Continuação dos comentários ao Evangelho da Missa da Vigília de Pentecostes - Jo 7, 37-39
II - A PROMESSA DA ÁGUA VIVA
Ora, a solução para o problema
do orgulho só a encontraremos na promessa feita por Nosso Senhor no Evangelho
escolhido para esta Liturgia.
37a No último dia da festa, o dia mais solene...
O Divino Mestre tinha subido a
Jerusalém para a festa dos Tabernáculos, a mais jubilosa de todas as
festividades judaicas, cuja duração era de oito dias. Celebrava-se em memória
do amparo dispensado por Deus ao povo de Israel, ao longo dos quarenta anos de
peregrinação pelo deserto, bem como em ação de graças pelo término da colheita.5
Já nessas alturas de seu
ministério público, os ânimos estavam acirrados contra Jesus, sobretudo na
Judeia; por este motivo Ele chegara a Jerusalém de maneira despercebida, e só
Se manifestou no Templo quando os festejos já iam avançados. Os fariseus, porém,
procuravam prendê-Lo, acusando-O de violar o sábado, mas entre o povo as
opiniões a seu respeito estavam divididas (cf. Jo 7, 10-32).
37b ...Jesus, em pé, proclamou em voz alta;
Naqueles tempos, quem pregava,
explicando a Escritura nas sinagogas, normalmente o fazia
sentado (cf. Lc 4, 20) en quanto os ouvintes permaneciam de pé.6 O fato de
Nosso Senhor falar em pé — e ainda proclamando em voz alta — denota que Ele ia
dizer algo de grande importância e queria Se fazer escutar por todos.
A sede do sobrenatural e a humildade
37c “Se alguém tem sede, venha a Mim, e beba. 38 Aquele que crê em Mim,
conforme diz a Escritura, rios de água viva jorrarão do seu interior”.
Entre os diversos ritos da festa
dos Tabernáculos estava o da água: ao longo dos oito dias, um sacerdote ia até
a fonte de Siloé para retirar um pouco de água, que em seguida era misturada ao
vinho das libações no altar do Templo, enquanto o coro cantava a célebre
passagem de Isaías: “Vós tirareis com alegria água das fontes da salvação” (12,
3). Esta cerimônia comemorava o milagre operado por intermédio de Moisés, que
fez brotar uma fonte do rochedo (cf. Nm 20, 11), mas revestia-se também de
caráter messiânico, referente à salvação anelada pelos israelitas, com a
chegada do Redentor. Já o nome Siloé — em hebraico siloah —, ou seja, enviado,
aludia ao Messias, que haveria de trazer torrentes de bênçãos para o povo
eleito.7
Dadas as peculiaridades
próprias àquela ocasião, compreende-se que Nosso Senhor as tenha aproveitado
para revelar — ainda que de modo um tanto velado — sua missão de verdadeiro
Salvador. Ao usar o termo “sede”, o fez no sentido mais elevado da palavra,
isto é, sede do sobrenatural, da eternidade, da santidade, da graça. Quem tem
sede do sobrenatural é aquele que foge do orgulho e tem a alma aberta para
acreditar no Redentor. Em virtude desta fé, nascerá em seu interior uma fonte de
água viva.
A água material, um mero símbolo
A água é um elemento criado por
Deus com um papel essencial na vida. Sabemos que quase três quartos do nosso
planeta são cobertos de água e múltipla é sua utilidade: irrigar as plantações,
dessedentar os animais e, sobretudo, manter a saúde do homem. Experimentamos os
benefícios da água ao nos ser oferecida para saciar a sede ou quando, após um
dia de muito trabalho, proporcionamos ao corpo o alívio de uma ablução; ou se,
inclusive, temos a possibilidade de conviver com os peixes — ainda que por
pouco tempo — ao mergulhar nas águas do mar... A água limpa, a água lava, a
água purifica.
A água material, no entanto, é
apenas um símbolo de realidades sobrenaturais que nos são propostas pela fé,
como veremos a seguir.
Um milagre infinito!
39a Jesus falava do Espírito, que deviam receber os que tivessem fé
n’Ele...
É tão profunda esta doutrina
que para melhor ser exposta, podemos usar uma alegoria.
Imaginemos um camponês dos
remotos tempos da Idade Média, habitando numa singela casa rural. Certo dia um
emissário real lhe anuncia que o soberano resolveu adotá-lo como filho, tornando-o
assim irmão de seu primogênito, e também herdeiro. Após o primeiro instante de
estupefação de seu interlocutor, ante perspectiva de honra tão extraordinária,
o mensageiro continuaria: “O monarca, entretanto, quer transformar tua casa num
palácio e vir morar aqui, a fim de estabelecer um relacionamento estreito e diário
contigo”. De todos os privilégios enumerados, este seria, sem dúvida, o mais
excelente, pois, se grande é a vantagem de pertencer à família real e ser
possuidor de inúmeras riquezas, muito maior é a de ser contado entre os íntimos
de Sua Majestade!
A história desse homem simples,
subitamente mudado em príncipe, é uma pálida imagem do milagre infinito que
ocorre em uma criatura humana ao ser qualificada pela graça. Quando as águas ‚ do
Batismo são vertidas sobre a cabeça de alguém, o pecado original é apagado, bem
como todas as faltas anteriormente cometidas, e lhe é infundida a graça
santificante, com as virtudes e os dons. Nesse momento, o Pai, o Filho e o
Espírito Santo penetram na alma e fazem dela sua morada. Deus, que já estava na
pessoa por essência, por presença e por potência,8 passa a inabitá-la como Pai
e Amigo, e a vida sobrenatural passa a borbulhar no interior dela, que se torna
templo da Santíssima Trindade!
Não se trata de um templo à
maneira do tabernáculo, objeto material inerte onde se conservam as Espécies
Eucarísticas, num relacionamento passivo com Nosso Senhor Jesus Cristo ali
realmente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade.
Nossas almas, pelo contrário,
são templos vivos, nas quais o Espírito Santo sempre age por meio de um
convívio íntimo, a fim de nos santificar. Com efeito, por tratar-se de uma
manifestação do incomensurável amor de Deus por nós, tal inabitação atribui-se
em particular ao Espírito Santo, Amor substancial.
Continua no próximo post