1Naquele
tempo, vieram algumas pessoas trazendo notícias a Jesus a respeito dos galileus
que Pilatos tinha matado, misturando seu sangue com o dos sacrifícios que
ofereciam.
2Jesus
lhes respondeu: “Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que
todos os outros galileus, por terem sofrido tal coisa? 3Eu vos digo que não.
Mas se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo.
4E
aqueles dezoito que morreram, quando a torre de Siloé caiu sobre eles? Pensais
que eram mais culpados do que todos os outros moradores de Jerusalém? 5Eu vos
digo que não. Mas, se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo”.
6E Jesus
contou esta parábola: “Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha.
Foi até ela procurar figos e não encontrou. 7Então disse ao vinhateiro: ‘Já faz
três anos que venho procurando figos nesta figueira e nada encontro. Corta-a!
Por que está ela inutilizando a terra?’
8Ele,
porém, respondeu: ‘Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta
dela e colocar adubo. 9Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tu a
cortarás’”.
Comentário ao
Evangelho 3ºDomingo da Quaresma Lc 13, 1-9 Ano C
A necessidade da contínua conversão
Deus é Paciência
e usa de longanimidade para conosco, dando-nos tempo mais do que suficiente
para nos convertermos. Mas, sendo também Sabedoria e Justiça, sabe como e
quando castigar.
O amor incondicional de Deus a cada um de nós
Por meio da consideração do universo, de modo especial sob o
aspecto da beleza, pode o homem a todo momento reportar-se a Deus, vendo nas
criaturas reflexos do Criador. Entretanto, muitos dos nossos contemporâneos
vivem engajados em um ritmo de vida que os absorve por completo,
dificultando-lhes tomar distância dos afazeres cotidianos e se deter, mesmo por
alguns instantes, para admirar algo de nobre, elevado ou belo capaz de alçá-los
à esfera sobrenatural.
Quem assim procede,
demonstra ignorar o lado mais profundo da realidade, uma vez que Deus está em
toda parte e intimamente em todas as coisas! 1“N’Ele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,
28).
Deus quer dar-nos a vida eterna
Deus é sumamente
comunicativo e “não cessa de chamar todo homem a procurá-Lo para que viva e
encontre a felicidade”2. Deseja entrar em
contato conosco e tem por nós um amor gratuito, incomensurável e incondicional,
que perdoa as infidelidades até o extremo de Nosso Senhor afirmar haver mais
alegria no Céu pela conversão de um pecador do que pela perseverança de noventa
e nove justos (cf. Lc 15, 7).
“Não quero a morte
do pecador, mas que ele se converta e tenha a vida” (Ez 33, 11), diz a Sagrada
Escritura. Esse pensamento expresso através da Revelação deve nos encher de
confiança, qualquer que seja nossa situação espiritual.
Tanto mais que a
vida desejada por Nosso Senhor, para nós, não se esgota nos limites de uma
existência terrena cheia dos deleites dos sentidos, o que além de ilusório,
quase nada seria face ao que Ele quer nos dar, ou seja, uma participação na
própria natureza divina. Deus nos criou para gozarmos de sua plena e perpétua
felicidade. Dádiva maior, não é possível excogitar!
Precisamos,
sobretudo, não colocar obstáculos à graça
Desde toda a
eternidade, Deus tem um plano específico para cada um de nós e o mantém, mesmo
se a este não tenhamos correspondido como deveríamos. Em sua misericórdia, Ele
vê o que toda pessoa seria se tivesse sido sempre fiel às graças recebidas,
vivendo no auge de perfeição para a qual foi criada.
Deus espera que
nossa vocação um dia se torne realidade e serve-Se dos acontecimentos
cotidianos para nos mover à conversão. Assim, ainda que alguém se encontre num
estado de extrema infelicidade por ter cometido uma falta grave — ou, pior
ainda, por ter abraçado decididamente as vias do mal — o Divino Juiz não Se
apressa em punir o pecador. Ao contrário, aguarda pacientemente o momento
adequado para reconduzir o filho pródigo à casa paterna.
Mais ainda, o amor
de Deus pelos homens é tão incondicional que, diante do anseio salvífico do
Criador, nossa vontade fica relegada a um segundo plano. Bem sintetizou essa
realidade Santa Maravilhas de Jesus em seu célebre lema: “Si tú le dejas...” —
“Se tu O deixas...”. Pois, para trilharmos as vias da virtude, precisamos,
sobretudo, não colocar obstáculos à ação da graça em nossas almas. A santidade
não é principalmente resultado do nosso esforço, mas de uma iniciativa amorosa
de Deus.
Jesus convida os
Judeus à conversão
“Naquele tempo,
vieram algumas pessoas trazendo notícias a Jesus a respeito dos galileus que
Pilatos tinha matado, misturando seu sangue com o dos sacrifícios que
ofereciam”.
Pouco tempo antes
do episódio narrado neste Evangelho, quando o povo estava reunido no Templo
para a oferta da Páscoa, alguns galileus, inconformes com o domínio romano,
aproveitaram a grande confluência de peregrinos para iniciar uma revolução
contra a autoridade de César.
Ao tomar
conhecimento desse fato, Pilatos indignou-se e mandou executar os revoltosos.
Ora, entrando os soldados no átrio do Templo, além desses promotores da
sublevação, mataram também outros galileus que lá se encontravam para oferecer
os sacrifícios de costume, derramando assim sangue inocente. A notícia produziu
grande alvoroço e algumas pessoas apressaram-se a ir contar o ocorrido a Jesus.3
A propósito do
castigo temporal, alerta para a pena eterna
2“Jesus lhes respondeu: ‘Vós pensais que esses galileus eram mais
pecadores do que todos os outros galileus por terem sofrido tal coisa?3 Eu vos digo que
não. Mas, se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo’”.
Imaginavam os
portadores da notícia que, sendo galileu, Jesus tomaria naturalmente o partido
dos compatriotas mortos. Talvez até esperassem que a brutalidade da repressão
levasse o Divino Mestre a pronunciar-Se a favor do nacionalismo judaico.
Ora, as cogitações
de Nosso Senhor situavam-se sempre num plano muito superior ao das disputas
políticas. Em sua resposta, Ele não Se compromete com os aspectos concretos da
questão, mas aproveita a circunstância para dar uma lição moral, assim
sintetizada por Fillion: “Sem julgar o procedimento do governador, nem descer
ao terreno das discussões políticas, recorda aos seus ouvintes que, como todos
ofenderam a Deus, estão todos expostos aos golpes da justiça divina, enquanto
não se arrependerem e se converterem sinceramente”.4
Deparamo-nos, aqui,
com uma primeira atitude de Jesus a imitar: quando um fato da vida cotidiana se
apresentar revestido de especial interesse, evitemos analisá-lo apenas segundo
os aspectos terrenos, e procuremos elevar-nos até o plano sobrenatural, a fim
de melhor julgá-lo.
De outro lado, na
opinião de Leal e os outros professores da Companhia de Jesus, o teor da
resposta do Divino Mestre visava corrigir uma ideia errada comum entre os
judeus daquela época, segundo a qual toda dor era um castigo.5 Porém, ensina o Cardeal Gomá, só o Senhor “sabe se existe alguma
relação entre os pecados pessoais e as desgraças ocorridas a alguém; os
exemplos de Jó, de Epulão e Lázaro desmentem a teoria errônea e supersticiosa
dos judeus”.6
Ao afirmar que aqueles
galileus mortos não eram mais pecadores do que os seus interlocutores, Jesus
lança mão de um recurso psicológico para mais vivamente alertá-los sobre a
gravidade intrínseca do pecado e das penas correspondentes. Pois, como afirma
Maldonado, “tencionava Jesus advertir, acerca da pena eterna, os seus ouvintes
impressionados pela narração daquele castigo temporal; como se lhes dissesse:
[...] não reputeis miseráveis os homens que sofreram essa morte corporal, mas
sim aqueles que sofrerão a morte da alma, e esta cairá com certeza sobre todos
vós, se não fizerdes oportuna penitência”.7
Um segundo caso
trazido à tona por Nosso Senhor
4“'E aqueles dezoito que morreram, quando a torre de Siloé caiu
sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que todos os outros moradores de
Jerusalém? Eu vos digo que não. Mas, se não vos converterdes, ireis morrer
todos do mesmo modo’”.
Logo a seguir,
Cristo faz referência a outra tragédia recente: o desabamento da torre de
Siloé, matando dezoito pessoas que se encontravam em seu interior. Desta vez a
desgraça não decorrera de um acontecimento político, mas sim de um episódio
fortuito.
Também sobre este
caso pairava a suspeita de ter sido um desastre ocorrido para castigo das
vítimas, pois, segundo julgavam os judeus daquele tempo, a morte acidental só
advinha a quem houvesse ofendido gravemente a Deus. “Uma tal desgraça parecia
mostrar a mão da Providência Divina como querendo castigar seus pecados”,
comenta Maldonado.
Entretanto, aqui
mais uma vez o Divino Mestre os corrige: aqueles dezoito não eram mais
pecadores do que os outros judeus. E novamente adverte-os sobre a necessidade
de se converterem.
Cumprimento das
profecias de Jesus
“No plano de Deus
há horas determinadas para a efetivação de castigos ou desgraças coletivas”,
precisa o padre Tuya.9 Algumas décadas depois do episódio narrado neste
Evangelho, foi Jerusalém sitiada pelas tropas de Tito, e sucumbiram os
habitantes da cidade exatamente como esses galileus no Templo, pelas mãos de
romanos.
Sublinha, a este
propósito, o Cardeal Gomá: “O próprio recinto do Templo, como narra Flávio
Josefo, encheu-se de cadáveres durante o cerco de Jerusalém, ‘do mesmo modo’,
oferecendo sacrifícios”.
E escreve Didon: “É
provável que os sábios de então, os saduceus, cortesãos do poder estrangeiro;
os fariseus, que acreditavam no triunfo de Israel, no orgulho cego de sua
piedade sem virtude, sorrissem das ameaças do Profeta; o próprio povo sempre
mais comovido com o presente do que com o futuro afastado, não parece ter-se
impressionado com elas.
“A profecia todavia
não tardou em verificar-se: quarenta anos mais tarde, os soldados de Tito
degolavam no Templo os últimos partidários exasperados da independência
nacional; e as casas de Jerusalém, incendiadas, desabavam, como a torre de
Siloé, sobre os habitantes da cidade impenitente.
“Este futuro
terrível para o qual a nação se precipita, não deixa mais o pensamento do
Profeta; comove-O e entristece-O mais do que a sua própria morte; quereria
preveni-lo, abalando as consciências e abrindo-as à voz de Deus. Se
compreendessem o dever do momento, renunciariam aos sonhos terrestres que as
enganam, acolheriam a Boa-Nova do Reino, de Israel transformado, deixando os
romanos prosseguir na sua obra, tornar-se-ia o verdadeiro povo espiritual de
Deus. Nunca destino mais sublime foi oferecido a uma nação; nunca se deu
exemplo de mais incurável cegueira. Jesus em vão procurava desenganá-la”.
Assim, no ano 70,
segundo muitos comentaristas, se cumpriram ambas as profecias incluídas no
Evangelho de hoje. O historiador judeu Flávio Josefo, testemunha ocular
daqueles acontecimentos, relata cenas dramáticas, como a de uma mãe que, movida
pela fome e pelo desespero, assou ao forno o próprio filho, para comê-lo.
A parábola da figueira
Visando
melhor vincar nas almas dos seus ouvintes a necessidade de uma pronta
penitência, Jesus continua Seus ensinamentos recorrendo a uma parábola de fácil
compreensão, por ser a figueira muito comum na Palestina daquela época.
Costumava-se plantá-la pelo meio das vinhas, e tanto as uvas quanto os figos
secos constituíam parte importante da alimentação dos povos que lá habitavam.
Imagem dos que não
procuram fazer boas obras
6“E contou-lhes também esta parábola: ‘Certo homem tinha uma
figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar figos e não encontrou’.
Então disse ao vinhateiro: Já faz três anos que venho procurando figos nesta
figueira e nada encontro. Corta-a! Por que está ela inutilizando a terra?’”.
A figueira costuma
dar frutos logo no primeiro ano ou, no mais tardar, no segundo. Ora, aquela
estava há três anos sem nada produzir. Não havia, portanto, necessidade de
esperar mais tempo para cortá-la, porque uma planta estéril, além de ocupar
espaço no pomar, desgasta inutilmente o solo.
De fato, a árvore
da parábola simboliza as pessoas que não se esforçam em fazer boas obras, mas
pretendem viver apenas se beneficiando das graças de Deus, sem procurar fazer
frutificar esses dons. Afirma São Gregório Magno: “Quem não apresenta frutos de
boas obras, segundo seu cargo e condição, ocupa debalde o terreno, como árvore
estéril, pois impede outros de fazerem o bem no mesmo lugar por ele ocupado.
[...] Com efeito, ocupa debalde o terreno quem põe obstáculos às almas alheias;
ocupa debalde o terreno quem não se empenha em agir segundo o cargo que ocupa”.13
Encontramos aqui
mais uma aplicação para nossa vida espiritual: por vezes, sinais evidentes nos
mostram que Deus nos quer em determinada atividade apostólica, para ampliação
do Reino d’Ele. Apesar disso, nada fazemos. Incorremos, assim, numa falta por
omissão. Com frequência, esse tipo de faltas passa despercebido em nosso exame
de consciência, pois, por estarmos demasiadamente voltados para nossos próprios
interesses, nem nos damos conta de que pecamos quando não produzimos os frutos
que o Dono da Vinha espera.
Ora, nesta passagem
há para nós uma advertência: o dono da vinha mandou cortar a figueira estéril.
Não poderá acontecer algo semelhante com qualquer um de nós?
Analogia com o Povo
Eleito
8“’Mas o vinhateiro respondeu: Senhor, deixa a figueira ainda
este ano. Vou cavar em volta dela e vou colocar adubo. 9Pode ser que venha a dar
fruto. Se não der fruto, então tu a cortarás!’’’.
A situação descrita
nestes versículos é aplicada pelos comentaristas ao Povo Eleito. Neste sentido,
afirma o padre Tuya: “assim foi tratado Israel, cultivando-o repetidamente com avisos
e profetas; em seguida o Batista e, por fim, Cristo com suas doutrinas e
milagres. Mas os dirigentes de Israel não O reconheceram como o Messias”.14
Com efeito, no
Antigo Testamento várias vezes Deus exortou, sem sucesso, essa “figueira” a dar
frutos. Já bem próximo do momento da colheita, mandou o Precursor, como arauto
da justiça divina, alertando: “Fazei pois, dignos frutos de penitência. [...]
Já o machado está posto na raiz da árvore. Toda árvore que não dá frutos será
cortada e lançada no fogo” (Lc 3, 8-9). Mais tarde Ele próprio quis fertilizá-la
com seu preciosíssimo Sangue divino, que regou toda a Terra.
Mas a “figueira”
permaneceu estéril. “O Senhor procurou nela frutos de fé, mas ela nada tinha
para dar”, sentenciou Santo Efrém de Nísibe.15 Por isso, afirma São Cirilo de Alexandria: “Após a crucifixão do
Salvador, os israelitas foram condenados a cair nas misérias que mereceram.
Jerusalém seria capturada e seus habitantes mortos pela espada inimiga; suas
casas seriam queimadas e até o Templo de Deus seria destruído”.16
Não esqueçamos, entretanto,
aquilo que com propriedade fazem notar os mesmos professores da Companhia de
Jesus: “A aplicação é extensiva ao homem em geral, pois a história judaica
sintetiza a História da humanidade”.17
Saibamos, então,
encontrar as devidas analogias desta parábola para a nossa vida espiritual.
Pois, como sublinha um piedoso autor: “Nós somos essa figueira, enxertados em
Jesus Cristo pelo Batismo, plantados em sua Igreja pela fé, [...]
cuidadosamente cultivados [...]. Procuramos corresponder a tudo isso, produzindo
os frutos que Ele tem direito a esperar de nós?”.18
Simbolismo da figura
do vinhateiro
Muitos são os
simbolismos atribuídos pelos comentaristas à figura do vinhateiro.
Afirma Teófilo:
“Deus Pai é o dono da vinha; o vinhateiro é Jesus Cristo, o qual não permite
cortar a figueira estéril, como se dissesse ao Pai: ‘Mesmo não tendo dado
frutos de penitência pela Lei e pelos Profetas, Eu os regarei com meus
tormentos e minha doutrina, e talvez produzam frutos de obediência’”.19
O Cardeal Gomá o
identifica com o nosso Anjo da Guarda, ou com as pessoas suscitadas por Deus
para nos dirigir, ou até mesmo com cada um de nós, porque “cada qual cuida de
sua vinha”.20
E São Gregório
Magno se pergunta: “O que significa o vinhateiro, senão a ordem dos prelados?
Pois estes, estando à frente da Igreja, estão certamente cuidando da vinha do
Senhor”. E atribui, logo a seguir, um inesperado simbolismo ao trabalho do
vinhateiro: “O que significa cavar ao redor da figueira senão increpar as almas
infrutíferas? Com efeito, toda escavação se faz embaixo e é certo que a
increpação, ao ser feita, humilha a alma; portanto, quando increpamos a alguém
seu pecado, agimos como quem, por exigências do cultivo, cava em volta da
árvore estéril”.
“Então tu a cortarás!”
A passagem do
Evangelho termina abruptamente com palavras de terrível ameaça: “Então tu
a cortarás!”.
Não faltavam no
Antigo Testamento exemplos de severos castigos para dar crédito a essa
advertência: no tempo de Noé, a terra foi submersa pelas águas do dilúvio (cf.
Gn 7, 17-24); Sodoma e Gomorra foram destruídas pelo fogo (cf. Gn 19, 24-25);
as tropas do faraó pereceram, afogadas no Mar Vermelho (cf. Ex 14, 27- 28).
Deus é a Paciência, em substância, mas também é a Sabedoria e a Justiça, e sabe
como e quando intervir.
E no Novo
Testamento, veremos Jesus retomar a figura desta parábola quando, indo de
Betânia a Jerusalém, três dias antes de Sua morte, teve fome e dirigiu-Se a uma
figueira localizada à beira do caminho. Não achando nela senão folhas,
disse-lhe: “Nunca mais produzas fruto algum!”. E, no mesmo
instante, a figueira secou, deixando estupefatos os discípulos (cf. Mt 21,
17-20). Conforme especifica São Marcos, ela secou “até a raiz” (Mc 11, 20).
Bem pode essa
árvore estéril representar a história de quem vai abusando da paciência do
Criador, até o momento, desconhecido pelos homens, em que sua medida estará
completa...
O que Deus espera de
nós
Deus usa de
longanimidade para conosco, conforme as palavras de São Pedro: “O Senhor
pacientemente vos aguarda, não querendo que ninguém pereça senão que todos se
arrependam” (II Pd 3, 9). Dá Ele tempo de sobra para a terra ser adubada e
regada, ou seja, para as pessoas se converterem.
Contudo, os
terríveis efeitos da Justiça divina convidam-nos a examinar a fundo nossa
consciência, para saber se estamos cumprindo nossos deveres de cristão,
assumidos no Batismo. O convite à conversão apresentado por esta passagem
significa caminhar para a perfeição, excluindo qualquer apego ao pecado, pois o
bem só poderá nascer de uma causa íntegra.22
E se, por
infelicidade, tivermos incorrido em muitas faltas, não nos esqueçamos de que
Nossa Senhora e o nosso Anjo da Guarda estão sempre rogando por nós, para Deus
nos conceder mais uma oportunidade. O mesmo fazem os bem-aventurados, conforme
afirma Santo Agostinho ao comentar essa parábola: “Todos os santos são como
vinhateiros que intercedem pelos pecadores perante o Senhor”.23
Esta Liturgia — que
nos adverte com tanta seriedade, mas também nos incentiva a ter uma inabalável
confiança na misericórdia divina — é própria a nos conduzir, como dissemos, a
um apurado exame de consciência. Aproveitemos, então, o dia de hoje para pedir
a graça de romper inteiramente com o mal. Aquilo que Jesus esperava e até
reclamava de Seu povo, tal qual transparece no Evangelho de hoje, é exatamente
o que Ele quer de cada um de nós. Ou seja, uma grande virtude de penitência e
espírito de compunção, necessários a todos os que não viveram uma perfeita
inocência.
Essa dor dos
próprios pecados, quando redunda numa contrição perfeita, produz belos e
abundantes frutos, como a plena remissão de nossas culpas e das próprias penas
temporais, e também um considerável aumento da graça santificante que faz a
alma avançar rapidamente pelas sendas da santificação. Além de grande paz
interior, essa contrição manterá a alma em estado de humildade, purificando-a e
auxiliando-a a mortificar seus desordenados instintos. Aí está um ótimo meio
para adquirir forças contra as tentações e garantir a perseverança na
fidelidade aos Mandamentos.
Será que não nos
move o exemplo tão clamoroso da rejeição daquele povo ao prazo que lhe dá o
Salvador para seu arrependimento e conversão? Reagiremos nós da mesma forma ou
imploraremos, por meio de Maria, esse verdadeiro dom de Deus, que é a contrição
perfeita?
Eis o que a
respeito da pecaminosa rejeição do povo eleito comenta Didon: “O fruto que Deus
esperava e reclamava da Sua nação escolhida era a penitência e a fé; a
penitência que chora as infidelidades e as faltas, a fé que aceita a palavra de
vida e dá acesso ao Reino messiânico”.
“Desde a primeira
hora da Sua vida pública, Jesus não cessou de lembrar estes grandes deveres.
Mas, afora alguns eleitos, nenhum responde; em lugar de bater no peito, os
chefes religiosos não falam senão da sua justiça; em lugar de crer no Enviado,
combatem-no, perseguem-no, difamam-no, ameaçam-no e anatematizam-no. A vingança
de Deus aproxima-se, pronta a rebentar, se o Enviado desconhecido não suspende
a sua explosão; esta raça cega mal o imagina, embala-se em ilusões fatais que a
palavra de Jesus não consegue dissipar, adormece nas promessas de Deus, sem
pensar que o seu endurecimento torna estéreis essas promessas e provoca a
cólera celeste. Os milagres não podem mais sobre ela do que a palavra. Arrancam
à multidão alguns gritos de admiração, mas escandalizam a classe dirigente que
não cessa de opor ao Profeta as vãs observâncias do seu culto”.24
Mais uma vez,
podemos nos perguntar: e nós, reagiremos da mesma forma? Ou tiraremos todo o
proveito, não só desta Liturgia, mas de toda a Quaresma?
1 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica I, q.8, a.1, resp.
2 Catecismo da Igreja Católica, n.30.
3 Diversos comentaristas antigos, entre os quais São Cirilo (in
Cat. Græc. Patr. apud Catena Aurea), identificam este episódio com a revolta de
Judas Galileu, narrada pelo próprio São Lucas em At 5, 37. Entretanto, autores
mais recentes, como Fillion (Vida de Nuestro Señor Jesucristo. II. Madrid:
Rialp, s/d, p.387) e os professores da Companhia de Jesus (LEAL, SJ, Juan;
PÁRAMO, SJ, Severiano; ALONSO, SJ, José. La Sagrada Escritura. I. Evangelios. Madrid:
BAC, 1961, p.696), consideram tratar-se de um fato diferente, acontecido pouco
antes do episódio aqui narrado.
4 FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Madrid: Rialp, s/d, v.II, p.387.
5 Cf. LEAL, SJ, Juan; PÁ- RAMO, SJ, Severiano del; ALONSO, SJ,
José. La Sagrada Escritura. Evangelios. Madrid: BAC, 1961, v.I, p.696.
6 GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Madrid:
Casulleras, 1930. v.III, p.244.
7 MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios – II
Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, p.616.
8 Idem, p.617.
9 TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada - II. Evangelios.
Madrid: BAC, 1964, p.857.
10 GOMÁ Y TOMÁS, op. cit., p.244.
11 DIDON. Jesus Christo. Porto: Chardron, 1895, v.II, p.320.
12 FLAVIO JOSEFO. La conquista de Jerusalén por los romanos. In:
Reportaje de la Historia. Barcelona: Planeta, 1968, v.I, p.131-132. Relatos
semelhantes ocupam as páginas 111 a 136.
13 SAN GREGORIO MAGNO. Obras completas. Madrid: BAC, 1958,
p.693-694.
14 TUYA, OP, op. cit., p.857.
15 SAN EFRÉN DE NISIBE, Comentario al Diatessaron,
14, 26-27. Apud: ODEN, Thomas C.; JUST, Arthur A. La biblia
comentada por los Padres de la Iglesia. Madrid: Ciudad Nueva, 2000, p.309.
16 Comentario al Evangelio de Lucas, 92, 12. Apud: Idem, p.310.
17 LEAL, SJ; PÁRAMO, SJ; ALONSO, SJ, op. cit., p.697.
18 L’Évangile médité. II. Paris- Lyon: Perisse, 1843, p.552.
19 TEOFILO, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO,
Catena áurea. IV. San Lucas.
Buenos Aires: Cursos de Cultura Católica, s/d, p.334-335.
20 GOMÁ Y TOMÁS, op. cit., p.245.
21 SAN GREGORIO MAGNO. Obras completas.
Madrid: BAC, 1958, p.694.
22 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I-II, q.18, a.4, ad.3.
23 SAN
AGUSTÍN, apud MALDONADO, SJ, op. cit., p.619.
24
DIDON, op. cit., p.321-322.
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