COMENTÁRIOS AO EVANGELHO II DOMINGO DA QUARESMA – ANO B – Mc 9, 2-10
II - UMA DEFICIENTE VISUALIZAÇÃO DO SALVADOR
Transfiguração do
Senhor se deu numa ocasião de fundamental importância. Narra o Evangelho de São
Mateus que este mistério ocorreu seis dias depois da confissão de Pedro (cf. Mt
17, 1), a qual tornara patente aos Apóstolos que Nosso Senhor era Deus e Homem verdadeiro
(cf. Mt 16, 16). Em consequência da união entre a natureza divina e a natureza
humana realizada na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Jesus é inteiramente
Homem — e, enquanto tal, sentia fome, sede e os efeitos de outras contingências
—, mas tudo n’Ele é adorável, por ser Deus. Num aparente paradoxo em relação ao
reconhecimento de sua divindade, Cristo predissera em termos claríssimos a
futura Paixão (cf. Mt 16, 21), anúncio que os Doze não haviam assimilado, pois
eles ainda alimentavam toda espécie de ilusões a respeito da conquista do poder
temporal em Israel. Devem ter comentado largamente, ao longo desses dias, uma
suposta vitória de alcance extraordinário, cuja máxima expressão seria o
triunfo político, social e financeiro. Sucessos com que os homens de todas as
épocas sonham e pelos quais, não raras vezes, se deixam inebriar, embora
constituam apenas o resto a ser concedido desde que procuremos o principal, segundo
o ensinamento de Nosso Senhor: “Buscai antes o Reino de Deus e a sua justiça e
todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Lc 12, 31). Os discípulos,
contudo, não tinham aprendido esta lição, apesar de toda a doutrina então
recebida do Divino Mestre, e continuavam na expectativa de um reino terreno em
que tudo seria maravilhoso, pois, afinal, o que não esperar de um Deus feito
Homem, com domínio sobre a natureza? Jesus era Aquele que tinha solução para
tudo e, portanto, a felicidade eterna ia se estabelecer sobre a face da Terra!
Por isso a tendência dos Apóstolos, contrariamente ao que Nosso Senhor lhes
comunicara, era julgar que a fase do sofrimento estava encerrada... Ilusão!
Porque é só pela cruz que se chega à luz: “Per crucem ad lucem!”.
Escolhidos para sustentar a fé dos outros
Naquele tempo, 2 Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João,
e os levou sozinhos a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E transfigurou-Se
diante deles.
Jesus escolheu três
Apóstolos especialmente amados parapresenciar a Transfiguração, a fim de que,
mais tarde, fossem estes as testemunhas
da sua divindade. Quando O contemplassem orando e suando Sangue no Horto das
Oliveiras, e depois enfrentando os terríveis lances de sua Paixão e Morte, era
preciso terem na lembrança esta experiência mística, para não perderem a fé.
Com tal sustentação, nem sequer uma realidade tão dramática quanto a do Getsêmani
poderia toldar a certeza plena adquirida no Tabor — onde Ele lhes mostrara sua
verdadeira figura —, mediante a qual compreenderiam quem, de fato, estava
sofrendo: o próprio Deus. Assim, Nosso Senhor desejava garantir aos Apóstolos
que todos os acontecimentos futuros fossem para a sua glória.
Gloriosa manifestação
3 Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como
nenhuma lavadeira sobre a Terra poderia alvejar.
Deste versículo se
depreende que, já naquele tempo, havia pessoas especializadas em lavar as
roupas primorosamente. Mas o Evangelista declara que em nenhuma parte da Terra —
o que, de modo profético, abrange toda a História — alguém seria capaz de
tornar quaisquer vestes tão brancas quanto as d’Ele. A transformação da
aparência das roupas é sinal patente de que Nosso Senhor, como
diz São Tomás,3 manifestou em seu exterior a glória de sua Alma, fazendo
refulgir por alguns instantes a claridade, característica dos corpos gloriosos.
Dado que a alma é a forma do corpo, a glória daquela redunda também na glória
deste. Ora, se em virtude da união hipostática a Alma de Nosso Senhor foi
criada na visão beatífica, o normal seria que seu Corpo gozasse de igual
perfeição. No entanto, Cristo suspendeu para Si esta lei, por Ele mesmo estabelecida,
assumindo um corpo padecente com vistas a operar a Redenção. Apesar disso,
encontramos ao longo de sua vida uma série de circunstâncias em que Ele teve,
de maneira miraculosa, determinadas propriedades do corpo glorioso: a sutileza,
ao nascer, passando do claustro interior de Nossa Senhora para os braços d’Ela,
sem feri-La nem causar-Lhe dano algum; a impassibilidade, quando quiseram
apedrejá-Lo e matá-Lo em Nazaré, e Ele escapou ileso (cf. Lc 4, 29-30); a
agilidade, caminhando sobre as águas (cf. Mt 14, 25); e a claridade, como
vimos, na cena da Transfiguração, em que a brancura das vestes, dava “uma bela
ideia da glória que nos está prometida. Quanto brilho tem ela, uma vez que
ofusca até o próprio Sol! E quanto ela é abundante, pois tendo preenchido todo
o Corpo, atravessa até as vestes! “.
Os representantes da profecia e da Lei prestam homenagem a Jesus
4 Apareceram-lhes Elias e Moisés, e estavam conversando
com Jesus.
Segundo a Lei de
Moisés, duas testemunhas eram suficientes para haver certeza judicial (cf. Dt
17, 6; 19, 15). Assim, neste fato extraordinário, Nosso Senhor fez-Se
acompanhar por Elias e Moisés. Ao primeiro, enquanto símbolo e expoente máximo do
filão de profetas do Antigo Testamento, cabia testemunhar que Ele era Deus, a
Segunda Pessoa da Santíssima Trindade Encarnada. Já a presença de Moisés dava a
entender que a legislação por ele promulgada tinha sido, na verdade, inspirada pelo
Verbo. O Redentor não vinha, portanto, contra a Lei nem contra os profetas, mas
era a realização de todos oráculos e o complemento final e aperfeiçoado da
Antiga Lei.
Continua no próximo post
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