Tríduo Pascal

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Comentário ao Evangelho – II Domingo do Advento - Ano B - Mc 1, 1-8

Continuação dos comentários ao Evangelho – II Domingo do Advento
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Mensagem central da pregação de São Pedro
1 “Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”.
Vivaz e direto como seu mestre, São Marcos começa o relato mostrando já na primeira linha a ideia central que vai orientar e pervadir seu Evangelho: Cristo é verdadeiro Homem e verdadeiro Deus.
Com o intuito de defender diante de seus ouvintes a personalidade divina de Jesus, São Pedro ressaltava em sua pregação o domínio supremo do Filho de Deus sobre as forças da natureza, sobre os corações e sobre os próprios demônios, os quais tantas vezes os gentios cultuavam como deuses. É esse o motivo de São Marcos citar muitos milagres não relatados nos outros sinópticos, a ponto de seu livro ser conhecido como o Evangelho dos milagres.10
Cumpre-se a antiga profecia
2 “Está escrito no Livro do profeta Isaías: ‘Eis que envio meu mensageiro à tua frente, para preparar o teu caminho. 3 Esta é a voz daquele que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas!’”.
São João inicia seu Evangelho remontando-se à geração eterna do Verbo. São Mateus dedica os primeiros versículos do seu, a enumerar os antepassados do Messias segundo a carne. E São Lucas abre o respectivo sinótico narrando extensamente a miraculosa concepção de João Batista, prelúdio da Encarnação de Cristo no seio da Virgem Santíssima, por obra do Espírito Santo.

O de São Marcos, porém, o mais breve dos quatro, abre-se com as preliminares do ministério público de Jesus. “Era natural que o discípulo preferido de São Pedro começasse seu relato no ponto onde o Príncipe dos Apóstolos colocava o início da pregação evangélica”, observa Fillion.11
Para introduzir o tema ele proclama com solenidade uma das frases de Isaías relembradas na primeira leitura.12 Nela, o Antigo e o Novo Testamento, por assim dizer, se osculam reverentes. A “voz daquele que clama no deserto” toma vida concreta na pessoa do Precursor. A profecia anunciadora da libertação do jugo babilônico reveste-se de um sentido muito mais atual e profundo: a necessidade da conversão e da emenda de vida diante do anúncio da Boa Nova que vai começar.
O maior dos homens e dos profetas
4 “Foi assim que João Batista apareceu no deserto, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados. 5 Toda a região da Judeia e todos os moradores de Jerusalém iam ao seu encontro. Confessavam seus pecados e João os batizava no rio Jordão. 6 João andava vestido de pelo de camelo e comia gafanhotos e mel do campo”.
A vestimenta e os hábitos do Batista destoavam muito dos costumes daquela sociedade. Ele “representava a penitência; representava, portanto, o jejum, a flagelação, a solidão no deserto, a mortificação. E por causa disso seu corpo tinha a pele bronzeada por mil sóis ardentes do Oriente Médio. Ele era forte e, entretanto, muito magro, de tal maneira os jejuns o haviam consumido. Era também a própria representação da severidade cheia de bondade”.13
Deambular por regiões despovoadas, vestido com o áspero pelo de camelo, alimentando-se de gafanhotos e mel silvestre, constituíam sinais inequívocos de vida ascética. Antes já tinham se espalhado “por toda a região montanhosa da Judeia” (Lc 1, 65) as miraculosas circunstâncias do seu nascimento. Tudo isso contribuiu para fixar na opinião pública a figura de uma pessoa completamente incomum.
Não por acaso, retirou-se ele para o deserto, lugar tantas vezes escolhido por Deus para Se comunicar com os homens. O isolamento proporciona uma perspectiva de eternidade muito difícil de alcançar no meio das agitações da vida social. Bem sabiam disso os anacoretas, como Santo Antão, os quais fugiam do convívio humano e se instalavam em lugares ermos, em busca de condições mais favoráveis para o contato com o sobrenatural.
A nobreza de alma e o desprendimento do Precursor são postos em realce por essa escolha. Sendo parente do Messias — a Virgem Maria era prima de sua mãe, Santa Isabel —, podia ele perfeitamente ter permanecido na casa de seus pais, beneficiando-se de um convívio mais próximo com Jesus. Mas, dócil ao sopro do Espírito Santo, tomou o caminho do deserto, dando extraordinário exemplo de flexibilidade à voz da graça.
São João Batista foi, em suma, uma figura ímpar na história de Israel. O tetrarca Herodes o considerava homem justo e santo, e o protegia. Temia-o e gostava de ouvi-lo, embora suas palavras o deixassem desconcertado. Seus ouvintes chegaram a se perguntar interiormente se ele não era o Cristo. Mas o maior dos elogios feitos ao Precursor saiu dos lábios divinos de Nosso Senhor: “Entre todos os nascidos de mulher não há ninguém maior do que João” (Lc 7, 28).
Com efeito, dentre todos os profetas do Antigo Testamento, só ele teve a incomparável glória de encontrar-se pessoalmente com o Divino Salvador e apontá-Lo em termos inteiramente claros: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29).
A alma desse mensageiro tinha de estar à altura da sua missão. Superior a Abraão, a Moisés e ao próprio Isaías, a Divina Providência quis fazer dele o arauto por antonomásia. “Deus quer que ele seja grande porque sua missão é grande, porque foi escolhido para preceder tão de perto Aquele que deve vir”.14
Uma nação convulsionada pela pregação de João
Ao encontro do Batista acudiam, como vimos em São Marcos, habitantes de “toda a região da Judeia e todos os moradores de Jerusalém” (Mc 1, 5). A esses se somaram pessoas “de toda a região do Jordão” (Mt 3, 5) e até galileus, como André, o irmão de Simão (cf. Jo 1, 35-42).
“Podemos imaginar — observa Bento XVI — a impressão extraordinária que a figura e a mensagem de João Batista deviam provocar na efervescente atmosfera de Jerusalém daquela época. Finalmente estava de novo ali um profeta, cuja própria vida o identificava como tal. Finalmente se anuncia de novo a ação de Deus na História”.15
Movido por um impulso sobrenatural, o povo judeu sentia haver naquela figura austera o prenúncio de algo grandioso. Por isso acorriam todos a confessar-lhe suas faltas e receber o batismo de suas mãos. A pregação de João convulsionara essa nação que há cerca de duzentos anos não ouvia a voz de um profeta e precisava ser preparada para receber o Messias.
O Precursor produzia um verdadeiro choque naquelas pessoas acostumadas a se preocupar exclusivamente com as coisas da Terra, adoradoras do conforto e da vida agradável. Ao contrário da maioria dos seus ouvintes, comenta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, “ele é desprendido, é um facho ardente de amor de Deus. Só vive para a realização da missão que ele tem. Só tem Deus diante dos olhos”. 16
E o mesmo autor acrescenta: “Àquele povo que esperava um Messias temporal, um rei poderoso, João aparecia falando do Messias. De um Messias que era anunciado não por um guerreiro, nem por um potentado, mas por um penitente.
“O contraste dos homens impuros e gananciosos, com aquele homem reto, simples, eloquente, e que bradava: ‘Fazei penitência!’, deixava as consciências profundamente abaladas.
São João Batista despertava um enorme sentimento de vergonha. No contato com ele, as pessoas compreendiam que não podiam ser assim. E o Precursor completava o efeito, dizendo: ‘Endireitai os caminhos do Senhor… Aí vem o Messias… O dia de Deus está próximo’”.17
Entreabrem-se as portas da Revelação
7 “E pregava, dizendo: ‘Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias. 8 Eu vos batizei com água, mas Ele vos batizará com o Espírito Santo’”.
Ao fazer tal afirmação, o Batista dá ideia da força moral, espiritual e sobrenatural d’Aquele que haveria de vir. E mostra, ao mesmo tempo, a humildade de sua alma, pois competia aos servos “desamarrar as sandálias” e lavar os pés dos visitantes.
Podemos imaginar o impacto produzido por semelhante asserção nos seus ouvintes, acostumados a vê-lo enfrentar com energia fariseus e saduceus. “O machado já está posto à raiz das árvores. Toda árvore que não der bom fruto será cortada e arrojada ao fogo” (Mt 3, 10) — ameaçava-os sem temor. Maravilhados, sem dúvida, com seus ensinamentos, procuravam os discípulos do Precursor imaginar a grandeza desse outro personagem de tal forma superior a ele.
Mas, enquanto preparava o povo judeu para seu encontro com o Messias, São João Batista foi entreabrindo as portas da Revelação que o próprio Filho de Deus vinha trazer. Já nesses versículos (Mc, 1, 7-8) transparece o dogma da Santíssima Trindade. Neles estão de algum modo presentes o Pai, Deus do Povo Eleito, o Filho, que estava sendo anunciado, e o Espírito Santo, aqui mencionado junto com o anúncio do Batismo sacramental. São João revela-se assim como um homem realmente inspirado por Deus, pois demonstra conhecer um dos principais mistérios da Fé, antes mesmo da pregação do Divino Mestre.
Ao dar início a vida pública de Jesus, o Precursor vai paulatinamente desaparecer: “Esta é a minha alegria que agora se completa. É necessário que Ele cresça, e eu diminua” (Jo 3, 30), vai afirmar. E, logo após, deixará como derradeiro ensinamento um dos mais belos reconhecimentos da divindade de Cristo:

“Aquele que vem do alto, está acima de todos. Quem é da Terra, pertence à Terra e fala as coisas da Terra. Aquele que vem do Céu está acima de todos. Ele dá testemunho do que viu e ouviu, mas ninguém aceita o seu testemunho. Quem aceita o seu testemunho atesta que Deus é verdadeiro. De fato, Aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus, pois Ele dá o Espírito sem medida. O Pai ama o Filho e entregou tudo em suas mãos. Aquele que crê no Filho tem a vida eterna. Aquele, porém, que se recusa a crer no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele” (Jo 3, 31-36).
Continua no próximo post

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