Comentário ao Evangelho – Solenidade de Corpus Christi
Evangelho Jo 6, 51-58
“Naquele tempo, disse Jesus às multidões dos judeus: 51
‘Eu sou o pão vivo descido do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o
pão que Eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo’. 52
Os judeus discutiam entre si, dizendo: ‘Como é que ele
pode dar a sua carne para comer?’. 53 Então Jesus disse: ‘Em verdade, em
verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o
seu sangue, não tereis a vida em vós. 54 Quem come a minha carne e bebe o meu
sangue tem a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia. 55 Porque a minha
carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida. 56 Quem come a
minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e Eu nele.
57 Como o Pai, que vive, Me enviou, e Eu vivo por causa
do Pai, assim aquele que Me recebe como alimento viverá por causa de Mim. 58
Este é o pão que desceu do Céu. Não é como aquele que os vossos pais comeram.
Eles morreram. Aquele que come este pão viverá para sempre’” (Jo 6, 51-58).
Uma insuperável
dádiva...
O amor de Deus pelos
homens, manifestado na Encarnação, atingiu um ápice inimaginável com a
instituição da Eucaristia. E qual é nossa resposta a tão grande doação?
I – Deus dá-Se por inteiro
Existindo desde toda
a eternidade, a Trindade não necessitava da criação. Deus Pai, Deus Filho e
Deus Espírito Santo bastavam-Se inteiramente, desfrutando de uma felicidade
perfeita, infinita. Nisso consiste a glória intrínseca e insuperável das Três
Divinas Pessoas. No entanto, ao criar, Deus quis tornar as criaturas partícipes
de sua felicidade, e estas, ao se assemelharem ao Criador Lhe renderiam a
glória extrínseca, cumprindo assim a finalidade mais alta de seu ser. Foi,
pois, a criação um ato de doação, de entrega e de generosidade supremas1,
requintado depois com a Encarnação do Verbo, quando Deus sujeitou-Se a assumir
a pobre natureza humana a fim de nos remir do pecado de nossos primeiros pais.
O Homem-Deus haveria de prolongar sua presença na Terra
Mas o incomensurável
amor de Deus por nós não se limitou a isso. Para nos abrir as portas do Céu,
chegou a padecer dolorosa Paixão, morrer na Cruz e ressuscitar. E o teria
feito, se preciso fosse, para resgatar um único homem. Ora, cabe-nos perguntar:
depois de manifestar esse inacreditável amor por nós, haveria Ele de
simplesmente subir aos Céus e abandonar o convívio com os homens cuja redenção
tão caro Lhe custou? Seria possível imaginar, depois de tal união conosco,
haver essa irremediável separação?
A maravilhosa solução
para esse perplexitante problema só a Deus poderia ocorrer. Comenta belamente,
a este propósito, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
“Não quero dizer que
a Redenção e o sacrifício da Cruz impusessem a Deus, em rigor de lógica, a
instituição da Sagrada Eucaristia. Mas pode-se dizer que tudo clamava, tudo
bradava, tudo suplicava por que Nosso Senhor não Se separasse assim dos homens.
E uma pessoa com senso arquitetônico deveria entrever que Nosso Senhor
arranjaria um meio de estar sempre presente, junto a cada um dos homens por Ele
remidos. De forma tal que, depois da Ascensão, Ele estivesse sempre no Céu, no
trono de glória que Lhe é devido, mas ao mesmo tempo acompanhasse passo a passo
a via dolorosa de cada homem aqui na Terra, até o momento extremo em que cada
um dissesse, por sua vez, o ‘Consummatum est’ (Jo 19, 30)”.2
E conclui com esta
piedosa confidência: “Creio que se eu assistisse à Crucifixão e soubesse da
Ascensão, ainda que não soubesse da Eucaristia, eu começaria a procurar Jesus
Cristo pela Terra, porque não conseguiria me convencer de que Ele tivesse
deixado de conviver com os homens. Esse convívio verdadeiramente maravilhoso de
Jesus Cristo com os homens se faz, exatamente, por meio da Eucaristia”.3
O fato de Deus ter
operado a Criação para dar-Se a Si mesmo já nos enche de admiração. Muito mais,
porém, é Ele ter assumido a natureza humana para, por sua morte, propiciar-nos
o infinito dom da vida sobrenatural e abrir-nos as portas do Céu. Contudo,
levar o amor a ponto de dar-Se aos homens em alimento, supera qualquer
capacidade de imaginação! Pode-se dizer com propriedade que o ápice dessa doação,
se encontra no Sacramento da Eucaristia.
Aparente simplicidade da Santa Ceia
Como se deu a
instituição do mais excelente e sublime dos Sacramentos, o fim para o qual se
ordenam todos os outros? 4
Na aparência, de um
modo muito simples. Para os Apóstolos, tratava-se de uma ceia rotineira,
celebrada todo ano pelos judeus segundo o multissecular rito indicado com
detalhes por Deus a Moisés e Aarão, como algo a ser perpetuado de geração em
geração (cf. Ex 12, 1-14). Ela lembrava aos judeus a Páscoa do Senhor, a morte
dos primogênitos do Egito e a travessia do Mar Vermelho. Os discípulos estavam,
portanto, com a ideia de uma simples rememoração religiosa quando de fato se
realizaria no Cenáculo o que fora prefigurado na Antiga Lei: o sacrifício de
animais cederia lugar ao holocausto do Cordeiro Divino que em breve seria
imolado no altar da Cruz, para nossa salvação. As vítimas materiais
simbolizavam o corpo de Cristo, e este seria ao mesmo tempo sacerdote e vítima
no Novo Sacrifício, eterno e de valor infinito.
Segundo relatam os
Evangelistas, depois de Jesus instituir a Eucaristia e dar a Comunhão aos
Apóstolos, eles cantaram os salmos e saíram para o Monte das Oliveiras (cf. Mc
14, 26; Mt 26, 30). Constituíam esses salmos o poema de ação de graças intitulado
Hallel — “Louvai a Javé” —, próprio da liturgia hebraica para a celebração da
Páscoa5 e especialmente simbólico naquela circunstância: enquanto uns davam
graças por terem comungado, o Messias rendia louvores ao Pai pela instituição
da Eucaristia, que representava a concretização do anseio manifestado no início
da Sagrada Ceia: “Desejei ardentemente comer convosco esta ceia pascal, antes
de padecer” (Lc 22, 15).
Se soubessem com
antecedência a grandeza do que seria instituído naquele dia — não só a Eucaristia,
mas também o Sacerdócio —, é de se supor que os Apóstolos teriam preparado uma
cerimônia à altura. Mas, naquele momento, quem tinha noção do que estava se
passando?
II – Maria e a Eucaristia
Apenas Maria
Santíssima tinha consciência da sublimidade da hora, pois é compreensível
ter-Lhe Nosso Senhor revelado o que iria acontecer. Por quê?
Durante nove meses, operou-se em Maria a Transubstanciação
Tendo Maria recebido
do Arcanjo Gabriel a Anunciação, o Espírito Santo A cobriu com sua sombra e
iniciou-se o misterioso processo de gestação do Deus encarnado. Bem se pode
dizer que, durante nove meses, a cada segundo n’Ela como que se celebrava uma
Santa Missa.
Com efeito, no
instante em que a alma de Jesus foi criada, fez Ele seu primeiro ato de
adoração ao Pai, acompanhado de um perfeitíssimo oferecimento de Si mesmo como
vítima; ou seja, realizou uma ação sacerdotal como Sumo Sacerdote “santo,
inocente, sem mancha, separado dos pecadores e elevado acima dos céus” (Hb 7,
26). E para esse sublime sacrifício não havia na face da Terra altar mais digno
do que o claustro virginal de Nossa Senhora. Por nove meses, viveu Ela no mais íntimo
contato com Jesus, numa relação única na ordem do criado: tendo oferecido o seu
corpo imaculado a Deus, Este tomava os elementos maternos e os
transubstanciava; quer dizer, eles tornavam-se divinos a partir do momento em
que passavam a integrar o corpo de Jesus.
E pensar que esse
grandioso mistério não se teria realizado sem o consentimento da Virgem:
“Faça-se em Mim segundo a vossa palavra”! (Lc 1, 38).
Assim, à medida que
se formava o corpo do Menino em seu seio virginal, Maria tudo conferia em seu coração
e ia explicitando, maravilhada, a fisionomia física e moral de seu Filho. Este,
de seu lado, assumia cada vez mais o ser da Mãe e A ia divinizando. De fato,
pela maternidade divina, “a Bem-aventurada Virgem Maria chegou aos confins da
divindade”.6 Concebida em graça, Ela era verdadeiramente “o Paraíso terrestre
do novo Adão”.7
O anseio de Maria por reviver esses momentos
Completados os dias e
tendo Jesus nascido, que alegria não terá sentido a Virgem Santa ao segurar em
seus braços aquele Menino gestado em seu seio, constatando como Ele
correspondia ao que Ela, em sua inocência, imaginara! Não é possível fazer
ideia da sublimidade da primeira troca de olhares entre Mãe e Filho. Quanta
coisa foi dita sem articular palavra alguma! Olhar este talvez superado apenas
por um outro: o último olhar de Jesus para sua Mãe, do alto da Cruz. Contudo,
de outro lado, que saudades deveria Ela sentir do relacionamento, ao mesmo
tempo inefável e misterioso, havido durante o tempo em que ia sendo formado em
seu claustro o Corpo de Cristo!
O anseio santíssimo e
equilibradíssimo d’Ela de receber novamente Jesus em seu interior com certeza
foi crescendo8 a ponto de nesse desejo Ela comungar espiritualmente a todo
instante. Portanto, seria arquitetônico que em certo momento Nosso Senhor
tivesse revelado a instituição da Eucaristia9 a Quem é o modelo perfeito dos
adoradores de Jesus-Hóstia. Porque, sem dúvida, os atos de amor eucarístico da
Virgem Maria deram mais glória a Deus do que todas as honras prestadas ao Santíssimo
Sacramento pelos anjos e homens ao longo da História, uma vez que somente Ela O
compreendeu, amou e adorou adequadamente.
III – Grandeza do Mistério da Eucaristia
Com efeito, é a
Eucaristia um dos mais profundos mistérios da nossa Fé: as aparências, os
sabores e os aromas são de pão e de vinho; porém, tanto numa como noutra
espécie, encontramos apenas a substância do Corpo, Sangue, Alma e Divindade Não
é possível fazer ideia da sublimidade da primeira troca de de Cristo! Os
sentidos nos olhares entre Mãe e Filho apresentam uma realidade, mas nossa Fé
nos propõe “Virgem com o Menino Jesus” - Igreja de Notre Dame de Auteil
(França) outra, na qual acreditamos.
Se, segundo ensina
São Tomás, “o bem da graça é, para o indivíduo, melhor que o da natureza de
todo o universo”10, o que dizer da menor fração visível de uma hóstia
consagrada? Ali está o próprio Cristo. Não se trata de uma gota de graça, mas
sim do próprio Autor da graça. Portanto, é algo cujo valor supera toda a
criação, incluindo a ordem da graça. Juntemos as graças que os anjos e os
homens receberam e ainda receberão, mais as existentes no mais alto grau em
Nossa Senhora, e todas elas somadas não se comparam ao que há numa partícula
consagrada: a recapitulação do Universo (cf. Ef 1, 10) numa aparência de pão! A
grandeza contida neste Sacramento é inexprimível em linguagem humana. Tudo
quanto há na criação foi promovido por Deus em ordem a Jesus Cristo, e o
supremo ato de amor d’Ele pelos homens consistiu na instituição da Eucaristia
para proporcionar-nos uma extraordinária forma de união pessoal com o Verbo
Encarnado. Às palavras da Consagração, pronunciadas pelo sacerdote, o próprio
Deus obedece, e se realiza o maior milagre da face da Terra. Por essa
maravilha, bem podemos avaliar o quanto Ele nos ama de maneira incomensurável.
O Santíssimo Sacramento embeleza a alma
Qualquer um pode
comprovar como as plantas expostas aos raios solares ostentam uma exuberância,
uma beleza e uma vitalidade que elas não têm estando à sombra. Uma grande
diferença, devida apenas ao esplendor do Sol.
Ora, se a natureza é
embelezada dessa maneira pela luz solar, que admiráveis benefícios não deve
proporcionar à alma o raio espiritual emanado diretamente do Deus Escondido?
Muito mais benéfica é a Eucaristia para nossa alma do que o Sol para nosso
organismo corporal. Tendo algumas faltas ou misérias — veniais evidentemente,
porque com pecado mortal não se pode comungar —, está a pessoa obrigada a
afastar-se de Jesus Eucarístico? Não. Pelo contrário, deve aproximar-se d’Ele
ao máximo. Não fugir de Jesus, mas abrigar-se n’Ele, porque assim ela será
purificadas dessas misérias, e sua alma sairá aperfeiçoada.11 Nossos olhos
corporais não conseguem, infelizmente, contemplar tais mudanças. Santa Catarina
de Sena desejando conhecer o esplendor de uma alma habitada pela graça divina,
ouviu dos lábios do próprio Jesus esta declaração: “Minha filha, se Eu te
mostrasse a beleza de uma alma em estado de graça, seria a última coisa que
verias neste mundo, porque o esplendor de sua formosura te faria morrer”.12
De fato, a graça ao
divinizar a alma, a torna tão bela e atraente que, se nos fosse possível vê-la,
teríamos a tendência de adorá-la, imaginando que fosse Deus. Fortalecendo todas
as suas potências, nutrindo-a com inspirações santas e com impulsos de amor,
Jesus-Hóstia faz com que a alma pervadida pela graça se assemelhe cada vez mais
a Ele.13 Por isso, quando vemos as maravilhas operadas pelos homens de Deus,
podemos estar certos de que elas provêm muito mais da Eucaristia, da qual são
devotos, do que de eventuais qualidades pessoais.
Além desses sublimes
benefícios produzidos na alma pela Eucaristia, devemos considerar que, apesar
de nossas limitações ou até imperfeições, Nosso Senhor tem saudades de nós, e
quer nos aproximar d’Ele, pois encontra as suas “delícias em estar com os
filhos dos homens” (Pr 8, 31). Com muita propriedade, encontra-se em algumas
capelas do Santíssimo Sacramento a expressiva frase de Santa Marta à sua irmã:
“Magister adest et vocat te” — “O Mestre está aqui e te chama” (Jo 11, 28).
Quando entramos no recinto sagrado para fazer-Lhe uma visita, Jesus-Hóstia nos
acolhe com alegria, como que dizendo: “Aqui está o meu filho! Há quanto tempo
Eu não o via... Venha!”. De fato, nosso Redentor nos ama tanto que, por maiores
que sejam nossas misérias, Ele Se alegra em nos ver.
Energia para enfrentar as dificuldades
Muitas são as
conjunturas nas quais a pessoa se sente anêmica espiritualmente: ocasiões
próximas de pecado que se apresentam, ou circunstâncias favorecedoras de um
depauperamento espiritual, enfim, inúmeras situações que podem dessorar a
fortaleza de alma. Onde então recuperar energias? Na Eucaristia. Disso nos dá
exemplo — entre outros incontáveis santos — São Tomás de Aquino. Nas primeiras
horas da manhã, ele celebrava sua Missa e em seguida assistia à de outro
frade.14 Segundo consta, gostava inclusive de acolitar as Missas de seus irmãos
de hábito. “Falando sobre os Sacramentos — disse recentemente o Papa Bento XVI
—, o grande São Tomás reflete de modo particular sobre o Mistério da
Eucaristia, pelo qual alimentou uma enorme devoção, a tal ponto que, segundo os
antigos biógrafos, costumava aproximar a sua cabeça do Tabernáculo, como que
para sentir palpitar o Coração divino e humano de Jesus”.15
Permanência dos efeitos da Eucaristia
Às vezes, cometemos o
equívoco de pensar que, quando comungamos, Jesus Cristo mantém-Se presente em
nós apenas nos cinco ou dez minutos de duração das espécies eucarísticas.
Trata-se de uma realidade espiritual muito mais profunda. De fato, mesmo após
cessar a presença real de Nosso Senhor “a graça permanece na alma que comunga,
porque ela recebeu em estado de graça o Pão da Vida”, afirma Santa Catarina de
Sena.16
Na Comunhão é Cristo
que “nos diviniza e transforma em Si mesmo. “Consumidos os acidentes do Na
Eucaristia alcança o cristão sua máxima ‘cristificação’” pão”, disse-lhe Nosso
Senhor em uma revelação, “deixo em vós a marca de minha graça, como o selo
aplicado sobre a cera quente. Tirando o selo, fica nela sua marca. Assim, resta
na alma a virtude desse Sacramento, ou seja, mantém-se o calor da divina
caridade, clemência do Espírito Santo. Continua em vós a luz da sabedoria de
meu Filho Unigênito, que ilumina os olhos de vossa inteligência para que conheçais
e vejais a doutrina de minha verdade e dessa mesma sabedoria”.17
Um alimento que assume quem o toma
Quando comemos, nosso
organismo assimila os alimentos ingeridos, deles retirando as substâncias úteis
para a vida. Mas, ensina-nos a Teologia, quando comungamos passa-se o
contrário: é Cristo que “nos diviniza e transforma em Si mesmo. Na Eucaristia
alcança o cristão sua máxima cristificação, em que consiste a santidade”.18 Não
O consumimos, pois Ele cessa a sua presença sacramental em nós a partir do momento
em que as Sagradas Espécies deixarem de subsistir. Estando em nós, Ele nos
enche de vida sobrenatural, santifica nossa alma e beneficia em consequência
nosso corpo.
Por essa razão, o
próprio Jesus, como nos narra o Evangelho desta Solenidade, ressalta a
substancial diferença entre o maná recebido pelos judeus no deserto e o
alimento trazido por Ele na Eucaristia: “Este é o pão que desceu do Céu. Não é
como aquele que os vossos pais comeram. Eles morreram. Aquele que come este pão
viverá para sempre” (Jo 6, 58).
Penhor da ressurreição para a vida eterna
“Pela Santa Comunhão
renova-se de certo modo o augusto mistério da Encarnação”19, afirma com autoridade
São Pedro Julião Eymard. O padre Royo Marín é mais afirmativo: na alma de quem
acaba de comungar, diz ele, “o Pai engendra seu Filho Unigênito, e de ambos
procede essa corrente de amor, verdadeira torrente de chamas, que é o Espírito
Santo”.20 Em virtude da união eucarística, a alma do fiel se torna “mais
sagrada que a custódia e o cálice, mais até que as próprias espécies
sacramentais, que certamente contêm a Cristo, mas sem tocá-Lo e sem receber
d’Ele qualquer influência santificadora”.21 E por isso, quem comunga recebe
graças para bem viver de acordo com os Mandamentos e depois ter o prêmio da
ressurreição com o corpo glorioso: “Aquele que come este pão, viverá para
sempre” (Jo 21, 58).
IV – Saibamos retribuir sem medidas
Infelizmente, muitas
vezes não avaliamos com profundidade todos os benefícios recebidos nesse sacral
convívio com a Eucaristia na qual nosso Divino Redentor está realmente presente
como quando operou a transformação da água em vinho nas bodas de Caná, ou
quando ressuscitou Lázaro, ou ainda quando expulsou os vendilhões do Templo. O
que não daríamos para presenciar um único milagre de Jesus ou ouvir algum de
seus sermões? Ou mesmo receber d’Ele um só olhar? Quando chegarmos ao Céu, se
Deus nos conceder essa suprema graça, compreenderemos que um instante de
adoração eucarística compensa mil anos de sacrifícios na Terra.
E, no entanto, hoje
temos Jesus-Hóstia nos tabernáculos sempre à nossa disposição; a qualquer
momento Ele lá está nos aguardando com insignes graças, desejoso de receber
nossa pobre visita. Se na Encarnação Deus quis Se unir à mais pura das
criaturas, na Santa Comunhão Ele celebra suas bodas com cada pessoa em
particular, numa união sem paralelo. “A alma une-se de tal forma a Jesus Cristo
que perde, por assim dizer, seu próprio ser e deixa viver tão-somente Jesus
nela”.22 Perde-se em Nosso Senhor como uma gota d’água no oceano. E a
correspondência de nosso amor tornará mais perfeita e profunda essa união.
Peçamos a Jesus
Sacramentado, nesta festa da Eucaristia, um amor íntegro e uma entrega total a
Ele, única restituição digna por tudo quanto d’Ele recebemos. E transbordemos
de alegria e de entusiasmo por sermos tão amados individualmente por um Deus
que já nesta vida é a nossa “recompensa demasiadamente grande” (Gn 15, 1).
1“O mundo não é o
produto de uma necessidade qualquer, de um destino cego ou do acaso. Cremos que
o mundo procede da vontade livre de Deus, que quis fazer as criaturas
participarem de seu ser, de sua sabedoria e de sua bondade” (CIC 295).
2CORRÊA DE OLIVEIRA,
Plinio. A presença de Cristo entre os homens. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano
VI. N.63 (Jun., 2003); p.23.
3Idem, ibidem.
4“Falando em
absoluto, o Sacramento da Eucaristia é o principal Sacramento. Três argumentos
o mostram. 1º - Porque nele está contido substancialmente o próprio Cristo,
enquanto os outros Sacramentos contêm apenas uma força instrumental que
participa de Cristo. Ora, em todos os âmbitos, o que é por essência é mais
digno do que aquilo que é por participação. 2º - Pela ordem recíproca dos
Sacramentos, pois todos os demais Sacramentos parecem orientar-se a este como a
seu fim. [...] 3º - Pelo rito dos Sacramentos, pois quase todos os Sacramentos
atingem seu termo na Eucaristia” (SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, III,
q.65, a.3, resp.).
5“De acordo com a
prescrição rabínica, devia-se rezar ou cantar durante a ceia pascal os salmos
112 a 117, denominados ‘Hallel’, ou ‘louvor’. Os dois primeiros, antes de
sentar-se à mesa; os outros, no final da refeição, quando se bebia a quarta
taça, com a respectiva bênção, que por isso se chamava ‘bênção do cântico’”
(GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Casulleras, 1930, v.IV, p.274).
6ROYO MARÍN, OP, Antonio. La Virgen María. 2.ed.
Madrid: BAC, 1997, p.102.
7SÃO LUÍS MARIA
GRIGNION DE MONTFORT, Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem, n.6.
8Cf. ALASTRUEY,
Gregorio. Tratado de la Virgen Santísima. Madrid: BAC, 1945, p.682.
9Cf. ALASTRUEY, op. cit., p.676-677.
10Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op.
cit., I-II q.113, a.9, ad. 2.
11Cf. ALASTRUEY, op. cit., p.237-238.
12SANTA CATARINA DE SENA, apud ROYO MARÍN, OP,
Antonio. Somos hijos de Dios. Madrid: BAC, 1977, p.26.
13Cf. SÃO PEDRO JULIÃO
EYMARD. A divina Eucaristia. São Paulo: Loyola, 2002, v.II, p.30.
14Cf. GRABMANN,
Martín. Santo Tomás de Aquino. 2.ed. Barcelona: Labor, 1945, p.29.
15BENTO XVI.
Audiência Geral, 23/6/2010.
16SANTA CATARINA DE SENA. El Diálogo. Madrid: BAC,
1955, p.398.
17Idem, ibidem.
18ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología de la Perfección
Cristiana. 5.ed. Madrid: BAC, 1968, p.453.
19SÃO PEDRO JULIÃO
EYMARD, op.cit., p.26.
20ROYO MARÍN, Teología de la Perfección Cristiana,
op. cit., p.454.
21Idem, ibidem.
22SÃO PEDRO JULIÃO
EYMARD, op. cit., p.126.