplicado a todos os escolhidos em conclave para se sentarem na Cátedra da
Infalibilidade. Assim, morreu Pedro, mas não o Papa; e é em torno dele que a
Igreja mantém a sua unidade.
“Fácil é a prova que
confirma a Fé e compendia a verdade. O Senhor fala a São Pedro e lhe diz: ‘Eu
te digo que tu és Pedro’ (Mt 16, 18). E noutro lugar, depois de Sua
ressurreição: ‘Apascenta minhas ovelhas’ (Jo 21, 17). Somente sobre ele edifica
Sua Igreja, e o encarrega de apascentar seu rebanho. E embora confira igual
poder a todos os Apóstolos e lhes diga: ‘Como meu Pai Me enviou, assim Eu vos
envio’ (Jo 20, 21), sem embargo, para manifestar a unidade, estabeleceu uma
Cátedra, e com sua autoridade dispôs que a origem dessa unidade se
fundamentasse em um. Por certo, todos os Apóstolos eram o mesmo que Pedro,
adornados com a mesma participação de honra e poder; mas o princípio dimana da
autoridade, e a Pedro foi dado o Primado para demonstrar que uma é a Igreja de
Cristo e uma a Cátedra. Todos são pastores, mas há um só rebanho apascentado
por todos os Apóstolos de comum acordo [...].
“Pode ter Fé quem não
crê nessa unidade da Igreja? Pode pensar que se encontra dentro da Igreja quem
se opõe e resiste à Igreja, quem abandona a Cátedra de Pedro, sobre a qual ela
está fundada? São Paulo também ensina o mesmo, e manifesta o mistério da
unidade, ao dizer: ‘Há um só corpo e um só espírito, como também só uma
esperança, a de vossa vocação. Só um Senhor, uma Fé, um batismo, um Deus’ (Ef
4, 4-6)” 14.
Continua no próximo post
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