Tríduo Pascal

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Evangelho XI Domingo do Tempo Comum – Ano B – Mc 4,26-34

Comentários ao Evangelho XI Domingo do Tempo Comum – Ano B – Mc 4,26-34
Mons João Clá Dias
Naquele tempo: 26 Jesus disse à multidão: ‘O Reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra. 27 Ele vai dormir e acorda, noite e dia, e a semente vai germinando e crescendo, mas ele não sabe como isso acontece. 28  A terra, por si mesma, produz o fruto: primeiro aparecem as folhas, depois vem a espiga e, por fim, os grãos que enchem a espiga. 29 Quando as espigas estão maduras, o homem mete logo a foice, porque o tempo da colheita chegou’. 30 E Jesus continuou: ‘Com que mais poderemos comparar o Reino de Deus? Que parábola usaremos para representá-lo? 31 O Reino de Deus é como um grão de mostarda que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes da terra. 32  Quando é semeado, cresce e se torna maior do que todas as hortaliças, e estende ramos tão grandes, que os pássaros do céu podem abrigar-se à sua sombra’. 33 Jesus anunciava a Palavra usando muitas parábolas como estas, conforme eles podiam compreender. 34 E só lhes falava por meio de parábolas, mas, quando estava sozinho com os discípulos, explicava tudo. (Mc 4,26-34)
Comentários
Não passa de pálido símbolo da íntima, enérgica e perseverante ação do Espírito Santo sobre os fiéis, o dinamismo existente numa semente. Em consequência, a força triunfante daquela que foi chamada a ser o Reino de Deus — a Santa Igreja — deverá em certo momento conquistar o mundo inteiro.
O Mestre por excelência
“Ninguém jamais falou como este homem” (Jo 7, 46) — foi a resposta dos guardas aos sinedritas, quando estes, após tê-los enviado para prender Jesus, os interrogaram: “Por que não O trouxestes?” (Jo 7, 45). De fato, que mestre houve na História à altura do único e verdadeiro Mestre? Se Nosso Senhor é o Bem, a Verdade e a Beleza absolutas, por que não deveria ser também a Didática em essência? Não podemos nos esquecer que Ele é Deus, enquanto segunda Pessoa da Santíssima Trindade, e, portanto, Sua didática só pode ser também substancial.
Ademais, a alma de Jesus foi criada na visão beatífica, e possuía, pois, o conhecimento conferido àqueles que contemplam toda a ordem da criação no próprio Deus. Se isso não bastasse, lembremo-nos de que a Ele foi concedida também a ciência infusa no seu mais elevado grau; e, acrescentado a essas insuperáveis maravilhas, havia também o conhecimento experimental. Ora, esses tesouros todos fazem, de Quem os possui, o Mestre por excelência. Assim, Cristo Nosso Senhor ensinava a verdade como ninguém e com eminentes qualidades pedagógicas que pessoa alguma teve desde Adão, nem terá até o fim do mundo.
Daí o fato de os próprios soldados que foram prendê-Lo, por ordem do Sinédrio, verem-se num complexo dilema: ou desobedeciam às ordens recebidas, ou eram obrigados a agir contra a própria consciência. Tal era a grandeza manifestada por Nosso Senhor Jesus Cristo no Seu ensinamento, que os soldados foram constrangidos a optar pelo risco de perder o cargo e de até mesmo serem lançados na prisão.

Essa era a luz que se irradiava a partir das pregações do Divino Mestre, abarcando inclusive aqueles que estavam a serviço do mal naquela circunstância.
Simplicidade e eficácia do método
À margem de qualquer outro motivo, devemos afirmar que Jesus, por ser o melhor de todos os mestres, só poderia ter optado pelo mais eficiente dos meios de ensino. E, por incrível que possa parecer, esse Mestre elegeu para nos instruir talvez o mais simples dos métodos, isento de gongorismos e de exageros. Nada de floreios, nem sinuosidades, nem desnecessárias hipérboles. Desprovido dos desequilíbrios de retóricas mal-concebidas, esse seu método redundava nas mais claras e benéficas explicações.
Apesar de Jesus basear-Se nos fatos comuns e correntes da vida de então, eles nunca perdem sua atualidade, e assim permanecerão até o fim dos tempos, pois em Suas palavras se realiza o “Veritas Domini manet in æternum — A verdade do Senhor permanece eternamente” (Sl 116, 2). A Verdade por Cristo ensinada era Ele próprio e, portanto, eterna. Não só no que diz respeito à sua origem, mas também quanto à sua projeção no tempo, pelos séculos dos séculos.
Além disso, as metáforas empregadas pelo Divino Mestre são úteis como elementos históricos para elaborar uma reconstrução de como era vida daqueles tempos.
Um tema fundamental: o Reino de Deus
A preocupação de Nosso Senhor Jesus Cristo não estava centrada em formar grandes literatos, nem gênios em matéria de ciência, nem mesmo artistas excepcionais. Seu essencial empenho era deixar bem clara a doutrina que fundamentava o Reino de Deus, o qual, na sua essência, é constituído pela própria Igreja Católica e Apostólica; um Reino militante aqui na terra, unido a um Reino padecente e a outro riquíssimo e triunfal.
As parábolas de Nosso Senhor Jesus Cristo tinham, pois, um objetivo primordial, além de outros secundários. Todas elas, praticamente, giravam em torno de um tema fundamental: o Reino de Deus. Isso mesmo afirma o Papa Bento XVI: “O tema central do Evangelho é: ‘o Reino de Deus está próximo’. [...] Este anúncio representa, de fato, o centro da palavra e da atividade de Jesus”.1
A Igreja se identifica com o Reino de Deus
É comum e corrente entre os comentaristas e estudiosos considerar-se o fenômeno que se verifica com os fundadores: se, após sua morte, a obra se mantiver tal qual esteve durante a vida deles, ou tiver um desenvolvimento ainda maior, isto é um sinal muito significativo da existência de um autêntico sopro do Espírito Santo sobre sua pessoa e sua atuação. Tratar-se-á, neste caso, de um manifesto desejo da Providência Divina, de promover a fixação e expansão daquela obra.
Ora, nenhuma instituição teve tanto sucesso ao longo dos milênios, e mais ainda terá de futuro, como a Igreja Católica Apostólica e Romana. Haverá na ordem da criação algo que possa servir de perfeita analogia a esse grandioso fenômeno? Para isso, será insuficiente a vitalidade contida na semente e no grão de mostarda, objetos da pregação do Senhor recolhida pelo Evangelho deste domingo. E mais insuficiente será se considerarmos os triunfos que a Santa Igreja deverá obter até o dia do Juízo Final.
Jamais se poderá comparar o potencial dinamismo que existe numa semente — a não ser como um pálido símbolo da realidade — com a íntima, enérgica e perseverante ação do Espírito Santo sobre os fiéis. Não há obstáculo que impeça a força triunfante da Igreja, pois ela se identifica com o Reino de Deus e por isso deverá em certo momento conquistar o mundo inteiro.
Este fato já foi registrado em certos períodos da História, mas muito mais o será quando for da vontade de Deus que todos conheçam o esplendor da realização das palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18). Uma vez mais, reconhecer-se-á nessa ocasião o quanto é patente a divindade de seu Fundador.
II - Parábola da semente
No Evangelho do 11º Domingo do Tempo Comum, Jesus propõe duas parábolas para mostrar o miraculoso desenvolvimento de Sua Igreja e a grande eficácia da palavra de Deus que, lançada nas almas, germina e cresce por si só, produzindo abundantes frutos.
A primeira delas, muito breve, consta apenas no Evangelho de São Marcos, sendo omitida por São Mateus e São Lucas; seu sentido, entretanto, é profundo e pervadido de riquezas.
Naquele tempo: 26 Jesus disse à multidão: ‘O Reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra.
Na abalizada opinião dos Santos Padres, assumida e comentada por Maldonado, o Reino de Deus é, em sua essência, a Igreja. No que tange à semente, interpretam-na eles como sendo a pregação da Palavra de Deus. A terra, por sua vez, representa os ouvintes, com uma pequena diferença em relação à parábola do semeador, narrada pouco antes: nesta são contemplados apenas os bons ouvintes, os quais põem em prática o ensinamento evangélico, rendendo uma considerável colheita.
Por fim, o homem que lança a semente é o próprio Cristo, vindo ao mundo "para dar testemunho da verdade" (Jo 18, 37), como Ele mesmo afirmará diante de Pilatos. Entretanto, dada a íntima união de Nosso Senhor Jesus Cristo com seus ministros, e com todos aqueles que pelo Batismo se tornam filhos de Deus, esse homem da parábola representa também aqueles que, em nome de Jesus, se dedicam ao anúncio do Evangelho.2
Eficácia da palavra de Deus
27 Ele vai dormir e acorda, noite e dia, e a semente vai germinando e crescendo, mas ele não sabe como isso acontece.
Deus criou as coisas materiais de forma que, analisando sua simbologia, pudesse o homem elevar-se até os mais altos planos da Criação. Assim, o dinamismo que existe nos vegetais é uma bela imagem da ação de Deus nas almas, muitas vezes silenciosa e imperceptível, como afirma São Gregório Magno: "A semente germina e cresce sem ele perceber, porque, embora ainda não possa notar seu crescimento, a virtude, uma vez concebida, caminha para a perfeição, e a terra por si mesma frutifica, porque, com a graça, a alma do homem se eleva espontaneamente à perfeição do bem operar".3
Não nos esqueçamos que, conforme escreve Maldonado, "o objetivo de toda a parábola é demonstrar a grande eficácia da Palavra de Deus, a qual, pelo simples fato de cair na terra, como está dito na parábola anterior, logo brota por si mesma, cresce e produz fruto".4
Mais adiante, o douto Jesuíta completa: "Ao propor essa parábola, parece que Cristo tencionava não só demonstrar a grande força inata da Palavra de Deus para germinar por si mesma, mas também tirar aos Apóstolos toda ocasião futura de vanglória".5 O que equivale a dizer, com palavras do Apóstolo: "Assim, nem o que planta é alguma coisa nem o que rega, mas só Deus, que faz crescer" (I Cor 3, 7).
Necessidade da nossa livre cooperação
A força que existe numa semente para fazer germinar a planta é imagem do vigor próprio da graça e dos carismas, ao atuarem na alma humana. Mas para esta semente nascer e dar fruto, é necessária a nossa livre cooperação.
Sobre isto, afirma o Cardeal Gomá: "Essa terra, comenta o Crisóstomo, é nossa livre vontade, porque o Senhor não faz tudo na obra de nossa salvação, mas a confia à nossa vontade, para que a obra seja espontânea. É verdade que sem Deus nada podemos fazer na ordem sobrenatural, mas certo é também que Ele não nos salvará sem nossa livre cooperação. O fruto da vida eterna é da semente e da terra, de Deus e do homem".
De modo análogo, não podem os pregadores se despreocupar dos fiéis nos quais semearam: "Contudo, alguém perguntará: ‘Quis porventura Cristo ensinar que os pregadores do Evangelho podem ficar despreocupados, uma vez que tenham lançado nas almas a semente da palavra de Deus? De modo algum. Devem, pelo contrário, exortar, animar e confirmar com frequência aqueles que ouviram a Palavra de Deus, para que conservem o que já têm e não aconteça de outro receber a recompensa ou o demônio arrancar a semente".7
Interessante é notar, por fim, o problema levantado por Maldonado sobre a aparente ausência do semeador principal, o qual simboliza Cristo: "Poderia algum leitor ter dúvidas sobre como entender o papel de Cristo nesta parte da parábola, pois, sendo Ele o principal semeador da Palavra de Deus, se, depois de semeá-la, nada fizesse na alma dos ouvintes (regando- as com sua graça, etc.), ela jamais germinaria. Acontece, de algum modo, que é Ele mesmo quem, como homem, semeia e, como Deus, a faz frutificar. Enquanto homem, lança a semente, como depois fizeram os Apóstolos, e enquanto Deus, a faz crescer com Sua graça, como se irrigasse a alma com chuva contínua".8
As etapas da vida espiritual
28  A terra, por si mesma, produz o fruto: primeiro aparecem as folhas, depois vem a espiga e, por fim, os grãos que enchem a espiga.
Rico em simbolismo é também o paulatino crescimento da planta. Após um lento germinar, desponta da terra o caule, tenro e débil de início, mas já à procura do Sol. Aos poucos ele vai crescendo e surge uma espiga, na qual se formam os grãos, fruto almejado pelo semeador.
Alguns autores, entre eles São Beda e São Gregório Magno, interpretam esta parte da parábola como uma alusão às várias etapas da vida espiritual. Semelhante ao trigo recém-germinado, a alma, no desabrochar da vocação, está ávida de ensinamento e de doutrina, tomada de encanto por tudo aquilo que a conduz ao Céu. Entretanto, a raiz necessária para dar firmeza aos bons propósitos ainda não se formou nela; só depois de ter enfrentado corajosamente as tempestades e os ventos das provações, tornar-se-á apta a produzir o fruto agradável das boas obras.
São Jerônimo, por sua vez, assim sintetiza com base nesta passagem as três idades da vida interior: “‘Primeiro a planta’, isto é, o temor, porque o começo da sabedoria é o temor de Deus (Sl 110, 10). ‘Depois a espiga’, quer dizer, a penitência que chora. ‘E por último o grão na espiga’, ou seja, a caridade, porque a caridade é a plenitude da Lei (Rm 13, 10)”.9
As duas vindas de Cristo
29 Quando as espigas estão maduras, o homem mete logo a foice, porque o tempo da colheita chegou’.
Neste versículo, o proprietário da plantação entra novamente em cena. Na realidade, não se tinha ausentado, mas continuava velando pelos grãos que semeara, como aponta Maldonado: “Cristo não deixa de cuidar do campo já semeado, ou seja, nós. Pelo contrário, defende-nos com Sua graça, para não acontecer que Satanás leve a semente da palavra de Deus em nós concebida”.10
Entretanto, apenas em dois momentos da História torna-se patente e manifesta a presença do Dono da Messe: na primeira vez, para semear o trigo do Evangelho, quando veio para salvar e não para condenar (cf. Jo 3, 17); na segunda, quando aparecer “o Filho do Homem na sua majestade” (Mt 25, 31) para julgar os vivos e os mortos; então Ele lançará sua foice afiada sobre a seara da terra, e esta será ceifada (cf. Ap 14, 14ss).
III –Parábola do grão de mostarda
Se na parábola da semente quis Jesus sublinhar o dinamismo intrínseco da Palavra de Deus, alimentada pela graça, na do grão de mostarda é posto em relevo seu grande poder transformador.
Sobre isto, comenta o padre Manuel de Tuya, OP: “Estabelece-se aqui a comparação entre ‘o menor’ que se tornará ‘o maior’. Sucederia de igual modo com o Reino: no início, é mínimo, são poucas as pessoas que se unem a ele, mas ficará tão grande que nele caberão multidões”.11
E o Cardeal Gomá acrescenta: “O objetivo da parábola é demonstrar a força de expansão da semente do Reino de Deus, que Jesus trouxe ao mundo. Se, segundo a primeira parábola, salva-se apenas uma parte dessas sementes, e mesmo estas, conforme a parábola do joio, misturadas com más sementes, o que restará do Reino de Deus? Com esta parábola do grão de mostarda, Jesus remove todo temor: a força da semente é imensa e vencerá todos os obstáculos, apesar de ser pequena”.12
Um diminuto grão de admirável potência vegetativa
30 E Jesus continuou: ‘Com que mais poderemos comparar o Reino de Deus? Que parábola usaremos para representá-lo? 31 O Reino de Deus é como um grão de mostarda que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes da terra.
Jesus Se serve de uma imagem agrícola muito comum em Israel e em todo o Oriente. A pequenez do grão de mostarda era proverbial entre os judeus, e não foi em vão que o Divino Mestre o escolheu como figura do Reino de Deus, de modo a tornar ainda mais cogente o exemplo proposto.
Embora diminuta, essa semente possui admirável potência vegetativa. Nas hortas da Palestina, segundo explica Fillion, ela era frequentemente cultivada, devido a suas propriedades medicinais, e o Talmud descreve suas plantas, verdadeiras árvores que atingiam, por vezes, até três metros de altura e podiam suportar o peso de um homem, sem risco de se lhe quebrarem os galhos.13
O simbolismo do grão de mostarda é interpretado de diversas formas pelos comentaristas. Para o Cardeal Gomá, ele “simboliza Jesus, que o Pai enviou ao campo deste mundo em figura de servo, ‘o opróbrio de todos e a abjeção da plebe’ (Sl 21, 7)”.14
No mesmo sentido se pronuncia São Pedro Crisólogo: “Cristo é o Reino que, como grão de mostarda plantado no jardim de um corpo virginal, propagou-Se por todo o orbe na árvore da Cruz, e foi tão grande o sabor de Seu fruto que se consumiu com a Paixão, para que todo vivente o deguste e com ele se alimente”.15
E Santo Ambrósio acrescenta: “O próprio Senhor é um grão de mostarda. Estava Ele longe de qualquer tipo de falta, contudo, como no exemplo do grão de mostarda, o povo, por não conhecê-Lo, não teve contato com Ele. E preferiu ser triturado, para que possamos dizer: ‘Somos diante de Deus o bom odor de Cristo’ (II Cor 2, 15)”.16
Triturado, o grão espalha sua força
32  Quando é semeado, cresce e se torna maior do que todas as hortaliças,
O grão de mostarda é também símbolo da pregação evangélica e da própria Igreja, iniciada por Jesus Cristo e continuada pelos discípulos, na Judeia e depois no mundo inteiro.
Quem acreditaria que aquele punhado de homens simples que acompanhavam Jesus, seria suficiente para tornar conhecida, amada e praticada em toda a terra a nova doutrina que o Mestre lhes havia ensinado? Só uma ousadia divina seria capaz de conceber este plano e de incutir nas almas de seus seguidores a coragem para executá-lo.
A Igreja nasceria tal qual a semente que, ao partir-se dá lugar à árvore. Jesus Cristo profetizara a seus discípulos dificuldades, sofrimentos e perseguições.
Afirma Santo Ambrósio: “Sem dúvida, o grão de mostarda é algo vil e diminuto, e expande sua força somente quando triturado. Assim também a Fé: de início parece coisa simples, mas, posta à prova pela adversidade, dilata a graça de seu valor a ponto de embriagar com seu perfume todos aqueles que ouvem ou leem algo a seu respeito”.17
Com literária beleza é apontada por um autor francês do séc. XVIII a necessidade que tem toda alma de sofrer: “Esse grão não tem força enquanto permanece inteiro. Quando, porém, é moído ou esmagado, adquire uma viva e picante acridade. Eis um belo símbolo do cristão nesta vida: quando ele nada tem a sofrer, costuma não ter força nem vigor; mas quando é perseguido, oprimido, calcado aos pés, quando sofre, quando é reduzido a pó, aí então sua Fé se torna mais viva, seu amor mais ardente, seu coração mais inflamado pelo fogo do Espírito Santo, no qual ele se abrasou — isso é que lhe dá novo vigor”.18
A árvore da Igreja, repouso para os sábios
"... e estende ramos tão grandes, que os pássaros do céu podem abrigar-se à sua sombra’.
Ao colocar este belo detalhe no final da parábola, Jesus previa a vitória de Sua doutrina até entre os mais poderosos. Os gênios, os filósofos e os sábios, renunciando à vaidade de sua ciência, viriam repousar à sombra da palavra do Evangelho, a única que ilumina e traz a paz da consciência.
Sobre isso, escreve Teofilato: “Muito pequena é, de fato, a palavra do Evangelho: ‘Crê em Deus e serás salvo’. Pregada na terra, entretanto dilatou-se e aumentou de tal modo que as aves do céu — isto é, os homens contemplativos e dotados de verdadeiro entendimento — vieram habitar à sua sombra. Quantos sábios, abandonando a sabedoria dos pagãos, encontraram no Evangelho o seu repouso!”.19
E, pitorescamente, o Cardeal Gomá completa: “As aves são gulosas da semente desse arbusto e pousam em seus galhos para comê-la. Representam, essas avezinhas, os povos do mundo inteiro, que vêm pousar na árvore da Igreja para receber seus benefícios”.20
IV – “Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto”
33 Jesus anunciava a Palavra usando muitas parábolas como estas, conforme eles podiam compreender. 34 E só lhes falava por meio de parábolas, mas, quando estava sozinho com os discípulos, explicava tudo. 
Deus respeita o que criou; assim, tendo dado ao homem a liberdade, não a tolhe, impondo-lhe seus desígnios. Muito pelo contrário, sempre lhe permite aderir ao bem, sem coagi-lo em nada. Claro está que, rejeitando o homem as vias do bem e optando pelas do mal, perde a sua liberdade. Procede Deus desta maneira para ser possível premiá-lo com seus dons e benefícios.
Esta é umas das razões essenciais que levaram Nosso Senhor Jesus Cristo a ensinar através de parábolas, em vez de usar uma linguagem direta e coercitiva. Em face da parábola, facilmente alguém poderá dar uma interpretação diferente da real, e com isso não se tornar tão condenável quanto seria se rejeitasse de maneira categórica um convite de Deus. A parábola é o melhor dos meios para permitir o uso meritório da liberdade que Ele concedeu ao homem.
Por isso Nosso Senhor falava a todos através de metáforas, e na intimidade auxiliava a inteligência dos Apóstolos, explicando-lhes o significado mais profundo de tudo quanto dissera. Assim os Apóstolos, robustecidos pela graça por Ele criada e infundida no fundo de suas almas, viam-se com mais possibilidades de aderir virtuosamente a todos os convites que Cristo fazia de forma muito genérica e insinuada à opinião pública que O ouvia.
Quem, analisando essas duas parábolas debaixo do ponto de vista meramente humano, não subisse até o significado mais alto delas, circunscreveria sua capacidade de relacionar-se com Deus e estaria mais preocupado com as coisas “daqui de baixo” e não com as “de lá de cima” (Jo 8, 23). Estaria, portanto, fora do conselho que nos dá São Paulo: “Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes, e não às coisas terrestres” (Cl 3, 1-2).
Muitas vezes, contemplar um belo edifício projetado nas plácidas águas de um lago poderá encantar a quem nele fixe sua atenção. Mas esse deslumbramento tem seu fundamento no fato de a figura ser reflexo de algo real; se, por absurdo, houvesse apenas a sua projeção, o encanto não existiria, pois o homem teria a noção clara de que, movendo as águas, aquela beleza se esvaneceria. Entretanto, em se tratando de uma realidade espelhada nas águas, podem estas ser movidas sem que nada sofra o original ali projetado, pois o edifício continuaria a existir inalterado.
Esse é bem o papel dos símbolos dos quais Jesus lança mão para instruir seus ouvintes, quer seja o das sementes, ou o do plantador. Por mais que deixassem de existir, Seu Criador é eterno, e nada poderá modificá-Lo. Daí que nada pode nos ser mais benéfico na contemplação desses belos reflexos, do que elevarmos nosso olhar Àquele que é a causa eficiente, formal e final de todo o Universo.
1 BENEDETTO XVI. Gesù di Nazaret. Roma: Rizzoli, 2007, p. 70.
2 Cf. MALDONADO, SJ, Pe. Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios - II Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1950, p. 98.
3 Obras de San Gregorio. Madrid: BAC, 1958, p. 418.
4 MALDONADO, SJ, Op. cit., p. 98.
5 Idem, p. 101.
6 GOMÁ Y TOMÁS, Card. Isidro. El Evangelio explicado - II Año primero y segundo de la vida pública de Jesús. Barcelona: Rafael Casulleras, 1930, p. 274.
7 MALDONADO, SJ, Op. cit., p. 100.
8 Idem, p. 101.
9 Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
10 MALDONADO, SJ, Op. cit., p. 99.
11 TUYA, OP, Pe, Manuel de. Biblia Comentada - II Evangelios, Madrid: BAC, 1964, p. 654.
12 GOMÁ Y TOMÁS, Op. cit., p. 276- 277.
13 Cf. FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo - II Vida pública. Madrid: Rialp, 2000, p. 188.
14 GOMÁ Y TOMÁS, Op. cit. p. 277.
15 Apud ODEN, Tomas C. e HALL, Cristopher A. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia - II Nuevo Testamento. Madrid: Ciudad Nueva, 2006, p. 117.
16 Idem, ibidem.
17 Idem, ibidem.
18 Epitres et Evangiles avec des explications - Tome I. Paris: Jean Mariette, 1727, p. 246.
19 Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.

20 GOMÁ Y TOMÁS, Op. cit., p. 277.

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