Comentários ao Evangelho da Missa da Noite do Natal
do Senhor – Ano C – Lc 2,1-14
1Aconteceu
que, naqueles dias, César Augusto publicou um decreto, ordenando o
recenseamento de toda a terra.
2Este
primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria.
3Todos
iam registrar-se cada um na sua cidade natal. 4Por ser da família e
descendência de Davi, José subiu da cidade de Nazaré, na Galileia, até a cidade
de Davi, chamada Belém, na Judeia, 5para registrar-se com Maria, sua esposa,
que estava grávida.
6 Enquanto
estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, 7 e Maria deu à luz o
seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia
lugar para eles na hospedaria.
8Naquela
região havia pastores que passavam a noite nos campos, tomando conta do seu
rebanho. 9Um anjo do Senhor apareceu aos pastores, a glória do Senhor os
envolveu em luz, e eles ficaram com muito medo. 10O anjo, porém, disse aos
pastores: “Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para
todo o povo: 11Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o
Cristo Senhor. 12Isto vos servirá de sinal: Encontrareis um recém-nascido
envolvido em faixas e deitado numa manjedoura”.
13E, de
repente, juntou-se ao anjo uma multidão da corte celeste. Cantavam louvores a
Deus, dizendo: 14“Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos
homens por ele amados”.
“Lux in tenebris lucet”
A mais fulgurante
das luzes brilha nas trevas e oferece à humanidade a verdadeira paz, sobretudo
em nossa era crivada de guerras, catástrofes e ameaças. Junto a Maria, a José e
aos pastores, no Pesépio, adoremos o Menino-Deus, o Príncipe da Paz.
Cristo, o Centro da História
Vivemos no ano de
2006 e ninguém levanta a menor dúvida a este propósito, pois assim foi
estabelecido, por consenso universal, o critério para elaborar o nosso
calendário. Só esse fato seria, de si, suficiente para comprovar que há dois milênios
e seis anos, numa gruta em Belém, nasceu o Menino-Deus com a missão de salvar o
mundo. Essa é uma das provas da grande importância que todos os povos, crentes
ou não-crentes, atribuíram ao acontecimento que acabou por dividir a História
em dois grandes períodos: antes e depois de Cristo. Não tardaram muitos séculos
para que urbi et orbe, três vezes ao dia, os sinos das igrejas ecoassem a fim
de recordar e alçar seus louvores aos Céus pela Encarnação do Verbo; o Ângelus
passou a ser uma devoção universal. A emoção e o júbilo pervadiram a terra e,
ao longo dos tempos, na celebração do Natal, sempre ressoaram os cantos
litúrgicos e as canções destinadas a manifestar a mesma alegria de há mais de
vinte séculos: “Hodie
Christus natus est” (1).
“Uma luz resplandece
nas trevas” (Jo 1, 5): “Christus natus est
nobis”, foi para nós que Ele nasceu, para a humanidade de todas as épocas,
até o Juízo Final. O glorioso nascimento do Menino Jesus constitui uma
inesgotável fonte de salvação. E, invariavelmente — sobretudo neste ano tão
atravessado por ameaças de guerras, convulsões e terrores — o convite que nesta
festividade é feito aos homens vem carregado de promessas. Junto ao Divino
Infante pode-se encontrar a verdadeira paz, como ocorreu com os pastores e os Reis
Magos. Movidos por um sopro do Espírito Santo, abandonaram seus afazeres e
puseram-se a caminho em busca da Paz Absoluta, para adorá-La. Esse mesmo convite
nos é dirigido a nós na noite de hoje: “Venite adoremus”,
pois “a graça de
Deus, nosso Salvador, apareceu a todos os homens. (...) Manifestou-se a bondade
de Deus nosso Salvador e o seu amor pelos homens” (Tt 2, 11; 3, 4).
Viagem de José e Maria a Belém
O recenseamento
1Aconteceu que, naqueles dias, César
Augusto publicou um decreto, ordenando o recenseamento de toda a terra. 2Este
primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria. 3Todos
iam registrar-se cada um na sua cidade natal.
Não há uma só
palavra ou um só gesto relacionado com a vida de Jesus que não contenha vários
e altíssimos significados. Por isso multiplicam-se ao longo dos séculos
comentários e interpretações sobre as narrativas evangélicas. Neste primeiro
versículo encontramos um exemplo interessante sobre esse particular. São Tomás
de Aquino, por exemplo, assim se manifesta:
“Cristo veio para nos
reconduzir do estado de escravidão ao estado de liberdade. Por isso diz Beda
que, assim como assumiu nossa condição mortal para nos conduzir à vida, assim
‘dignou-Se encarnar num tempo em que, apenas nascido, seria registrado no censo
de César, e, por nossa libertação, se submeteu Ele mesmo à escravidão’” (2).
Além dos aspectos
teológicos relacionados com o recenseamento, podemos considerar razões
concretas, de ordem geográfica e sociológica, que tornam mais clara a
providencialidade da escolha da época para nascer o Messias. Naquele tempo, o
local de nascimento do fundador da estirpe era de fundamental importância para
se determinar as origens de uma família. Mesmo após ter-se desdobrado em
inúmeros ramos que iam estabelecer-se em outros lugares, às vezes longínquos,
essas novas colmeias humanas guardavam um estreito relacionamento com suas
nascentes geográficas. Esse costume era sobremaneira observado pelo povo judeu,
e dele se serviram os romanos para fazerem cumprir o edito de César Augusto, a
fim de levar a cabo um exato recenseamento do povo. Daí o fato de José ver-se
na contingência de apresentar-se diante das autoridades, na “cidade de Davi,
que se chamava Belém”. Por isso, a Sagrada Família deveria empreender uma
viagem de três ou quatro dias, de Nazaré a Belém (cerca de 140 km), tempo gasto
pelas caravanas da época. Aliás, Belém ficava no carrefour das rotas de
caravanas com destino ao Egito, sendo um lugar de repouso dos viajantes.
Por que Maria fez a viagem com José ?
4Por ser da família e descendência de Davi,
José subiu da cidade de Nazaré, na Galileia, até a cidade de Davi, chamada
Belém, na Judeia, 5para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida.
O fato de São Lucas
mencionar o estado de gravidez no qual se encontrava Maria Santíssima propicia
comentários e hipóteses. Como só José tinha a obrigação de apresentar-se em
Belém, por que também Maria teria empreendido essa viagem na companhia dele?
Segundo alguns
autores, talvez ambos tivessem planejado sua definitiva mudança para a
cidade-berço da estirpe do Rei Profeta. Tanto mais que, na Anunciação feita por
São Gabriel, constava que Deus daria ao Menino o trono de seu pai Davi. Além
disso — argumentam esses autores — havia vários séculos, o profeta Miquéias
fizera referência à cidade de Belém como o local de procedência d’Aquele que
governaria o povo judeu (cf. Mq 5,1).
Por outro lado, é
também possível que José não quisesse deixar Maria a sós naquelas
circunstâncias, sobretudo se considerarmos a grande santidade desse varão que
seria o pai legal e tutor do Filho de Deus. José, certamente, queria adorá-Lo o
quanto antes e logo no primeiro instante.
Quiçá todas as
hipóteses se conjuguem e tenham cabimento. Seja como for, o deslocamento deve
ter sido muito fatigante para a Santíssima Virgem, já tão próxima dos últimos
momentos da gestação. Os caminhos, além de tortuosos e mal-acabados, estavam
ingurgitados pelo fluxo do trânsito dos convocados pelo recenseamento. Asnos e
camelos circulavam num e noutro sentido em número acima do costumeiro. Além
disso, Belém se situa 10 km ao sul de Jerusalém, a mais de 700 metros de
altitude sobre o Mediterrâneo e a quase 1200 metros acima do nível do Mar
Morto; portanto, uma e outra cidade se encontram em altitudes bem semelhantes.
Era a última região habitável rumo ao Mar Morto. Assim, íngremes foram os
derradeiros trechos de estrada percorridos para chegar em Jerusalém e
pernoitarem em Belém.
Talvez se julgue
que, pela imensa consolação de se tornar mãe daí a pouco, não sentisse a
Santíssima Virgem as agruras de tão penoso percurso. Mas até isso Lhe foi
exigido, para tornar mais meritória sua participação na obra redentora de seu
Divino Filho. E a esse incômodo, outro mais se acrescentaria: os “hotéis”
daqueles tempos. As condições de hospedagem nem de longe se assemelhavam às de
hoje, sob os mais variados aspectos. Os viajantes ocupavam divisões contíguas,
debaixo de caramanchões — sem teto, portanto — ou, os que possuíam mais
recursos, cubículos cobertos. Estes e aqueles se localizavam ao longo de um
muro alto que cercava um pátio amplo, no qual os hóspedes deixavam os
respectivos animais. Uma única porta dava acesso ao interior da hospedagem. Nas
noites de superlotação, não era raro encontrar pessoas acampadas nesse pátio.
Tal convívio entre homens, em meio aos animais, era alimentado por comes e
bebes, alegrado por cantorias, falatórios e até mesmo discussões. Não era
alheio a esse ambiente um indescritível prosaísmo, comum naqueles tempos.
Em nada era
estranha aos judeus a agitação que se criou por ocasião do recenseamento, pois
o ambiente era o mesmo ao longo das celebrações da Páscoa. Ainda não havia o
recato que o Preciosíssimo Sangue do Redentor introduziu depois na Civilização
Cristã. Tudo se fazia sem reservas: ali se podia nascer ou morrer, adoecer ou
curar-se, dormir ou agitar-se, etc., à vista de todos. Esse é o verdadeiro
sentido da afirmação de São Lucas: “porque não havia
lugar para eles na hospedaria”. Não tanto porque esta estivesse lotada, mas
por não Lhes ser adequada.
Belém, a cidade escolhida
E por que Belém? O
nome da cidade é de origem hebraica: “Bet-lehem”, ou seja, “casa do pão”,
porque essa localidade era muito fértil. Quem, misticamente, cantou as glórias
de Belém foi Santa Paula, no ano de 383: “Saúdo-te, ó Belém,
casa do pão, onde o pão descido do Céu viu a luz da terra! Saúdo-te, ó Efratá,
campo riquíssimo e fértil, que entre os teus frutos trouxeste o próprio Deus!”
(3). São Tomás de Aquino nos ensina algumas das razões pelas quais Jesus
escolheu Belém para nascer e Jerusalém para morrer:
“Davi nasceu em Belém,
mas escolheu Jerusalém para estabelecer nela a sede de seu reino e ali edificar
o templo de Deus. Assim, Jerusalém viria a ser ao mesmo tempo a cidade real e
sacerdotal. Mas o sacerdócio de Cristo e o seu reino se realizariam
principalmente em sua Paixão. Por isso era conveniente que, para nascer,
escolhesse Belém, e para a Paixão, Jerusalém. (...)
“Como diz São Gregório, Belém quer dizer ‘casa do pão’. E o
próprio Cristo afirma: ‘Eu sou o pão vivo, que desceu do Céu’. (...) Além
disso, contrariava a vanglória dos homens que se orgulham de ter nascido em
cidades famosas, nas quais querem principalmente ser honrados. Cristo, pelo
contrário, quis nascer numa cidade obscura e padecer opróbrios numa cidade
famosa” (4).
Historicamente,
Belém tem um passado rico em densidade e simbologia. Ali foi enterrada Raquel,
esposa de Jacó (cf. Gn 35, 16-19), e até hoje se pode visitar seu túmulo. Na
divisão do território de Israel, efetuada por Josué, Belém coube à tribo de
Judá, na qual nasceu Davi. Porém, depois do nascimento de Jesus, ela se
eclipsa. Os Evangelhos não mais a mencionam, e, assim, ela fica com os
resplendores dos primeiros olhares do Salvador, logo ao vir a este mundo. Só no
século II, São Justino e Orígenes, além de alguns outros escritores, fazem
reviver as glórias dessa cidade.
Nasce o Salvador
História da Gruta
6 Enquanto estavam em Belém, completaram-se
os dias para o parto, 7 e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o
enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na
hospedaria.
Como o próprio São
Lucas declara, “não
havia lugar para eles na hospedaria”, ou seja, José viajou a Belém na
esperança de encontrar uma hospedagem à altura do grande acontecimento que ali
se passaria. A Beata Ana Catarina Emmerick descreve com piedosa riqueza as
várias e frustradas tentativas de José, no reencontro com suas antigas
amizades, de achar um local para ali repousarem. Depois de lhe rolarem amargas
lágrimas pelo rosto, lembrou-se de um refúgio distante da cidade, frequentado
por ele mesmo em sua juventude para escapar de seus perseguidores e aproveitar
para rezar. Após propor à Santíssima Virgem essa solução, para lá se dirigiram.
Segundo a vidente — que descreve em minúcias tanto o exterior quanto o interior
da Gruta —, ali nascera Set, terceiro filho de Adão, o qual, de acordo com a
promessa de um Anjo a Eva, tomaria o lugar de Abel. Outros fatos simbólicos,
relacionados com Abraão, também haviam se passado nesse mesmo lugar. Por fim,
já bem instalados, Maria sugeriu a José rezarem juntos por todos aqueles que
haviam se negado a recebê-los, e lhe comunicou a hora do nascimento,
pedindo-lhe que preparasse bem a manjedoura para poder honrar e adorar o
Menino, tão logo Ele entrasse neste mundo.
O Céu se uniu à terra
Depois de alguns
instantes, passados fora, José retornou à Gruta, encontrando-a como que em
chamas, de tanta luz. Imediatamente prostrou-se com o rosto em terra. Essa luz
que envolvia a Santíssima Virgem foi crescendo de intensidade e, à meia-noite,
após Ela entrar em êxtase e levitação, e estando a própria natureza dos
arredores como que em grande júbilo, nasceu o Salvador. Ao ter-Se movido o
Menino, fazendo ouvir seus primeiros vagidos, Maria “envolveu-O em panos e
recostou-O no Presépio”. Os céus desceram à terra para adorá-Lo, enquanto a
Virgem, resguardando-O em seu amplo manto, O amamentava. Passada uma hora,
Maria chamou José, o qual ainda estava prosternado em oração. Júbilo, humildade
e fervor, são as qualidades com que a vidente Ana Catarina descreve o estado de
alma de José, ao receber o Menino nos braços, banhando-se em lágrimas de
alegria. O recém-nascido era “brilhante como um relâmpago”, segundo sua
expressão.
A esta altura do
presente artigo, vem-me o ardente desejo — talvez por neste momento eu me
encontrar numa capela, bem próximo de Jesus-Hóstia, exposto à adoração — de dirigir
às almas que lêem este relato o que São Paulo implora ao Pai, para os Efésios: “Que Cristo [Menino]
habite pela fé em vossos corações, arraigados e consolidados na caridade, a fim
de que possais, com todos os cristãos, compreender qual seja a largura, o
comprimento, a altura e a profundidade, isto é, conhecer a caridade de Cristo,
que desafia todo o conhecimento, e sejais cheios de toda a plenitude de Deus”
(Ef 3, 17-19).
O Natal na Liturgia
Assistimos
liturgicamente, nesta noite, ao nascimento de Cristo, que se deu no tempo,
pois, por sua natureza divina, já fora gerado desde toda a eternidade, como
afirma São Tomás de Aquino: “Cristo tem duas
naturezas: a divina e a humana. A primeira, recebeu-a do Pai desde toda a
eternidade; e a outra, recebeu-a da Mãe, no tempo. É, pois, necessário atribuir
a Cristo dois nascimentos: o do Pai, desde a eternidade, e o da Mãe, no tempo”
(5).
“E o Verbo Se fez carne ...” (Jo 1, 14). A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade está
entre nós. Esse acontecimento único e insuperável refulge em toda a História e,
apesar de ter-se dado há mais de dois mil anos, é atualíssimo. Deus quis
fazer-Se sensível e visível e, ainda hoje, como se dará até o fim dos tempos,
podemos ter contato com esses esplendores da Encarnação através dos
Sacramentos. Diariamente, sobre os nossos altares, o Verbo Se faz carne. Por
essa razão, a Missa do Galo, para nós, tem um significado todo especial. Que o
Espírito Santo nos abrase o coração para aproveitarmos todas as graças e dons
trazidos pelo Menino-Deus, em sua vinda à luz, nesta noite.
Adoração dos pastores
8Naquela região havia pastores que passavam
a noite nos campos, tomando conta do seu rebanho. 9Um anjo do Senhor apareceu
aos pastores, a glória do Senhor os envolveu em luz, e eles ficaram com muito
medo.
Também Davi havia
sido pastor de ovelhas, e naquela gruta estavam três de seus descendentes,
sendo um deles o Filho do Altíssimo. A corte celeste já rendera culto e
homenagem ao Menino. Nascido com nossa natureza, digno e justo era que também
de nossa sociedade recebesse Ele adoração.
Uma categoria social desprezada
Os pastores
constituíam uma comunidade desprezada pelos fariseus. No caso concreto de
Belém, trabalhavam eles nos confins da região, onde o cultivo das plantações já
não interessava e as terras estavam abandonadas e incultas. Ali permaneciam os
rebanhos mais numerosos, fosse inverno ou verão, vigiados por alguns homens. Os
habitantes do povoado guardavam seus animais nos estábulos dos arredores. A
péssima reputação dos pastores entre os fariseus provinha de várias razões.
Percebe-se, de imediato, que as funções por eles exercidas não se coadunavam
muito com as inúmeras abluções, lavar de mãos, purificação de vasilhas, seleção
de alimentos, etc., às quais os fariseus davam tanta importância. Mas,
sobretudo, eram eles homens de bom senso e mais dados à contemplação. O contato
permanente com a natureza saída das mãos de Deus, na calma e tranquilidade do
isolamento do campo, lhes enriquecia a alma de pensamentos elevados,
conduzindo-os à elaboração de critérios sólidos, difíceis de serem destruídos
pela ilogicidade caprichosa dos fariseus.
Eis, em poucas
palavras, os motivos pelos quais os pastores eram excluídos dos pleitos
judiciais dos fariseus, não eram aceitos como testemunhas, e nem sequer podiam
entrar em seus tribunais.
Separando dos incrédulos os que têm fé
Assim, já ao
nascer, o Menino-Deus iniciou sua missão de pedra de escândalo, deixando de
lado os que não creem. Herodes ouviria dos lábios dos Reis Magos o anúncio do
grande milagre; aqueles que recusaram pousada aos pais do Menino, e os próprios
fariseus, com sua pérfida pertinácia, também rejeitariam os milagres de Jesus.
Todos esses não creram. Os Anjos buscaram os pastores por terem estes uma
robusta virtude da fé, toda feita de obediência. Não era fácil crer num Messias
nascido em plena pobreza, num estábulo, entre um boi e um burro. Os pastores,
entretanto, foram escolhidos por Deus, não por sua simplicidade de vida e de
costumes, nem sequer pela sua pouca capacidade financeira — pois muitos outros
havia em Israel mais pobres e simples do que eles —, mas porque estavam
predispostos a crer.
O temor da grandeza de Deus
Sem embargo, os
pastores “tiveram grande temor”. Herodes também temeria, da mesma forma que,
mais tarde, os escribas, os fariseus e o Sinédrio. São muito diferentes todos
esses temores. A aparição de um Anjo, para os judeus, vinha sempre acompanhada
da ideia de perecimento imediato. Mas neste caso, além do mais, dava-se a
manifestação da glória de Deus, e o natural efeito de sua grandeza é o temor,
seguido de admiração ou de ódio, nunca de indiferença. Por isso uns irão
correndo à Gruta para adorá-Lo e outros quererão matá-Lo.
10O anjo, porém, disse aos pastores: “Não
tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo:
11Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor.
12Isto vos servirá de sinal: Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas
e deitado numa manjedoura”.
O anúncio do Anjo
se inicia por uma determinação: “Não temais!” Estas palavras evidentemente
diziam respeito à sua própria aparição, mas bem poderiam constituir um letreiro
a ser colocado sobre a manjedoura onde repousa o Menino-Deus. Sim, porque,
apesar da fragilidade de um recém-nascido, ali se encontram a Grandeza infinita
de Deus, a Verdade, a Justiça e a Bondade. Por nossa natureza defectiva e por
sermos pecadores, temos medo da Justiça e, assim como a luz muito brilhante
pode ferir os olhos enfermos, treme nossa maldade diante da Grandeza de Deus.
Daí ter o Anjo
recomendado com tom imperativo que não temessem, e logo a seguir lhes falado de
uma “grande alegria”. De fato, impossível alegria maior. Aquele Messias que
tanto fora objeto de suas longas conversas, como também de suas inúmeras
contemplações, havia nascido. Apesar de sua formação tosca, estavam os pastores
isentos do dogmatismo obliterado dos fariseus; com a fé inocente de camponeses
que eram, cheios da graça do Espírito Santo, imediatamente acreditaram na
angélica mensagem.
Encontrarem o local
não constituía problema para eles, pois todos os estábulos já lhes eram muito
conhecidos. Nas noites de muito frio, ou chuva, buscavam refúgio nessa ou
naquela gruta. O Anjo lhes dá o sinal indicativo: “Um Menino envolto em
panos e deitado numa manjedoura”.
O cântico dos anjos
13E, de repente, juntou-se ao anjo uma
multidão da corte celeste. Cantavam louvores a Deus, dizendo: 14“Glória a Deus
no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados”.
Fixemos nossa
atenção nestas palavras: “multidão da milícia
celeste (...) glória a Deus”.
Glória a Deus nas alturas...
Sim, a maior glória
que a humanidade e os próprios Céus poderiam dar a Deus realizou-se no
grandioso nascimento do Senhor. Toda a criação — nela incluída a Santíssima
Virgem — reunida num só coro, jamais prestaria a Deus o louvor que se elevou do
Menino Jesus em seu nascimento. Antes de este ter-se dado, os cânticos de todos
os seres eram débeis e sem eco. Com a vinda de Cristo, causa meritória e
eficiente de nossa divinização, toda a obra da criação atingiu um patamar
inimaginável. E tornando-Se Jesus centro e modelo, não apenas o cântico passou
a ser outro, como Ele também começou a cooperar na infinita glorificação que o
Pai deseja Lhe seja tributada. A humanidade adquiriu como cabeça e sacerdote o
próprio Cristo, que só por seu nome dá toda glória a Deus.
Aquele Menino na
manjedoura, desde seu primeiro momento e ao longo de sua vida, em suas
palavras, obras e sofrimentos, nada quis mais do que ser instrumento para
servir, louvar e glorificar a Deus.
Tanto mais nobre
será o homem, quanto mais se considerar criatura de Deus e deste princípio
tirar todas as consequências, conferindo à sua vida uma inteira ordenação. Daí
nascerão as mais belas virtudes. Ora, vindo esta noite ao mundo, o Menino,
desde seu abrir de olhos, sempre foi submisso a Deus, na completa justiça,
equidade e perfeição. Até mesmo sem levar em conta o caráter expiatório de sua
Encarnação, já é insuperável a glória que se elevou a Deus, partindo daquela
gruta em Belém.
Paz na terra...
Em harmonia com
essa “Glória a Deus nas alturas”, o Menino veio trazer a paz aos homens. Sim,
Ele nos reconciliou com Deus, ensinou-nos a bem conhecer e amar o Pai, assim
como nossos irmãos, e, morrendo por todos e cada um, convidou-nos à santidade.
O nosso fim último tornou-se claramente explícito, como também ficou indicado
qual deve ser o nosso governo sobre nós mesmos e sobre as criaturas.
Mais uma vez,
aproximemo-nos do Presépio e adoremos o Menino, Príncipe da Paz, e ouçamos a
voz de Isaías: “Como
são belos sobre as montanhas os pés do mensageiro que anuncia a felicidade, que
traz as boas novas e anuncia a libertação, que diz a Sião: Teu Deus reina!”
(Is 52,7). Ele, o autor da graça santificante, sem a qual “não pode haver
verdadeira paz, mas somente uma paz aparente” (6).
Eis o convite
essencial para o mundo de hoje tomado pelas guerras, catástrofes e ameaças:
ajoelhe-se e, juntamente com Maria, José e os pastores, ouça a saudação de São
Paulo: “O Senhor
da paz, Ele próprio, vos dê a paz, sempre e em todos os lugares” (2 Ts 3,
16).
1) Hoje nasceu Cristo.
2) Suma Teológica III, q. 35, a. 8, ad 1.
3) Cf.
Epitaph Paulae [inter Epist. S. Hieron.,
108, 27] 10. Efratá significa fértil.
4) Suma Teológica III, q. 35, a.7, ad 1.
5) Suma Teologica III, q. 35 a. 2c.
6)
São Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q. 29, a. 3, ad. 1.
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