Tríduo Pascal

segunda-feira, 16 de março de 2015

EVANGELHO DO 5º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B– Jo 12, 20-33

CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO 5º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B– Jo 12, 20-33
Glória e vanglória
O Doutor Angélico começa por se perguntar se o desejo de glória é pecado. Para responder, ele lembra que , segundo Santo Agostinho, “receber glória é receber brilho”. E continua: “O brilho tem uma beleza que impressiona os olhares. É a razão pela qual a palavra glória implica a manifestação de algo que os homens julgam belo. (...) Mas, como aquilo que é especialmente brilhante pode ser visto pela multidão, mesmo de longe, a palavra glória indica precisamente que o bem de alguém chega à aprovação e conhecimento de todos”. Tendo assim definido o sentido de “glória”, ele afirma: “Que se conheça e aprove seu próprio bem, não é pecado”. Igualmente “não é pecado querer que suas boas obras sejam aprovadas pelos outros, pois lê-se em São Mateus (5, 16): ‘Brilhe vossa luz diante dos homens’. Assim, o desejo de glória, de si, não se refere a nada de vicioso.” Em sentido contrário, explica São Tomás que o apetite da glória vã é vicioso e se verifica em três circunstâncias: 1) quando a realidade da qual quer-se tirar a glória não existe ou não é digna de glória; 2) quando as pessoas junto às quais se procura a glória não têm opiniões confiáveis; 3) quando o desejo de glória não está relacionado com o fim necessário: a honra de Deus ou a salvação do próximo. Na seqüência desse raciocínio, o Aquinate afirma: “O homem pode louvavelmente desejar sua própria glória para o serviço dos outros, como está dito (Mt 5, 16): ‘para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus’.” A glória que podemos receber de Deus não é vã, e ela está prometida em recompensa pelas boas obras.
É legítimo desejar a própria glória
O resultado é que se pode desejar o louvor “enquanto for útil para alguma coisa: 1) para que Deus seja glorificado pelos homens; ou 2) para que os homens progridam por causa do bem que descobrem no outro; ou 3) para que o próprio homem, pelos bens que ele descobre em si pelo testemunho de elogio que lhe é dado, se esforce para perseverar e progredir mais nisso.”

Temos, portanto, de um lado a vanglória, e de outro a verdadeira glória, virtuosa desde que voltada para o louvor de Deus, para o fazer bem aos outros e para a própria santificação.
São Tomás conclui sua análise tratando da necessidade de cada um zelar por sua boa fama, e assevera: “É louvável tomar cuidado pelo bom renome, e querer ser bem visto por Deus e pelos homens, mas não deleitar-se em vão com o elogio dos homens.”
Em vista disso, almejar a própria honra é uma obrigação. Assim nos exorta o livro do Eclesiástico (41, 15-16): “Cuida em procurar para ti uma boa reputação, pois esse bem ser-te-á mais estável que mil tesouros grandes e preciosos. A vida honesta só tem um número de dias; a boa fama, porém, permanece para sempre.” O livro dos Provérbios (22, 1) vai no mesmo sentido: “O bom renome vale mais que grandes riquezas; a boa reputação vale mais que a prata e o ouro.” E São Paulo aconselha (Rm 12, 17): “Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos os homens”.
Sacrifício indispensável
Analisemos agora as belíssimas palavras de Jesus, suscitadas pelo pedido daqueles gregos: “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica só; se morrer, produz muito fruto” (Jo 12, 24).
Assim como o grão de trigo, Ele precisa morrer, e por morte de cruz. Diante desse supremo sacrifício, transparece a debilidade da natureza humana assumida pelo Verbo de Deus. Seus argumentos mais parecem destinados a solidificar sua decisão, entretanto já tomada: “Quem ama a sua vida, perdê-la-á; mas quem odeia a sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém me quer servir, siga-me; e, onde eu estiver, estará ali também o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará” (Jo 12, 25-26).
Quem se entrega à prática dos vícios e do pecado, ama sua vida neste mundo, esclarece São João Crisóstomo. Se resistir às paixões, conservá-la-á na vida eterna.
Getsêmani
“Presentemente, a minha alma está perturbada. Mas que direi?” Silêncio. “Pai, salva-me desta hora.” Silêncio. “Mas, para padecer nesta hora é que Eu vim a ela. Pai, glorifica o teu nome!” (Jo 12, 27-28). O monólogo de Nosso Senhor prossegue, mais pessoal, mais sublime, mais confrangedor. Suas palavras são entrecortadas por silêncios meditativos, indicados pelo evangelista com reticências. O Redentor estremece à vista da cruz e — comenta São João Crisóstomo — sua turbação nos mostra quão inteiramente Ele, sendo embora a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, havia assumido a natureza humana. Mistério inefável e inatingível por nossa inteligência, o paradoxo de sentimentos simultâneos e opostos numa mesma pessoa: enquanto a natureza divina estava permanentemente pleníssima de gáudio, a humana O levaria a suar sangue no Getsêmani. Entretanto, possuindo um nobre Coração, em instantes reagiu às angústias, retomando a suprema paz, conforme comenta o célebre exegeta L. Cl. Fillion na sua conhecida obra sobre a vida do Salvador.
A voz do Pai se faz ouvir
“Pai, glorifica o teu nome.” Com sua morte, Jesus queria sobretudo a glória do Pai, e este ouviu sua oração: “Nisto veio do céu uma voz: Já o glorifiquei e tornarei a glorificá-lo. Ora, a multidão que ali estava, ao ouvir isso, dizia ter havido um trovão. Outros replicavam: Um anjo faloulhe. Jesus disse: Essa voz não veio por mim, mas sim por vossa causa” (Jo 12, 28-30).
Esta foi uma das três ocasiões em que o Pai se manifestou publicamente, segundo narra o Evangelho (as outras duas foram no batismo do Senhor e na sua transfiguração), sempre no sentido de glorificar o Filho. Aqui Ele se dirige a todos os homens, anunciando o triunfo do Verbo Encarnado, e dando a Jesus ensejo a contemplar, com a luz da ciência divina, os frutos de sua Paixão: “Agora é o juízo deste mundo; agora será lançado fora o príncipe deste mundo. E quando eu for levantado da terra, atrairei todos os homens a mim. Dizia, porém, isto, significando de que morte havia de morrer” (Jo 12, 31-33).

“Juízo deste mundo” aqui significa, segundo comenta Santo Agostinho, o quanto o poder do demônio sobre os redimidos seria quebrado por Jesus. E Fillion acrescenta: “O Salvador contempla sua futura vitória sobre todos os seus inimigos como se fosse já uma realidade. Vê o mundo perverso, este seu adversário poderoso, já julgado e condenado; vê o ‘príncipe deste mundo’, quer dizer, Satanás, expulso da maior parte de seus domínios, graças à conversão dos gentios. (...) Jesus esquece as humilhações e as dores do suplício, para não pensar senão em suas felizes consequências”.
Continua no próximo post.

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