Conclusão dos comentários ao Evangelho — 6º Domingo do Tempo Comum – Ano B – Mc 1, 40-45
Jesus completa a obra mandando aos sacerdotes a prova
“E o ameaçou, e logo o mandou retirar-se; e disse-lhe:
‘Guarda-te de o dizer a alguém, mas, vai, mostra-te ao príncipe dos sacerdotes,
e oferece pela tua purificação o que Moisés ordenou, para lhe servir de testemunho’”.
A caridade também
possui um como que santo pudor, semelhante ao da virtude da castidade, e por
isso procura cobrir-se de véus aos olhares alheios. A este propósito, comenta
São João Crisóstomo: “Deste modo, [Jesus] nos ensina a não procurar, como retribuição
por nossas obras, honras humanas. [...] O Salvador o envia ao sacerdote para
prova da cura, e para que ele não tivesse de ficar fora do Templo, mas pudesse
rezar nele com os demais. Enviou-o também para cumprir o preceito da Lei, e
para aplacar a maledicência dos judeus. Assim, pois, completou a obra
mandando-lhes a prova de sua realização”.8
Estes versículos nos
mostram o grande empenho de Jesus em que a Lei fosse observada. O miraculado
queria seguir a Nosso Senhor e não mais abandoná-Lo, mas Ele lhe fala em tom
severo e ameaçador, obrigando-o a apresentar-se ao sacerdote antes de tudo.
Quando obtida uma cura tão brilhante e de uma doença que conduziria à morte,
compreensível era que o beneficiado não quisesse se afastar, ainda que fosse
para cumprir umas tantas prescrições legais, mas Jesus não desejava
escandalizar ninguém, e por isso evitava causar a impressão de que suas ações
eram contrárias às determinações de Moisés.
Ora, a Lei dispunha
que neste caso o miraculado deveria oferecer três sacrifícios: um de
culpabilidade, outro de expiação e um terceiro de holocausto (cf. Lv 14,
10-13). Os ricos ofertavam cordeiros, e os pobres, aves. Essas providências
deveriam ser cumpridas com urgência; além do mais, no caso concreto, era
apostólico para com os que serviam no Templo, o fato de tomarem logo
conhecimento do milagre. Assim, uma vez constatado este, confeririam
oficialidade ao mesmo, reintroduzindo o ex-leproso na sociedade, e de nada
poderiam acusar o verdadeiro Messias, caso fossem acometidos pela costumeira
inveja. Daí entender-se melhor a severidade com que o Divino Mestre Se dirige
ao miraculado: “E o ameaçou e logo o mandou retirar-se...”.
Ainda quanto à
necessidade exigida por Lei de apresentar-se ao sacerdote, podemos ver nela uma
certa aproximação com a obrigatoriedade de buscar a Confissão, quando alguém é
atingido pela lepra do pecado. Deve-se, entretanto, sublinhar a enorme
superioridade do sacramento da Reconciliação sobre o antigo rito, pois
restabelece a amizade da alma com Deus e consigo mesma, obriga à restituição
dos bens quando mal obtidos, força o homem a conhecer-se melhor, etc. Quanto
aos dois sacerdócios, há também vultosas diferenças. Na Antiga Lei, o sacerdote
apenas constatava e registrava a cura corporal. No Novo Testamento, o Padre não
só constata a cura, mas oferece sua laringe a Jesus para que Ele realmente a
opere.
O Divino Mestre ficava nos lugares desertos
“Ele, porém, retirando-se, começou a contar e a publicar
o sucedido, de sorte que (Jesus) já não podia entrar descobertamente numa
cidade, mas ficava fora nos lugares desertos; e de todas as partes iam ter com
Ele”.
Por mais que o
comovido miraculado pudesse ter comprovado a severidade do Divino Mestre, esta
não conseguiu frear a exuberância de sua alegria. Saiu ele por todos os cantos
a proclamar a maravilha de que tinha sido objeto da parte do Salvador.
Por isso, não mais
foi possível a Jesus mostrar-Se nas cidades. Viu-Se Ele na contingência de
recolher-Se aos campos desertos, longe das gentes que O aclamavam logo ao
encontrá-Lo. Teve, dessa forma, de abandonar por certo tempo Seu intenso
apostolado, porém, dedicando-Se à pura contemplação tão amada por Ele. Essa
contemplação, como sabemos, é causa dos bons frutos da ação, tal como comenta
São Beda: “Depois de fazer o milagre na cidade, o Senhor se retira ao deserto,
para manifestar que prefere a vida tranquila e separada das preocupações do
século, e que por essa preferência Se consagra ao cuidado de sanar os corpos”.9
III – Considerações finais
Somos concebidos e
nascemos sob os estigmas do pecado original; pelo pecado nos transformamos em
inimigos de Deus.10 E se a lepra física enfeia o corpo, a da alma — o pecado —,
a torna horrorosa aos olhos de Deus, dos Anjos e dos Bem-Aventurados. Essa “lepra”
da alma traz consequências até mesmo para o corpo, pois, como diz Nosso Senhor,
“o pecador se torna escravo do pecado” (Jo 8, 34), prejudicando, assim, até sua
saúde física.
Efeitos da lepra do corpo e da “lepra” da alma
Se de um lado o
leproso se torna um pária da sociedade, condenado ao isolamento e ao abandono,
por outro lado, o pecado não só faz perder a inabitação da Santíssima Trindade
na alma do pecador, como o exclui da sociedade dos eleitos e dos santos.
Além disso, a “lepra”
da alma é mais contagiosa do que a física. A propagação da primeira se faz até
à distância, por palavras, conversas, pensamentos, escândalos, maus exemplos,
influência, maledicência, etc., e muitas vezes de maneira tal que não se
consegue reparar os males oriundos de sua difusão.
Também não devemos
olvidar que o fato de se comunicarem entre si os que sofrem dessa enfermidade
física, e nem sequer com os que por ela não foram atingidos, não faz crescer
sua desgraça. O mesmo não se dá com a “lepra” do pecado: ao sermos causa de
contágio, aumentamos nossa culpa.
Por mais que a lepra
conduza a miseráveis condições que, sem tratamento, só terminam com a morte, o
pecado é muito pior, pois arranca da alma a paz de consciência, torna amarga a
vida e prepara a morte eterna.
Consideremos ainda a
grande superioridade da alma sobre o corpo. Aquela é criada à imagem da
Santíssima Trindade e, enquanto obra-prima das mãos de Deus, leva ademais, sobre
si, o infinito preço do preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por
isso mesmo, os males da alma sempre são mais graves que os do corpo. E, sendo
físicos os estigmas do mal de Hansen, são fáceis de serem reconhecidos pela
vítima. Em sentido contrário, o pecador, quanto mais avança nas tortuosas vias
do pecado, menos se dá conta do abismo no qual rola. Nesta perspectiva, como
poderá ele obter a cura?
Terrível é ainda
considerar que os sofrimentos do leproso abandonado à própria sorte terminam
com seu falecimento e, se os aceitou com resignação e amor a Deus, abrirá seus
olhos para a eternidade feliz. Os do pecador não só se perpetuam na eternidade,
como se tornam incomparavelmente mais atrozes após a morte.
Não deixemos passar um dia sem receber a Jesus Eucarístico
E como curar a
“lepra” do pecado?
Muitas são as vias
que conduzem à cura total, isto é, à santidade plena. Há uma, entretanto, que
se sobressai entre todas, e esta nos é indicada pelo Evangelho de hoje, quando
afirma que o leproso “foi ter com Ele...”, ou seja, foi buscar Jesus.
Não se trata de
esperar que Jesus vá ao pecador; é preciso que este vá em busca de Jesus. E,
quanto mais avançado for o estado de sua “lepra”, mais confiança deverá ter de
ser bem recebido por Ele. Jamais deve permitir qualquer fímbria de desânimo ou,
pior ainda, de desconfiança.
E onde encontrá-Lo?
Jesus não está entre
nós de passagem, como aconteceu na vida do leproso do Evangelho, mas de forma
permanente: “Estarei convosco até a consumação dos séculos” (Mt 28, 20). Sim!
Cristo se encontra constantemente na Eucaristia em Corpo, Sangue, Alma e
Divindade. E será na Comunhão frequente — melhor ainda na diária — que Ele irá
assumindo interiormente os que em sua graça O recebem, para dessa forma
torná-los cada vez mais semelhantes à Sua santidade.
Aquelas divinas e
sagradas mãos, cujas carícias encantavam os pequeninos, e ao aproximarem-se dos
enfermos, curavam a todos; aquelas mesmas mãos onipotentes que acalmavam os
ventos e os mares, restituíam a vida aos cadáveres e perdoavam os pecados,
estarão no interior do ser de quem receber Jesus na Comunhão Eucarística, para
santificá-lo.
É de altíssima
conveniência aceitar o convite que a Igreja faz a todos os batizados no sentido
de que não deixem passar um só dia sem receber a Jesus Eucarístico; mas a ação
d'Ele será ainda mais eficaz nas almas que o fizerem por meio d'Aquela que O
trouxe à Encarnação: Sua e nossa Mãe, Maria Santíssima.
1 Cf. Suma Teológica
I, q. 25, a. 2 e 3.
2 Cf. Suma Teológica
III, q. 13, a. 1, ad 1.
3 Cf. Suma Teológica
III, q. 13, a. 1c e 2c.
4 Suma Teológica III,
q. 43, a. 1 resp.
5 Apud AQUINO, São
Tomás de. Catena Aurea.
6 ORIGENES, Commentarium in evangelium Matthaei, 2,
2-3.
7 CHRYSOSTOMI, Joannis. Homiliæ in
Matthæum, 25, 2 (PG 57, 329).
8 Apud AQUINO, São
Tomás de. Catena Aurea.
9 Cf. DENZINGER HÜNERMANN,
1528.
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