CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO 5º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B– Jo 12, 20-33
Glória e vanglória
O Doutor Angélico
começa por se perguntar se o desejo de glória é pecado. Para responder, ele
lembra que , segundo Santo Agostinho, “receber glória é receber brilho”. E
continua: “O brilho tem uma beleza que impressiona os olhares. É a razão pela
qual a palavra glória implica a manifestação de algo que os homens julgam belo.
(...) Mas, como aquilo que é especialmente brilhante pode ser visto pela
multidão, mesmo de longe, a palavra glória indica precisamente que o bem de
alguém chega à aprovação e conhecimento de todos”. Tendo assim definido o
sentido de “glória”, ele afirma: “Que se conheça e aprove seu próprio bem, não
é pecado”. Igualmente “não é pecado querer que suas boas obras sejam aprovadas
pelos outros, pois lê-se em São Mateus (5, 16): ‘Brilhe vossa luz diante dos
homens’. Assim, o desejo de glória, de si, não se refere a nada de vicioso.” Em
sentido contrário, explica São Tomás que o apetite da glória vã é vicioso e se
verifica em três circunstâncias: 1) quando a realidade da qual quer-se tirar a
glória não existe ou não é digna de glória; 2) quando as pessoas junto às quais
se procura a glória não têm opiniões confiáveis; 3) quando o desejo de glória
não está relacionado com o fim necessário: a honra de Deus ou a salvação do
próximo. Na seqüência desse raciocínio, o Aquinate afirma: “O homem pode
louvavelmente desejar sua própria glória para o serviço dos outros, como está
dito (Mt 5, 16): ‘para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai
que está nos céus’.” A glória que podemos receber de Deus não é vã, e ela está
prometida em recompensa pelas boas obras.
É legítimo desejar a própria glória
O resultado é que se
pode desejar o louvor “enquanto for útil para alguma coisa: 1) para que Deus
seja glorificado pelos homens; ou 2) para que os homens progridam por causa do
bem que descobrem no outro; ou 3) para que o próprio homem, pelos bens que ele
descobre em si pelo testemunho de elogio que lhe é dado, se esforce para
perseverar e progredir mais nisso.”
Temos, portanto, de
um lado a vanglória, e de outro a verdadeira glória, virtuosa desde que voltada
para o louvor de Deus, para o fazer bem aos outros e para a própria
santificação.
São Tomás conclui sua
análise tratando da necessidade de cada um zelar por sua boa fama, e assevera:
“É louvável tomar cuidado pelo bom renome, e querer ser bem visto por Deus e
pelos homens, mas não deleitar-se em vão com o elogio dos homens.”
Em vista disso,
almejar a própria honra é uma obrigação. Assim nos exorta o livro do
Eclesiástico (41, 15-16): “Cuida em procurar para ti uma boa reputação, pois
esse bem ser-te-á mais estável que mil tesouros grandes e preciosos. A vida
honesta só tem um número de dias; a boa fama, porém, permanece para sempre.” O
livro dos Provérbios (22, 1) vai no mesmo sentido: “O bom renome vale mais que
grandes riquezas; a boa reputação vale mais que a prata e o ouro.” E São Paulo
aconselha (Rm 12, 17): “Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos os homens”.
Sacrifício indispensável
Analisemos agora as
belíssimas palavras de Jesus, suscitadas pelo pedido daqueles gregos: “Em
verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caído na terra, não morrer,
fica só; se morrer, produz muito fruto” (Jo 12, 24).
Assim como o grão de
trigo, Ele precisa morrer, e por morte de cruz. Diante desse supremo
sacrifício, transparece a debilidade da natureza humana assumida pelo Verbo de
Deus. Seus argumentos mais parecem destinados a solidificar sua decisão,
entretanto já tomada: “Quem ama a sua vida, perdê-la-á; mas quem odeia a sua
vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém me quer servir,
siga-me; e, onde eu estiver, estará ali também o meu servo. Se alguém me serve,
meu Pai o honrará” (Jo 12, 25-26).
Quem se entrega à
prática dos vícios e do pecado, ama sua vida neste mundo, esclarece São João
Crisóstomo. Se resistir às paixões, conservá-la-á na vida eterna.
Getsêmani
“Presentemente, a
minha alma está perturbada. Mas que direi?” Silêncio. “Pai, salva-me desta
hora.” Silêncio. “Mas, para padecer nesta hora é que Eu vim a ela. Pai,
glorifica o teu nome!” (Jo 12, 27-28). O monólogo de Nosso Senhor prossegue,
mais pessoal, mais sublime, mais confrangedor. Suas palavras são entrecortadas
por silêncios meditativos, indicados pelo evangelista com reticências. O
Redentor estremece à vista da cruz e — comenta São João Crisóstomo — sua
turbação nos mostra quão inteiramente Ele, sendo embora a Segunda Pessoa da
Santíssima Trindade, havia assumido a natureza humana. Mistério inefável e
inatingível por nossa inteligência, o paradoxo de sentimentos simultâneos e
opostos numa mesma pessoa: enquanto a natureza divina estava permanentemente
pleníssima de gáudio, a humana O levaria a suar sangue no Getsêmani.
Entretanto, possuindo um nobre Coração, em instantes reagiu às angústias,
retomando a suprema paz, conforme comenta o célebre exegeta L. Cl. Fillion na
sua conhecida obra sobre a vida do Salvador.
A voz do Pai se faz ouvir
“Pai, glorifica o teu
nome.” Com sua morte, Jesus queria sobretudo a glória do Pai, e este ouviu sua
oração: “Nisto veio do céu uma voz: Já o glorifiquei e tornarei a glorificá-lo.
Ora, a multidão que ali estava, ao ouvir isso, dizia ter
havido um trovão. Outros replicavam: Um anjo faloulhe. Jesus disse: Essa voz
não veio por mim, mas sim por vossa causa” (Jo 12, 28-30).
Esta foi uma das três
ocasiões em que o Pai se manifestou publicamente, segundo narra o Evangelho (as
outras duas foram no batismo do Senhor e na sua transfiguração), sempre no
sentido de glorificar o Filho. Aqui Ele se dirige a todos os homens, anunciando
o triunfo do Verbo Encarnado, e dando a Jesus ensejo a contemplar, com a luz da
ciência divina, os frutos de sua Paixão: “Agora é o juízo deste mundo; agora
será lançado fora o príncipe deste mundo. E quando eu for levantado da terra,
atrairei todos os homens a mim. Dizia, porém, isto, significando de que morte
havia de morrer” (Jo 12, 31-33).
“Juízo deste mundo”
aqui significa, segundo comenta Santo Agostinho, o quanto o poder do demônio
sobre os redimidos seria quebrado por Jesus. E Fillion acrescenta: “O Salvador
contempla sua futura vitória sobre todos os seus inimigos como se fosse já uma
realidade. Vê o mundo perverso, este seu adversário poderoso, já julgado e
condenado; vê o ‘príncipe deste mundo’, quer dizer, Satanás, expulso da maior
parte de seus domínios, graças à conversão dos gentios. (...) Jesus esquece as
humilhações e as dores do suplício, para não pensar senão em suas felizes
consequências”.
Continua no próximo post.
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