COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DOMINGO DE RAMOS DA
PAIXÃO DO SENHOR
O verdadeiro Messias e seu glorioso triunfo
Sedentos
de glória humana e incapazes de aceitar o Reino de Deus que lhes era oferecido,
os inimigos de Nosso Senhor terminaram por crucificá-Lo... propiciando assim
seu verdadeiro e perene triunfo.
I - OS PARADOXOS DO DOMINGO DE RAMOS
Domingo de Ramos é o
pórtico da Semana Santa, ao longo da qual contemplamos o cerne da vida e missão
de Nosso Senhor Jesus Cristo e, portanto, o ponto central de nossa Fé Católica
Apostólica Romana. E o Salvador, Ele mesmo, quem decide iniciar sua Paixão,
entrando em Jerusalém montado num jumento, assim como foi Ele quem escolheu a carne
humana para realizar a Redenção e a Gruta para nascer.
Algumas semanas antes
de Se dirigir à Cidade Santa, Jesus ressuscitara Lázaro, falecido havia quatro
dias. Bem podemos imaginar o espanto dos circunstantes quando Ele mandou abrir o
túmulo, pois àquelas alturas o corpo já deveria estar em de composição. A
despeito do constrangimento geral, removeram a lápide e, à ordem de Nosso Senhor
— “Lázaro, vem para fora!” (Jo 11, 43) —, este não só ressuscitou como subiu a
escada de acesso à saída do sepulcro, “tendo os pés e as mãos ligados com faixas,
e o rosto coberto por um sudário” (Jo 11, 44). 0 fato alcançou grande
repercussão em Israel, causando tal estupor que a opinião pública se tomou de
sofreguidão por conhecer aquele extraordinário Taumaturgo. Como a Páscoa estava
próxima, os judeus que subiam ao Templo para se purificar procuravam o Divino
Mestre e se perguntavam uns aos outros: “Que vos parece? Achais que Ele não
virá à festa?” (Jo 11, 56). Ao saber que Ele vinha chegando, a multidão
saiu-Lhe ao encontro com ramos de palmas nas mãos, aclamando-O, “porque tinha
ouvido que Jesus fizera aquele milagre” (Jo 12, 18).
Cena simples na aparência, grandiosa na essência
Nosso desejo seria de
que esta entrada se verificasse de modo apoteótico, com um cortejo triunfal em
que os jumentinhos carregassem, quando muito, os últimos auxiliares do
Salvador. Ele mereceria desfilar num animal imponente, um elefante ou um belo
corcel branco, semelhante àquele sobre o qual aparece figurado no Apocalipse,
com uma espada entre os dentes (cf. Ap 19, 11-15). Pelo contrário, o Senhor
prefere uma singela montaria, Se apresenta com suas vestes habituais, sem
ostentar um manto real, e não Se faz anunciar. As autoridades — o sumo
pontífice, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo —, a quem caberia
promover uma solenidade para recebê-Lo, não Lhe prestam homenagem. Nada do que
acontecia estava à altura d’Ele!
Contudo, se esta cena
foi simples na sua exterioridade, foi riquíssima no que diz respeito à
substância, pois ali estava o próprio Deus feito Homem, “nascido para ser Rei,
da maneira mais admirável e augusta do mundo, já que o era pela admiração que despertavam
seus exemplos, sua santa vida, sua santa doutrina, suas grandes obras e seus
grandes milagres [...]. Nada em sua aparência impressionava à vista; este Rei
pobre e benigno montava um burrico, humilde e mansa cavalgadura, e não aqueles cavalos
fogosos, atrelados a uma charrete cuja suntuosidade atraía os olhares. Não se
viam servos nem guardas, nem a imagem das cidades derrotadas, nem seus despojos
ou seus reis cativos. [...] A Pessoa do Rei e a lembrança de seus milagres
faziam toda a consideração desta festa”.1
Jesus pede “um jumentinho
que nunca foi montado” — pois estava reservado para Ele — e o animal não se
mostra arisco, mas caminha docemente, trazendo no dorso o Soberano do universo
e nosso Redentor, em função de quem todas as coisas foram criadas. Quanto simbolismo
há por detrás disso! Como gostaríamos de ter aquele burrico empalhado e
conservado numa catedral!
À passagem de Nosso Senhor,
o povo exclama maravilhado: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor!
Bendito seja o Reino que vem, o Reino de nosso pai Davi! Hosana no mais alto
dos Céus!”. Conforme a narração de São Lucas, em certo momento os fariseus interpelaram
Jesus pra exigir que reprimisse as ovações, e Ele lhes respondeu: “Digo-vos: se
estes se calarem, clamarão as pedras!” (Lc 19, 40). Sim, não só as pedras, como
também as plantas, os insetos, as aves do céu, enfim, todos os animais, se
congregariam em torno d’Ele naquela ocasião e saltariam de alegria cantando-Lhe
as glórias, não os houvesse Ele refreado por um milagre. Com efeito, se no
Paraíso Terrestre o homem tinha tal domínio sobre os seres irracionais que
estes obedeciam às suas ordens, tanto mais Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo
Deus, em relação à natureza criada por Ele!
O povo esperava um rei temporal
Não há dúvida de que,
com aqueles brados, a multidão reconhecia a realeza de Jesus como autêntico
descendente de Davi. Entretanto, eram aclamações baseadas numa perspectiva deformada,
segundo a concepção — generalizada entre os judeus — de um Messias político que
os libertaria do jugo romano e restauraria o reino de Israel, obtendo-lhe a
supremacia sobre todas as outras nações. Eles associavam a vinda desse Messias,
portanto, mais a uma salvação temporal do que à salvação eterna. Assim,
receberam Jesus com honras, na expectativa de que Ele, afinal, tomasse conta do
poder e se iniciasse para os judeus uma época diferente.
De fato, o Redentor abria
uma era diferente, mas do ponto de vista sobrenatural. E eles, muito
naturalistas, não percebiam isto. Em consequência, aquele contentamento que manifestavam
não estava timbrado pela admiração à divindade de Cristo. Arrebatados por graças
místicas e consolações extraordinárias, acolheram-No entre gritos e cânticos de
entusiasmo, transbordando de alegria; porém, devido a esta mentalidade errada,
aplicaram tais graças num rumo destoante dos desígnios de Deus. Desejosos de um
reino humano, imaginavam como sendo o máximo sucesso ter um monarca dotado da
capacidade de operar qualquer espécie de milagres, pois, deste modo, todos os
seus problemas seriam resolvidos. No fundo, almejavam uma felicidade meramente
terrena e, com tal ardor a procuravam, que se fosse possível, quereriam passar
a eternidade neste mundo. Numa palavra, eram “limbolatras”, ou seja, adoradores
de uma situação que fizesse desta vida uma espécie de limbo, sem sofrimento nem
gozo sobrenatural.
Estas reflexões
contêm uma lição para nós: devemos ser muito cuidadosos em não nos
aproveitarmos das graças para nossos interesses pessoais e jamais nos
apropriarmos dos dons de Deus para com eles nos autoprojetarmos, buscando
satisfazer nosso amor-próprio, vaidade e orgulho.
Continua no próximo post
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