Tríduo Pascal

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

COMEMORAÇÃO DE TODOS OS FIÉIS DEFUNTOS -2 DE NOVEMBRO

Purgatório! Como evitá-lo?
A Comemoração dos Fiéis Defuntos é uma ocasião feliz que a Igreja nos proporciona para aliviarmos os que padecem no Purgatório. Mas ela também traz consigo um ensinamento para nosso proveito espiritual: temos uma responsabilidade e, se não agirmos como devemos, poderemos escutar esta terrível sentença do Divino Juiz: “Não estás preparado!”.

I - APÓS A MORTE, UMA DÍVIDA PENDENTE
A Santa Igreja, em sua sabedoria e inerrância divinas, inseriu no calendário litúrgico a comemoração de Todos os Fiéis Defuntos no dia seguinte à Solenidade de Todos os Santos — no Brasil adiada para o domingo seguinte por motivos pastorais —, com o intuito de unir os três estados da Igreja, Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo, do qual Ele é a Cabeça. Ontem, a Igreja militante — constituída pelos que na Terra, em estado de prova, combatem o bom combate para receber depois o prêmio da glória (cf. II Tim 4, 7-8) — festejava a Igreja triunfante, louvando e glorificando os Santos que já se encontram na eterna bem-aventurança. Hoje volta ela seu olhar para os irmãos que, sendo também justos, ainda estão no Purgatório — a Igreja padecente —, cumprindo as penas temporais devidas por suas faltas.

A tripla dimensão do pecado
Deus todo-poderoso nada pode criar que não seja para Si mesmo. Ele nos deu o ser a fim de praticarmos a virtude para louvá-Lo, reverenciá-Lo e servi-Lo acima de tudo, e não é outra a nossa obrigação, uma vez que nossos pais não criaram nossa aima imortal, mas sim Deus, de quem na verdade nascemos.
Ora, quando pecamos, fazemos mau uso das criaturas, dando as costas a Deus e ofendendo-O. O Salvador, porém, em sua infinita bondade, nos deixou o Sacramento do Batismo para apagar a culpa original e de todos os pecados cometidos até o momento de recebê-lo, sejá tivermos o uso da razão, bem como o da Penitência, para absolver as faltas em que incorremos depois do Batismo.1 E ao sermos perdoados pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, através dos lábios do sacerdote, evitamos a condenação ao inferno. No entanto, além da injúria feita a Deus, o pecado atenta também contra outras duas ordens — a consciência e o universo — e, em consequência, é lógico sermos por elas humilhados e punidos.2
O julgamento da consciência
Todos nós temos a Lei de Deus gravada na mente e no coração, como critério para discernir quão insensato é abraçar a via do pecado. A consciência nos acusa quando procedemos mal, e mostra o caminho verdadeiro. Por tal motivo, se alguém, de fato, comete um pecado, não lhe cabe a dúvida; antes, está certo de sua queda porque agiu contra a própria consciência. O pecado vulnera a ordem pe4eita da criação Deus criou o universo numa ordenação perfeita: cada astro segue sua trajetória com exatidão; o Sol não se choca com a Terra, nem a Lua sai de sua órbita. A vegetação também tem suas leis, que a fazem procurar sempre o Sol e a água, e os animais são dotados de instintos regrados. O homem, contudo, tem a possibilidade de andar em ordem ou em desordem. Ao caminhar na linha da virtude, ele adquire méritos — o que não acontece com os seres inferiores, como os animais ou as plantas —, mas se, pelo contrário, envereda pelas vias do mal, ofende a ordem do universo, como ensina o Magistério: “Todo pecado, efetivamente acarreta uma perturbação da ordem universal, por Deus estabelecida com indizível sabedoria e caridade infinita, e uma destruição de bens imensos, quer se considere o pecador como tal, quer a comunidade humana”.
Por causa disso, quando alguém comete uma falta grave, a ordem do universo, abalada, quereria voltar-se contra o transgressor e esmagá-lo, desencadeando todos os seus elementos. Dentre estas possíveis manifestações da natureza contra o pecador, podemos imaginar, por exemplo, a terra se abrindo para engoli-lo ou o fogo caindo do céu para devorá-lo, a ponto de encontrarmos na própria Escritura esta afirmação: “A criatura que Vos é submissa, a Vós, seu Criador, aumenta sua força para castigar os maus, e os modera para o bem dos que puseram em Vós sua fé” (Sb 16, 24). Deus, entretanto, contém a natureza vulnerada para não aniquilar o culpado, à espera de que este faça penitência e venha a alcançar a salvação.
Depois da Confissão, uma dívida pendente
Não obstante, devemos nos lembrar de que se o Batismo perdoa a dupla pena à qual está sujeito o pecador a eterna, em consequência da rejeição de Deus, e a temporal, devido à adesão desordenada às criaturas , a Confissão, ao absolver da primeira, nem sempre livra totalmente da segunda, pois a remissão desta depende da intensidade e da perfeição do arrependimento de cada alma.4 Assim, na maior parte dos casos, permanece pendente uma dívida que exige reparação, quer na Terra, por meio da penitência, quer na outra vida, submetendo-se a alma aos rigores do Purgatório.
No que consiste, então, essa dívida, e como poderá a alma pagá-la? Imaginemos alguém que, andando pela rua num dia de chuva, se vê de repente coberto de lama da cabeça aos pés pela passagem de um veículo em alta velocidade. Por mais que essa pessoa lave o rosto, sabe que, além disso, precisa limpar a roupa, sobretudo se está a caminho de uma festa de casamento, onde jamais poderia aparecer manchada de barro.
Da mesma forma, no momento em que a alma se separa do corpo e comparece ao juízo particular, recebe um especial dom para lhe iluminar a memória e a consciência, recordando-lhe todos os detalhes de sua vida moral e espiritual.5 Percebe ela, então, como na Confissão lhe foram perdoadas as faltas contra Deus, bem como a pena eterna delas decorrente: seu rosto está limpo. Mas sua consciência grita, pois sente-se suja e necessitada de “trocar de roupa”, isto é, de pagar a pena temporal. Ademais, pode ela ter certa mentalidade pouco conforme à boa ordem, à sabedoria, sobretudo nos dias atuais, em nosso mundo dominado pelo mecanicismo e pela técnica. Também pode haver ideias, caprichos ou manias que a afastam do equilíbrio perfeito da santidade e são contrários, enquanto regra de vida, aos princípios da Fé, com os quais ela não pode estar diante de Deus e contemplá-Lo face a face, porque estes lhe impediriam de entendê-Lo, de amá-Lo e de relacionar-se com Ele.
A razão da existência do Purgatório
Como obter o perdão da pena temporal e adequar os critérios, a fim de se estar pronto para ver a Deus? Na vida terrena podemos alcançar isto mediante a aquisição dos méritos que nos advêm das boas obras — penitências, orações, atos de misericórdia, etc. — ou pelas indulgências que a Igreja nos concede, pois, “usando de seu poder de administradora da Redenção de Cristo Senhor, [...] por sua autoridade abre ao fiel convenientemente disposto o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos”.6
No caso de terem sido desdenhados estes meios, torna-se necessária a existência do Purgatório para, post mortem, “purificar [a alma] das sequelas do pecado”7 e obter a remissão da pena, como diz São Tomás,8 pagando durante um período a dívida imposta pela ofensa à consciência e à ordem do universo. “E portanto necessário” — continua o ensinamento da Igreja — “para o que se chama plena remissão e reparação dos pecados não só que, graças a uma sincera conversão, se restabeleça a amizade com Deus e se expie a ofensa feita à sua sabedoria e bondade, mas também que todos os bens, ou pessoais ou comuns à sociedade ou relativos à própria ordem universal, diminuídos ou destruídos pelo pecado, sejam plenamente restaurados”.9
O reformatório de nosso egoísmo
Desejando, pois, que entremos no convívio com Ele sem mancha alguma, puros e perfeitos — porque lá “não entrará nada de profano nem ninguém que pratique abominações e mentiras” (Ap 21, 27) —, Deus criou o Purgatório, à maneira de reformatório do nosso egoísmo, onde este é queimado no fogo e somos reeducados na verdadeira visualização de todas as coisas e no amor à virtude. Concluído este período, nossa alma está santificada e, por isso, pode-se afirmar que todos os que estão no Céu são santos.
Esta também é a razão pela qual quem já houver alcançado a santidade aqui na Terra não passe pelo Purgatório ou, em certos casos, apenas muito rapidamente para fazer, por exemplo, uma genuflexão, como se conta ter acontecido a Santa Teresa de Avila. Ou então como São Severino, Arcebispo de Colônia, que, apesar de haver consumido seus anos em fecundas obras de apostolado pela expansão do Reino de Deus, foi obrigado a permanecer seis meses no Purgatório a fim de expiar seu pouco recolhimento na recitação do Breviário.10
Esperança no meio de grandes tormentos
As almas do Purgatório sofrem terrivelmente, mas com uma grande vantagem sobre nós: a esperança segura do Céu. E esta uma virtude que causa alegria e consolação, porque nos promete uma posse futura. Todavia, nossa esperança nesta vida é duvidosa e incerta, porque estando aqui de passagem podemos em qualquer ocasião vacilar e cometer uma falta grave, arriscando perder a vida eterna se a morte nos colher logo depois. No Purgatório, pelo contrário, essa esperança já é absoluta, pois traz consigo a certeza de ter atingido o termo, isto é, de ter conquistado a salvação.11
De resto, grandes são os tormentos desse lugar que, sem serem iguais aos do inferno — pois os demônios não podem torturar as almas benditas’2 —, entretanto, são produzidos pelo mesmo fogo.13 Para termos uma pálida ideia de quão intenso é este calor, imaginemos uma enorme fogueira e, ao lado, sua representação numa pintura. Se tocarmos no quadro, este não nos queima, enquanto bastará aproximar o dedo da fogueira verdadeira para, aí sim, experimentarmos uma insuportável dor. Pois bem, a diferença existente entre a imagem representada no quadro e o fogo real é a que há entre o fogo deste mundo e o do Purgatório. No dizer de Santo Agostinho: “aquele fogo será mais violento do que qualquer coisa que possa padecer o homem nesta vida”;14 e São Tomás completa: “a menor pena do Purgatório excederá a maior pena desta vida”.’5
O Venerável Estanislau Ghoscoca, dominicano polonês, estava certo dia rezando, quando lhe apareceu uma alma do Purgatório envolta em chamas. Ele perguntou-lhe, então, se aquele fogo era mais ativo e penetrante que o terrestre, e a alma, gemendo, exclamou: “Em comparação com o fogo do Purgatório, o da Terra parece uma rajada de ar leve e refrescante”. Como Estanislau, cheio de coragem, lhe pedisse uma prova, ela respondeu: “É impossível a um mortal suportar tais tormentos; contudo, se quereis uma experiência, estendei a mão”. Ele assim o fez e o defunto deixou cair nela uma gotinha de suor escaldante. No mesmo instante, dando um agudo grito, o religioso caiu desmaiado no chão, num estado semelhante à morte. Tendo sido reanimado por seus confrades, que acorreram para ajudá-lo, contou-lhes o que acontecera, recomendando a publicação do fato a fim de precaver as pessoas contra a terrível expiação do Purgatório. Por fim, após um ano, ao longo do qual sentiu continuamente aquela dor na mão direita, frei Estanislau faleceu, exortando seus irmãos a fugirem do pecado para evitar atrozes suplícios na outra vida.’6
As almas do Purgatório desejam essa purificação
Apesar de tais penas, as almas que se encontram no Purgatório não estão ali acorrentadas, desejando fugir. Pelo contrário, aceitam todos os sofrimentos.’7 E se soubessem da existência de mil Purgatórios, ainda mais ardentes, quereriam neles se lançar, pois, na verdade, o que se lhes afigura mais intolerável é verem-se cobertas de manchas que as afastam de Deus. Elas anseiam por ser inteiramente puras e virginais para entrar no Céu. Esta atitude assemelha-se à de um arminho — animalzinho tão alvo, símbolo da castidade e da inocência — que prefere morrer a ver suja sua pelagem branca.
II - A IGREJA QUE LUTA REZA PELA IGREJA QUE PADECE
Nós temos uma sensibilidade errônea, pela qual, quando assistimos junto ao leito de algum moribundo à sua agonia, seguida do terrível drama da morte, nos impressionamos com facilidade por acreditar ser o término da carreira daquela pessoa. Mas, na realidade — a Fé nos diz — ali tudo começa. Longe de julgar desligados de nós os que partiram, devemos nos compenetrar de que, estando no Céu ou no Purgatório, o vínculo com eles é muito mais estreito do que imaginamos. Assim, qualquer oração ou ato com mérito sobrenatural, até mesmo o uso da água benta, praticado por quem permanece na Terra na intenção de beneficiar as almas do Purgatório, é considerado por Deus com grande benevolência e tomado pelas próprias almas com muito agrado, já que não podem mais rezar por si. Nossas preces, aplicadas em sufrágio delas, abreviam a duração de seus padecimentos.
Por isso a Igreja, como Mãe amorosa, escolheu um dia do Ano Litúrgico para a comemoração dos Fiéis Defuntos, no qual concede aos sacerdotes o direito de celebrar três Missas, com “a condição que uma das três seja aplicada a livre escolha, com possibilidade de receber oferta; a segunda Missa, sem nenhuma oferta, seja dedicada a todos os Fiéis Defuntos; a terceira seja celebrada segundo as intenções do Sumo Pontífice”.’8 Esta obrigação em relação à última das três Missas encontra sua origem no zelo do Vigário de Cristo pela pronta liberação das santas almas do Purgatório. Com o passar do tempo, grande número de instituições pias, estabelecidas para a celebração de Missas em sufrágio das almas de determinados defuntos, foram sendo abandonadas e negligenciadas, resultando daí um sério prejuízo para as almas do Purgatório. Acrescentou-se ainda a I Guerra Mundial, que assolou a Europa arrebatam do incalculáveis vidas, sobretudo entre os jovens. Facultando a celebração desta terceira Missa no dia dos Fiéis Defuntos, Sua Santidade Bento XV, com paternal largueza, assumiu para si esta dívida da Igreja para com as almas sofredoras.
Não nos esqueçamos, porém, de que, embora uma só Eucaristia tenha um poder impetratório infinito, lucrarão mais as almas que em vida tiveram maior devoção a ela.19
Portanto, também nós devemos ter especial empenho em aumentar nosso fervor pela participação na renovação incruenta do Santo Sacrifício do Calvário.
A Santa Igreja dá ainda aos fiéis o privilégio de obter uma indulgência plenária em favor de uma alma do Purgatório,20 recitando neste dia — ou nos dias subsequentes, até 8 de novembro — um Pai Nosso e um Credo em alguma igreja ou oratório, ou visitamo um cemitério para rezar nessa intenção.
O valor de nossas orações é superior a qualquer oferta material
É verdade que nós nos comprazemos em depositar sobre os túmulos coroas de flores ou velas, costume este muito bom e legítimo. No entanto, nossa maior manifestação de carinho pelas almas deve consistir em pedir por elas, pois o efeito da oração supera em muito o de qualquer oferta material, segundo a famosa sentença atribuída a Santo Agostinho: “Uma lágrima por um defunto se evapora. Uma flor sobre o túmulo murcha. Uma oração por sua alma, Deus a recolhe”.

É preciso levar em conta que, como Deus não está na dependência do tempo, diante d’Ele não existe passado nem futuro e todos os acontecimentos se desenrolam num perpétuo presente, desde toda a eternidade e por toda a eternidade. Deste modo, se hoje rezamos pela boa morte de algum parente ou conhecido — ainda que esta possa se ter dado há cinco ou quinhentos anos —, nossa oração já foi considerada por Deus no instante exato de sua passagem desta vida à outra, contribuindo para um trânsito mais feliz e assistido por graças eficazes e abundantes.
Continua no próximo post

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