CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO — XII DOMINGO DO TEMPO COMUM — ANO A – Mt 10, 26-33
II – COMENTÁRIO SOBRE O EVANGELHO
Este é o fundo de quadro do
Evangelho de hoje e, por isso, começa ele com o firme conselho:
26 Não tenhais medo deles
Jesus envia seus discípulos em
missão e profetiza as perseguições que por causa d’Ele sofrerão, conforme
relatam os versículos anteriores. Por isso recomenda-lhes confiarem em seus
conselhos, como por exemplo, o de serem perseverantes e destemidos na pregação
do Evangelho, pois serão amparados e protegidos pelo Pai que está nos Céus,
sobretudo no tocante à salvação eterna. Esta será a constante das outras
passagens.
27 O que Eu vos digo às escuras, dizei-o às claras e o que vos é dito ao
ouvido, pregai-o sobre os telhados
Para melhor entendermos este
versículo, devemos nos reportar aos costumes da época.
Aos sábados, dia reservado ao
Senhor, todos se reuniam na sinagoga para ouvir a Palavra de Deus. Ao contrário
do que se imaginaria, o leitor não apenas lia em voz baixa, como também não se
dirigia aos assistentes, mas falava a um intermediário perto dele, o qual, por
sua vez, proclamava em alta voz o que ouvia.
Outro costume tinha lugar às
sextas-feiras à tarde. O ministro da sinagoga subia ao mais alto teto de uma
das casas da cidade e tocava fortemente uma trombeta, advertindo todos os
trabalhadores de que era hora de retornarem aos seus lares, pois aproximava-se
o repouso sabatino religioso.
O Divino Mestre usou essas
figuras da vida comum e corrente naqueles tempos para ilustrar qual devia ser a
disposição de alma dos discípulos, ao exercerem o ministério de arautos do
Evangelho. E, havendo-as mencionado, torna Jesus a incentivá-los à confiança.
28 Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma. Temei antes
Aquele que pode lançar a alma e o corpo na Geena.
Os judeus ortodoxos,
contrariamente aos saduceus, acreditavam na imortalidade da alma, e por isso
comenta São João Crisóstomo: “Observemos que (Jesus) não lhes promete livrá-los
da morte, mas lhes aconselha a desprezá-la, o que é muito mais que livrá-los da
morte, e lhes insinua o dogma da imortalidade” (4). Em seguida lhes apresenta
duas significativas metáforas, relacionadas com a Providência Divina.
29 Porventura não se vendem dois passarinhos por um asse? E, todavia,
nem um só deles cairá no chão sem a permissão de vosso Pai.
O “asse” era a menor moeda
usada pelos romanos. Cunhada em bronze, valia a décima sexta parte de um
denário. Portanto, além de não ser judaica, tinha valor real insignificante.
Dois passarinhos valiam tão pouco que eram vendidos por esse preço irrisório e,
no entanto, necessitavam do consentimento do Pai para serem mortos.
30 Até os próprios cabelos da vossa cabeça estão todos contados. 31 Não
temais, pois. Vós valeis mais que muitos passarinhos.
O objetivo dessas duas
comparações feitas por Jesus é ressaltar o grande carinho e cuidado da
Providência Divina para com suas criaturas. Se passarinhos e cabelos são
tratados com esse cuidado por Deus, quanto mais se preocupará Ele em proteger
seus discípulos que estão sendo enviados para pregar sobre o Reino!
Não há razão para temerem as
injustiças e perseguições que lhes sobrevierem, conforme exclama Jeremias na
primeira leitura de hoje: “O Senhor, porém, está comigo, qual poderoso
guerreiro. Por isso, longe de triunfar, serão esmagados meus perseguidores. Sua
queda os mergulhará na confusão. Será, então, a vergonha eterna, inesquecível”
(Jer 20, 11).
A essa altura, a Liturgia de
hoje se encerra trazendo à baila os dois versículos seguintes, a fim de frisar
a importância e o valor absoluto do Tribunal do Pai em relação ao dos homens.
32 Todo aquele, portanto, que Me confessar diante dos homens, também Eu
o confessarei diante de meu Pai que está nos Céus. Porém, quem Me negar diante
dos homens, também Eu o negarei diante de meu Pai que está nos Céus.
São bem conclusivas estas duas
promessas de Nosso Senhor, em face da glória futura ou do castigo. Realmente,
vale a pena sofrer como São Paulo: “Muitas
vezes vi a morte de perto. Cinco vezes recebi dos judeus os quarenta açoites
menos um. Três vezes fui flagelado com varas. Uma vez apedrejado. Três vezes
naufraguei, uma noite e um dia passei no abismo” (2 Cor 11, 24-25). Muitos
outros riscos e dramas são narrados por ele nessa Epístola. E mais adiante
relata que ele “foi arrebatado ao Paraíso
e lá ouviu palavras inefáveis, que não é lícito a um homem repetir” (2 Cor
12, 4).
III – CONCLUSÃO
Nesse panorama futuro e eterno
devem estar fixados os nossos olhos, e não nas delícias fátuas e passageiras
desta vida, ainda quando legítimas. Nem falemos do pecado, porque ele terá como
consequência imediata a frustração, e o fogo do inferno após a morte.
As dores, angústias e dramas
pelos quais passamos durante nossa existência terrena nada são em comparação
com o prêmio dos justos, conforme garante São Paulo: “Tenho para mim que os
sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que
nos deve ser manifestada” (Rm 8, 18).
Resta-nos lembrar o
indispensável papel de Maria na nossa salvação. Pois assim como Jesus veio a
nós por Maria, é também por meio d’Ela que obteremos as graças necessárias para
sermos outros Cristos e alcançarmos a vida eterna.
1 ) Rigoletto,
Ato III, cena I.
2 ) cf At 17, 28.
3 ) Retiros
pascoais [1880] instr. 3ª
4
) “Hom. 35” — in Mat.
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