Comentários ao Evangelho XXX Domingo
do Tempo Comum – Ano A – Mt 22,34-40
Naquele tempo, os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha
feito calar os saduceus. Então eles se reuniram em grupo, e um deles perguntou
a Jesus, para experimentá-lo: ”Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” Jesus
respondeu: “ ‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua
alma, e de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. O
segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a
Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos” Mt 22,34-40
A sabedoria humana contra a Sabedoria divina!
A questão apresentada
pelo fariseu a Jesus sai de lábios trabalhados pela sabedoria humana para
ouvidos plenos de Sabedoria divina. O doutor da Lei não pergunta para conhecer
a verdade, mas sim para tentá-Lo. A resposta de Jesus é simples e ao mesmo
tempo grandiosa: o amor a Deus!
I – A virtude do amor
Os fundamentos do
amor são muito mais profundos do que geralmente se imagina. Sendo ele um peso
que arrasta aqueles que se amam — segundo afirma Santo Agostinho1 — produz um
vigoroso desejo de presença e união, exteriorizado no abraço como melhor
símbolo.
Ora, tudo quanto
existe tem sua fonte na onipotência divina, inclusive o amor, cujo princípio é
eterno e procede do Pai e do Filho. Ambos, ao Se amarem, originam essa
tendência com tão extraordinária força que dela procede uma Terceira Pessoa.
Assim como o amor produz em nós uma inclinação em relação ao ser amado, Pai e
Filho, seres infinitamente amáveis, amam Seu próprio Ser Divino. Aí está a
origem do Amor, enquanto Pessoa procedente da união entre Pai e Filho.
O Gênesis, ao narrar
a grande obra da Criação, descreve como Deus contemplava a realização de cada
dia e atribuía um valor respectivo à obra saída de Seu poder, pois o grau de
perfeição de cada ser sempre é infundido por Seu amor, e na proporção deste.
A virtude mais importante para a salvação
Já no Evangelho,
verifica-se quanto o Filho de Deus louva a fé do centurião (cf. Lc 7, 9) e da
cananéia (cf. Mt 15, 28), premiando-a com milagres. Mais adiante, Cristo exalta
a fé de Pedro, declarando proceder esta de uma revelação feita pelo Pai, e por
isso proclama-o bem-aventurado (cf. Mt 16, 17). Entretanto, Jesus nos fala
também de uma virtude que é, por si só, capaz de perdoar um enorme número de
pecados, chegando a defender publicamente uma pecadora contra aqueles que a
acusavam: “Porque muito amou” (Lc 7, 47). Ora, não podemos nos esquecer de como
o Senhor conhece o valor e o prêmio de cada ato de virtude. Devemos, portanto,
face à salvação eterna, compreender como é mais importante amar do que praticar
a fé.
Jesus, supremo modelo de amor
Para se atingir o
mais alto grau de perfeição dessa virtude é indispensável admirá-la em Cristo
Jesus e imitá-Lo.
O amor do Filho de
Deus, é todo especial, por se desenvolver dentro de um prisma sobrenatural e
ter por objeto o Ser Supremo. Há, portanto, uma notável diferença entre Ele e
nós. No Verbo Encarnado, o amor divino e o humano, pela união hipostática, se
reúnem numa só Pessoa. Quanto a nós, “o amor de Deus se derramou em nossos
corações por virtude do Espírito Santo” (Rm 5, 5); ou seja, ele nos é dado.
Para poder alcançá-lo, devemos pedi-lo.
Apesar desta
diferença, Jesus é o nosso insuperável modelo, pois é impossível encontrar nEle
qualquer sombra de interesse que não seja a glória do Pai. Assim também deve
ser o nosso amor. E, se bem que em Jesus nunca tenha havido fé — pois, desde o
primeiro instante de Sua existência, a alma dEle esteve na visão beatífica — em
nós, essa virtude deve estar sempre acompanhada de um caloroso amor, o mais
semelhante possível ao de Jesus.
A fé do cristão e a fé dos demônios
Comentando a primeira
epístola de São João, assim se exprime Santo Agostinho: “‘Porque também os
demônios crêem e tremem’, como diz a Escritura (Tg 2, 19). Que mais puderam os
demônios crer do que dizer: ‘Sabemos quem és, o Filho de Deus’ (Mc 1, 24)? O
que disseram os demônios, disse-o também Pedro. [...] Assim, pois, Pedro diz:
‘Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo’ (Mt 16, 16). Dizem também os demônios:
‘Sabemos que és o Filho de Deus e o Santo de Deus’. Pedro diz o mesmo que dizem
os demônios. O mesmo quanto às palavras, muito diferente quanto ao espírito.
“E como consta que
Pedro dizia isso por amor? Porque a fé do cristão está sempre acompanhada de
amor, mas a fé do demônio não tem amor. De que modo é sem amor? Pedro dizia
isso para abraçar Cristo, enquanto os demônios o diziam para Cristo afastar-Se
deles. Porque antes de dizer ‘sabemos quem és, o Filho de Deus’, haviam dito:
‘Que tens Tu conosco, Jesus de Nazaré? Vieste perder-nos antes do tempo?’ (Mc
1, 24). Uma coisa, pois, é confessar Cristo com intenção de abraçá-Lo, e outra
muito diferente é confessar Cristo com propósito de apartá-Lo de si.
“Logo, claro está que
quando, nesta passagem, João diz: ‘Aquele que crê’, quer dizer uma fé peculiar,
não aquela que muitos têm. Portanto, irmãos, que nenhum herege venha dizer-nos:
‘Nós também cremos’. Pois justamente por este motivo vos apresentei o exemplo
dos demônios, a fim de que não vos alegreis com as palavras dos que crêem, mas
examineis as obras dos que vivem”.2
Continua
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