Conclusão dos comentários ao Evangelho da Missa da Vigília de Pentecostes - Jo 7, 37-39
A água viva da graça
É Ele o rio de água viva que
fluirá dentro de nós e do qual Nosso Senhor Se oferece a ser, Ele mesmo, a
fonte, desde que n’Ele acreditemos. No Apocalipse, São João descreve “um rio de
água viva, resplandecente como cristal de rocha, saindo do trono de Deus e do
Cordeiro. No meio da avenida e às duas margens do rio, achava-se uma árvore da
vida, que produz doze frutos” (Ap 22, 1-2).
A água viva não está estagnada
como a de uma cisterna, mas jorra constantemente, como a das fontes das praças
de Roma, à disposição dos transeuntes. Este divino manancial, prometido por Nosso
Senhor no Evangelho desta Vigília e vislumbrado pelo Discípulo Amado, produz no
fundo da alma uma água superabundante e eficaz, que combate sem cessar a sede das
paixões, ao mesmo tempo que nos sustenta, anima, impulsiona e transmite energia
— espiritual, e também corporal —, proporcionandonos a alegria da contemplação
dos panoramas sobrenaturais. Então, em tudo quanto fazemos somos elevados por
Ele e damos o melhor de nós; e chegado o instante do último suspiro, se
tivermos atingido o auge da virtude, entraremos no Céu sem nem sequer passar
pelo Purgatório.
Só nos corações humildes habita o Espírito Santo
A alma só perderá o tesouro da
natureza divina se, cega pelo orgulho, erguer obstáculos, puser condições à
graça e procurar construir para si uma Torre de Babel, a “torre” de todas as ambições
e desvarios do pecado. Contando apenas com sua pura natureza humana e
impossibilitada de conquistar méritos, terá o Céu fechado diante dela. Por isso
devemos rogar ao Espírito Paráclito que remova os entraves provenientes de
nossa miséria e, assim, dóceis às suas inspirações, colaboremos com sua obra de
santificação. Lembremo-nos da célebre admoestação de Santa Maravilhas de Jesus,
superiora das Carmelitas Descalças do Cerro de los Angeles, a suas religiosas:
“Si tú Le dejas... — Se tu O deixas...”.9
No extremo oposto, um dos mais
belos trechos da Epístola de São Paulo aos Romanos — também contemplado na
segunda leitura — deixa entrever a maravilha da humildade e como ela nos obtém
lucros extraordinários: “nós não sabemos o que pedir, nem como pedir; é o próprio
Espírito que intercede em nosso favor, com gemidos inefáveis” (Rm 8, 26).
Porque se nos colocamos ante a perspectiva de que somos de barro, feitos da mesma
matéria dos tijolos da Torre de Babel e, portanto, incapazes sequer de saber o
que pedir ou de encontrar a fórmula para tal, podemos ter uma certeza: desde
que nos mantenhamos na graça de Deus, o Espírito Santo estará gemendo no fundo
daalma de cada um de nós; esta é a humildade! Só nos corações humildes habita o
Espírito Santo!
Um mistério de amor do Filho pelo Pai e por nós
39b ...pois ainda não tinha sido dado o Espírito, porque Jesus ainda não
tinha sido glorificado.
Para compreender bem o significado
desta frase do Evangelista teólogo, é mister remontar ao momento em que, pelo
fiat de Maria Santíssima, o Verbo Se encarnou.
Deus prescrevera ao povo de
Israel dez Mandamentos, além das numerosas regras da Lei Mosaica, resumindo-se
tudo em duas sentenças: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de
toda a tua alma e de todas as tuas forças” (Dt 6, 5) e “Amarás o teu próximo
como a ti mesmo” (Lv 19, 18). Quis ser Ele o primeiro a nos dar o exemplo deste
último, tornando-Se nosso próximo ao assumir a natureza humana. Mais ainda,
para nos remir Ele almejava padecer por nós abraçando a Cruz, como a abraçou, e
derramando seu Sangue, como o derramou.
No entanto, sendo Ele Deus, não
estava de acordo com a ordem divina que sua Alma fosse criada em estado de
prova em relação à fé, sofrendo, como os demais homens, a privação da visão
beatífica, de tal forma que não Se visse a Si mesmo como Pessoa Divina, mas
tivesse de acreditar na existência de Deus.10 A criação da Alma do Filho de
Deus, deveria ser — como de fato foi — a mais perfeita. Para São Tomás, Ele foi
“bem-aventurado logo no início”.11
A fim de realizar seu desígnio
redentor, todavia, Ele escolheu tomar um corpo mortal,’2 pronto para sofrer as
agruras de uma crucifixão, precedida de todas as humilhações que suportou desde
a sua prisão no Horto das Oliveiras. Ele, “o Impalpável, o Impassível, por nós
se fez passível e de todos os modos sofreupor nós”.’3 Ele não incentivou esses
suplícios — pois não pode provocar o pecado —, mas apenas Se submeteu à maldade
humana, feita de inveja, de comparação e de orgulho.
Deparamo-nos aqui com uma
assombrosa dicotomia: uma alma na visão beatífica, unida a um corpo padecente.
Como compreender? Mistério de amor do Filho, de desejo de reparacão do Filho ao
Pai e de misericórdia para conosco!
A glória de Jesus Cristo, pórtico de nossa santificação
Desde o primeiro instante da
concepção no seio puríssimo de sua Mãe, Nosso Senhor Jesus Cristo contemplou
todos os sofrimentos que deveria enfrentar, e que culminariam com sua Morte, quando
a Alma se separasse do Corpo, sem, contudo, perderem a união com a divindade.
Sabia também que, depois de sua dolorosa Paixão, Ele ressurgiria triunfante do
túmulo com o Corpo já em estado glorioso. Ao longo de sua existência terrena,
Jesus tinha frêmitos interiores santíssimos — e, por que não dizer, divinos!
— por comprovar com seus olhos carnais aquilo que desde todo o sempre conhecia
enquanto Deus, por exemplo, ao entrar no Templo (cf. Lc 2, 46-49) ou ao comer a
Páscoa com seus discípulos (cf. Lc 22, 15). De forma semelhante, Ele também
esperava a glorificação de seu Corpo.14
Por mais que se exalte aqui na
Terra alguém que tenha praticado a virtude de maneira esplendorosa, a
verdadeira glória só se alcança na eternidade e chegará à plenitude na
ressurreição dos corpos. Sim, porque em razão da mancha original com a qual
todos nascemos, embora se possa ter atingido a santidade, ao partir desta vida
o corpo fica e passa pela decomposição. Mas os que houverem morrido na graça de
Deus estão à espera da restituição do corpo, fulgurante, magnífico, espiritualizado
(cf. I Cor 15, 44). Por isso, o ápice da glória de todos os Bem-aventurados que
se encontram diante de Deus será no dia do Juízo, “quando for dado o sinal, à
voz do Arcanjo e ao som da trombeta de Deus” (I Ts 4, 16), e eles subirem em
corpo e alma sobre as nuvens, para estar junto com Cristo para sempre.
Essa glória, como dissemos no
início, foi dada primeiramente a Nosso Senhor na Ressurreição e na Ascensão,
depois a Nossa Senhora ao ser assunta ao Céu, e, segundo tese defendida por
muitos Santos e doutores, também a São José.15 Os três estão no Paraíso Celeste
em corpo glorioso.
Ora, a glorificação de Nosso
Senhor Jesus Cristo era necessária para a vinda do Espírito Santo sobre os
Apóstolos, como Ele mesmo afirmou na Ultima Ceia: “convém a vós que Eu vá!
Porque, se Eu não for, o Paráclito não virá a vós; mas, se Eu for, vo-Lo
enviarei” (Jo 16, 7).
III – O REMÉDIO PARA UMA HUMANIDADE DIVORCIADA DE DEUS
Os textos da Missa da Vigília,
ao nos conduzirem à expectativa da descida do Espírito Santo comemorada na Solenidade
litúrgica de Pentecostes, nos sugerem uma aplicação em relação ao mundo
contemporâneo. Descendente daqueles que construíram a Torre de Babel, ao longo
dos séculos a humanidade necessitou das luzes e dos dons do Paráclito para
socorrer a sua fraqueza. Hoje, porém, mais do que nunca, faz-se premente a
súplica cantada no Salmo Responsorial (cf. Sl 103, 30): “Enviai o vosso
Espírito, Senhor, e da Terra toda a face renovai”.
Sem a graça do Espírito Divino,
impetrada há dois mil anos pela Igreja, inútil é qualquer iniciativa de
apostolado! De nada servirão a pregação, a publicação de livros, a difusão de
jornais ou a propaganda pelos meios de comunicação a fim de conduzir as almas à
santidade. O único Santificador, que faz evaporar o orgulho e sana nossas
misérias, é Aquele que Jesus anuncia no Evangelho. E Ele quem nos transforma e
santifica, dando forças para nos mantermos fiéis na prática da virtude. E Ele
quem nos instrui sobre tudo aquilo que não compreendemos: “o Paráclito, o
Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, Ele vos ensinará tudo” (Jo 14,
26).
Tal deve ser nossa aspiração,
conforme o pedido da Aclamação ao Evangelho: “Vinde, Espírito Divino, e enchei
com vossos dons os corações dos fiéis, e acendei neles o amor como um fogo
abrasador!”.’6 Imploremos, pois, essa vinda do Espírito Santo, para que Ele
incendeie os nossos corações e faça de nós almas de fogo, na plena participação
da vida divina!
Clique aqui para ler os comentários do Evangelho Pentecostes - Missa do dia
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1) SÃO TOMÁS DE AQUINO.
Suma Teológica. I, q.25, a.6, ad 3.
2) Cf. ROYO MARIN, OP, Antonio. La
Virgen María. Madrid: BAC, 1968, p.57; ROSCHINI, OSM, Gabriel. Instruções Marianas. São
Paulo: Paulinas, 1960, p.22.
3) BEAUDENOM, Léopold. Formation a l’humilité. 6.ed. Paris: Lethielleux,
1924, p.73.
4) Idem, p.52.
5) Cf. SCHUSTER, Ignacio; HOLZAMMER, Juan B. Historia Bíblica. Antiguo
Testamento. Barcelona: Litúrgica Española, 1934, t.I, p.344.
6) Cf. SCHUSTER Ignacio; HOLZAMMER, Juan B. Historia Bíblica. Nuevo
Testamento. Barcelona: Litúrgica Española, 1935, t.II, p.164-165, nota 5;
EDERSHEIM, Alfred. The Life and Times of Jesus the Messiah. Grand Rapids (MI):
Eerdmans, 1976, v.1, p.449.
7) Cf. SCHUSTER; HOLZAMMER, op. cit., t.I, p.344-345; t.II, p.261, nota
11.
8) Cf. SAO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., q.8, a.3.
9)GRANERO, Jesus María. Madre Maravillas de Jesús. Biografia
espiritual. Madrid: Fareso, 1979, p.139.
10) Cf. SAO TOMÁS DE
AQUINO, op. cit., III, q.7, a.3.
11) Idem, q.34, a.4, ad
3.
12) Cf. Idem, q.45, a.2.
13) SANTO INÁCIO DE
ANTIOQUIA. Carta a Policarpo, III, 2. In: RUIZ BUENO,
Daniel (Ed.). Padres Apostólicos. 5.ed. Madrid:
BAC, 1985, p.499.
14) Cf. SÃO TOMÁS DE
AQUINO, op. cit., III, q.7, a.4.
15) Cf. SAO FRANCISCO DE
SALES. Entretien XIX. Sur les vertus de Saint Joseph. In: OEuvres Complètes.
Opuscules de spiritualité. Entretiens spirituels. 2.ed. Paris: Louis Vivès,
1862, t.III, p.546; SAO BERNARDINO DE SENA. Sermones de Sanctis. De Sancto
loseph Sponso Beatæ Virginis. Sermo I, a.3. In: Sermones Eximii. Veneza: Andreæ
Poletti, 1745, t.IV, p.235; SAUVE, PSS, Charles. Le
culte de Saint Joseph. Élévations dogmatiques. 2.ed. Paris: Charles Amat, 1910,
p.343-344; DE ISOLANO, OP, Isidoro. Suma de los dones de San José. 1V c.3. In:
LLAMERA, OP, Bonifacio. Teología de San José. Madrid: BAC, 1953, p.629-630.
16) MISSA DA VIGÍLIA DO
DOMINGO DE PENTECOSTES. Aclamação ao Evangelho. In: MISSAL ROMANO. Palavra do
Senhor I — Lecionário Dominical (A-B-C). Trad. Portuguesa da 2a. edição típica
para o Brasil realizada e publicada pela CNBB e aprovada pela Sé Apostólica. São Paulo: Paulus, 2004, p.225.
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