Tríduo Pascal

sábado, 19 de dezembro de 2015

Evangelho da Missa da Noite do Natal do Senhor – Ano C – Lc 2,1-14

Comentários ao Evangelho da Missa da Noite do Natal do Senhor – Ano C – Lc 2,1-14
1Aconteceu que, naqueles dias, César Augusto publicou um decreto, ordenando o recenseamento de toda a terra.
2Este primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria.
3Todos iam registrar-se cada um na sua cidade natal. 4Por ser da família e descendência de Davi, José subiu da cidade de Nazaré, na Galileia, até a cidade de Davi, chamada Belém, na Judeia, 5para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida.
6 Enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, 7 e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria.
8Naquela região havia pastores que passavam a noite nos campos, tomando conta do seu rebanho. 9Um anjo do Senhor apareceu aos pastores, a glória do Senhor os envolveu em luz, e eles ficaram com muito medo. 10O anjo, porém, disse aos pastores: “Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo: 11Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor. 12Isto vos servirá de sinal: Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura”.
13E, de repente, juntou-se ao anjo uma multidão da corte celeste. Cantavam louvores a Deus, dizendo: 14“Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados”.

“Lux in tenebris lucet”

A mais fulgurante das luzes brilha nas trevas e oferece à humanidade a verdadeira paz, sobretudo em nossa era crivada de guerras, catástrofes e ameaças. Junto a Maria, a José e aos pastores, no Pesépio, adoremos o Menino-Deus, o Príncipe da Paz.
Cristo, o Centro da História
Vivemos no ano de 2006 e ninguém levanta a menor dúvida a este propósito, pois assim foi estabelecido, por consenso universal, o critério para elaborar o nosso calendário. Só esse fato seria, de si, suficiente para comprovar que há dois milênios e seis anos, numa gruta em Belém, nasceu o Menino-Deus com a missão de salvar o mundo. Essa é uma das provas da grande importância que todos os povos, crentes ou não-crentes, atribuíram ao acontecimento que acabou por dividir a História em dois grandes períodos: antes e depois de Cristo. Não tardaram muitos séculos para que urbi et orbe, três vezes ao dia, os sinos das igrejas ecoassem a fim de recordar e alçar seus louvores aos Céus pela Encarnação do Verbo; o Ângelus passou a ser uma devoção universal. A emoção e o júbilo pervadiram a terra e, ao longo dos tempos, na celebração do Natal, sempre ressoaram os cantos litúrgicos e as canções destinadas a manifestar a mesma alegria de há mais de vinte séculos: “Hodie Christus natus est” (1).
“Uma luz resplandece nas trevas” (Jo 1, 5): “Christus natus est nobis”, foi para nós que Ele nasceu, para a humanidade de todas as épocas, até o Juízo Final. O glorioso nascimento do Menino Jesus constitui uma inesgotável fonte de salvação. E, invariavelmente — sobretudo neste ano tão atravessado por ameaças de guerras, convulsões e terrores — o convite que nesta festividade é feito aos homens vem carregado de promessas. Junto ao Divino Infante pode-se encontrar a verdadeira paz, como ocorreu com os pastores e os Reis Magos. Movidos por um sopro do Espírito Santo, abandonaram seus afazeres e puseram-se a caminho em busca da Paz Absoluta, para adorá-La. Esse mesmo convite nos é dirigido a nós na noite de hoje: “Venite adoremus”, pois “a graça de Deus, nosso Salvador, apareceu a todos os homens. (...) Manifestou-se a bondade de Deus nosso Salvador e o seu amor pelos homens” (Tt 2, 11; 3, 4).
Viagem de José e Maria a Belém

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Comentários Jo 1, 19-27

E este é o testemunho de João, quando os judeus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para o interrogarem: “Quem és tu?” 20Ele confessou e não negou; mas declarou francamente: “Eu não sou o Cristo.
Ele fez questão de usar estes dois verbos: um afirmativo e outro negativo. Confessou e não negou. Bastaria ele dizer: “Confessou”, ou então: “Não negou.” Mas ele faz questão de dizer: “Confessou e não negou.” Ele quer dar a ideia de que houve uma confissão. Confissão é aquele que declara, que manifesta a sua fé. Então, está aqui para nós, já um primeiro ponto de conselho espiritual: nós devemos confessar e não negar. Confessou e não negou.
Ele vai repetir ainda.
João confessou e não negou. Confessou: “Eu não sou o Messias.”
Isso perturbava enormemente os judeus que tinham mandado os sacerdotes e levitas. Perturbava, porque eles gostariam de que fosse dito: “Eu sou o Messias.” Porque aí eles obrigariam João Batista a ir ao Sinédrio. O que aconteceria se ele não fosse ao Sinédrio? Aconteceria que João Batista, enquanto Messias, estaria rompendo com o Sinédrio e o Sinédrio podia fazer uma guerra. Assim como eles mataram os profetas ao longo dos séculos, eles também arrumariam um meio de matar este que se dizia Messias, porque estava prejudicando completamente toda a política deles, levitas, sacerdotes e judeus.
Mas ele diz que não: “Eu confesso, não sou o Messias.” Isso cria uma insegurança. Porque, uma vez que não é o Messias, então quem é ele? Isso perturba. “Será que tem alguém que ele vem anunciando?” Porque eles sabiam que era a época do Messias. Se ele não é o Messias, então ele vem anunciando-O.
Eles perguntaram: “Quem és, então? És tu Elias?”
A fama de São João Batista era tal que os sacerdotes e levitas, a mando dos judeus, perguntaram-lhe se ele era ou não o Messias, se ele era ou não Elias. A primeira idéia era a de ser o Messias. Eles vão descendo a escala dos personagens. “Bom, uma vez que ele nega ser o Messias, então, de repente é Elias. Se ele diz que é Elias, estamos perdidos!”
Sim, porque Elias é aquele que manda abrir a terra, vir fogo do céu, que pára a chuva... Então, será Elias? E a tensão nervosa na pergunta:  “Então és tu Elias? És Elias? Dize com sinceridade...”
João respondeu: “Não sou.”
Com essas respostas, eles tinham um alívio imediato, mas depois crescia ainda mais a insegurança. Por que? Porque João devia ser uma figura meio mítica, legendária, saída de alguma toca ou gruta, ou de alguma eternidade desconhecida. Parecia uma figura eterna. E depois, anacoreta mesmo, alimentando-se de gafanhotos e mel silvestre, vestido de pele de camelo, com um cinturão. Era um homem que espantava, dono de uma voz forte, segura. Ele era um homem seguro. Nada dessa indecisão: “Eu? Eu não... eu não sou Elias...” “Não sou!” 
Eles perguntaram: “Quem és, então? És tu Elias?” João respondeu: “Não sou.” Eles perguntaram: “És o profeta?”
Porque podia ser um profeta. E já isto os apavorava também, porque a palavra dele seria tomada como palavra de Deus. Mas eles iam pedir um sinal se ele dissesse que era um profeta, porque nenhum judeu aceitava a presença de um profeta sem um sinal. No entanto, eles aceitavam Elias. Primeiro, devido àquele sacrifício feito, os oitocentos e cinquenta sacerdotes de Baal. Elias era o homem. E depois, o profeta que desapareceu e que tem ainda uma missão no fim do mundo. Isso tudo a respeito de Elias impressionava muito. Se ele dissesse:
— Sou um profeta.
 Imediatamente pediriam:
 — Dê-nos um sinal.
 E São João vai dizer mais uma vez com segurança, com firmeza.
“És o profeta?” Ele respondeu: “Não!” Perguntaram então: “Quem és, afinal?”  
 “Temos de levar uma resposta para aqueles que nos enviaram.”
Como que dizendo: “Diga-nos quem és, porque se nós chegarmos lá sem resposta, eles nos enforcarão.” Imaginem a pressão provavelmente feita sobre eles! ─ “Não apareçam aqui sem uma resposta muito clara.”
A resposta que ele vai dar é um discurso lindíssimo.
João declarou: “Eu sou a voz que grita no deserto:”
 “Que clama no deserto.” É uma referência a Isaías que eles conheciam perfeitamente. Antes do aparecimento do Messias, haverá uma voz que clamará no deserto. “Eu sou aquele que Isaías previu.”
Pânico. 
Eu sou a voz que clama no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’ — conforme disse o profeta Isaías.
Eles sabiam perfeitamente. Isaías tinha dito isso, e, no fundo, ele está dizendo: “Eu sou a realização dessa profecia de Isaías.”
E ninguém ousa dizer o contrário. Eles conheciam a Escritura, conheciam Isaías, sabiam perfeitamente esse trecho. Esse trecho devia ter girado pela cabeça deles incontáveis vezes. E estavam preocupados de que realmente se tratasse de uma voz que clama no deserto. “Sou a voz que clama no deserto.”
Ora, os que tinham sido enviados, pertenciam aos fariseus...
Portanto, eram sacerdotes levitas que pertenciam aos fariseus.
E perguntaram...
Porque os fariseus eram os mestres em obedecer todo o ritual.
Os fariseus tinham constituído uma religião com base em seiscentas e vinte três regras para serem observadas. E aquelas regras todas eram um tormento. Eles exigiam o cumprimento com lupa em uma mão e chicote na outra: “Tem que fazer isto agora, tem que fazer aquilo.”
E, segundo os fariseus, não era permitido haver um ritual fora das seiscentas e vinte e três regras; não se podia batizar outros se não fosse Elias, ou profeta, ou o Messias. Porque se fosse o Messias era compreensível. Se fosse profeta, também. E, mais ainda, se fosse Elias. Então, não entendiam. E por isso é que São João coloca aqui em tom ridicularizante. Por serem fariseus, eles não entendiam o batismo de João. Ora, todo o povo entendeu o batismo de João e aceitou-o. E agora está diante dele um grupo que não aceitou o batismo: os fariseus. Então os fariseus perguntaram:
“Por que, então, andas batizando, se não és o Messias, nem Elias, nem o profeta?” João respondeu:
E a resposta é tremenda... “Eu batizo com água...”
Como se dissesse: “Qual é o mal de batizar com água? Qual é o problema?”
“Eu batizo com água, mas, no meio de vós, está aquele que vós não conheceis e que vem depois de mim.”
Já aqui é um deboche de São João Batista em relação a eles: diz que os fariseus que estavam aí não O conheciam. Ou seja, havia um no meio deles que eles não conheciam. Ou seja, ele está dizendo: “Eu sou o precursor. Eu venho antes daquele que vem depois de mim.”
“Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias.”
Este homem, com poder de influência, fama, mito, glória, com uma aura impressionante, no meio de toda a opinião pública, diz: “Eu não sou digno de me agachar e desamarrar as sandálias deste que vem depois de mim. Não é indignidade de lavar os pés, é de desamarrar as sandálias. Ou seja, perto d’Ele eu não sou nem sequer escravo. Eu não sirvo para ser escravo d’Ele.”
Isso deixou os fariseus, os que eram sacerdotes e levitas, assustadíssimos. “Quem será que este homem vem precedendo? Quem será?”
Isso aconteceu em Betânia, além do Jordão, onde João estava batizando.
E São João Evangelista coloca isso no começo do Evangelho dele. Isso é o capítulo I, versículos 19-28. Isso é para deixar claro que a figura de Nosso Senhor tinha sido atestada por São João Batista e por ele também, enquanto evangelista. Portanto, não havia como colocar em dúvida.
 Nós devemos ser aqueles que aplainam os caminhos do Senhor com nossas palavras e nossa atitude
Fica para nós, subjacente neste Evangelho, o seguinte convite: nós devemos ser aqueles que aplainam o caminho do Senhor. Nós devemos ser aqueles que clamam no deserto. Nós devemos clamar com as nossas palavras e com a nossa atitude.
E, pondo isto no Evangelho, São João está dizendo que não basta conhecer. É bom conhecer, porque quem não conhece, não ama; é preciso conhecer para amar. O conhecimento é fundamental, é preciso conhecer. Mas só o conhecimento não basta. É preciso que, além do conhecimento, nós sejamos testemunhas.
Então, cada um de nós, na sua idade; cada um de nós, no seu chamado; cada um de nós, na sua categoria social; cada um de nós, no seu ambiente, cada um de nós tem que dar testemunho. Cada um de nós deve, além de conhecer, viver aquilo que conhece e transpor o conhecimento à sua própria vida. E, na liturgia de hoje, nós somos chamados a clamar no deserto e a aplainar os caminhos do Senhor.

Muitas vezes, o que é preciso para aplainar os caminhos do Senhor? Tirar uma pedra. Se há uma pedra no caminho e não dá para passar, é preciso retirá-la.

Mons João Clá Dias - homilia 2/01/2006 - sem revisão do autor. 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Evangelho IV Domingo do Advento – Ano C – Lc 1, 39-45

Comentários ao Evangelho IV Domingo do Advento – Ano C – Lc 1, 39-45
39Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia. Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 
Com um grande grito exclamou: “ Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. 45Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu."( Lc 1, 39-45)
A arrebatadora excelência da voz de Maria
Ao ouvir a voz da Mãe de Deus, São João Batista foi imediatamente purificado do pecado original. Tal prodígio prenunciava as grandes transformações reservadas aos que, ao longo da História, seriam objeto da maternal intercessão de Maria.
O OLHAR HUMANO E O OLHAR DA FÉ
Ensina o Apóstolo que “o justo viverá pela fé” (Gal 3, 11). Esta afirmação ressalta a natural insuficiência de nossa razão para atingir, por si mesma, determinadas verdades da Religião Católica. Quando a inteligência se dissocia de Deus, perde a capacidade de apreender o que a realidade possui de mais essencial: a presença d’Ele na alma e em todo e universo criado. Basta recordarmos o testemunho de Santo Agostinho que, após percorrer em vão o mundo do pensamento à procura do sentido de sua existência, exclamou: “Tu estavas dentro de mim, mais interior que o meu próprio íntimo e mais elevado que o ápice do meu ser”.1 Ora, esse conhecimento foi-lhe dado pela fé, pois a vista humana não alcança a Deus diretamente.2
De igual forma, quando analisamos as Sagradas Escrituras não é possível acompanhá-las com a pura inteligência. Esta fica aquém da amplitude sobrenatural dos episódios da História Sagrada, de modo especial dos Evangelhos, e a partir de certo limite deve se abrir para as inspirações do Espírito Santo a fim de penetrar em seu sentido divino. Cabe-nos meditar tais fatos enquanto acontecimentos movidos pela ação direta e eficaz do Criador.