Tríduo Pascal

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Solenidade da Natividade de São João Batista (Missa da Vigília) – 24 de Junho

Comentários ao Evangelho da Solenidade da Natividade de São João Batista (Missa da Vigília) – 24 de Junho

5Nos dias de Herodes, rei da Judéia, vivia um sacerdote chamado Zacarias, do grupo de Abia. Sua esposa era descendente de Aarão e chamava-se Isabel. 6Ambos eram justos diante de Deus e obedeciam fielmente a todos os mandamentos e ordens do Senhor. 7Não tinham filhos, porque Isabel era estéril, e os dois já eram de idade avançada.
8Em certa ocasião, Zacarias estava exercendo as funções sacerdotais no Templo, pois era a vez do seu grupo. 9Conforme o costume dos sacerdotes, ele foi sorteado para entrar no Santuário, e fazer a oferta do incenso. 10Toda a assembleia do povo estava do lado de fora rezando, enquanto o incenso estava sendo oferecido. 11Então apareceu-lhe o anjo do Senhor, de pé, à direita do altar do incenso. 12Ao vê-lo, Zacarias ficou perturbado e o temor apoderou-se dele.
13Mas o anjo disse: “Não tenhas medo, Zacarias, porque Deus ouviu tua súplica. Tua esposa, Isabel, vai ter um filho, e tu lhe darás o nome de João. 14Tu ficarás alegre e feliz, e muita gente se alegrará com o nascimento do menino 15porque ele vai ser grande diante do Senhor. Não beberá vinho nem bebida fermentada e, desde o ventre materno, ficará repleto do Espírito Santo. 16Ele reconduzirá muitos do povo de Israel ao Senhor seu Deus.
17E há de caminhar à frente deles, com o espírito e o poder de Elias, a fim de converter os corações dos pais aos filhos, e os rebeldes à sabedoria dos justos, preparando para o Senhor um povo bem disposto”. Lc 1,5-17
Nos fatos que circundam a milagrosa concepção e o nascimento do Precursor, vemos a mão de Deus governando os acontecimentos, para sua maior glória.
A força da predestinação eterna
I – Predestinado desde toda a eternidade
Com a celebração da Missa da Vigília, a Santa Igreja inicia a Solenidade da Natividade de São João Batista, cuja figura ímpar mereceu ser elogiada pelos lábios do próprio Salvador: “entre os filhos das mulheres, não surgiu outro maior que João Batista” (Mt 11, 11). Ele é o único Santo — exceção feita de Nossa Senhora — que é comemorado no dia de sua partida para o Céu, a 29 de agosto, e sobretudo no de seu nascimento; privilégio este decorrente do fato de, já libertado das cadeias do pecado original no seio materno, ter vindo a este mundo adornado pela plena posse da graça santificante.1
Com efeito, ele foi idealizado por Deus, desde toda a eternidade, para ser um varão-píncaro que antecedesse o Homem-Deus na “plenitude dos tempos” (Gal 4, 4).
Deus nos concebeu desde todo o sempre

Cada um de nós possui a noção clara de ter vindo ao mundo pelo concurso de um pai e de uma mãe, a quem conhecemos
e amamos; muitas vezes, porém, nos esquecemos de que, antes de sermos gerados fisicamente por nossos pais, fomos concebidos e conhecidos por Deus a partir de um “momento” impossível de ser determinado, já que o foi desde todo o sempre. Nossa pobre inteligência não é capaz sequer de imaginar como é a mente divina, na qual não existe passado nem futuro, e tudo é presente.
Saídos das mãos de Deus, que cria diretamente cada alma, cabe-nos cultivar um relacionamento fortíssimo com Ele, sem o qual não vivemos, por sermos seres contingentes. Se não for assim, teremos as mesmas reações de uma criança abandonada que, embora goze de algumas alegrias, ignora a felicidade de pertencer a uma família. Por sua parte, longe de ser como uma mãe desnaturada que se desfaz do filho, Deus jamais nos desampara e quer estabelecer um estreito contato conosco, conforme lemos na Escritura: “Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, Eu não te esqueceria nunca” (Is 49, 15).
No nascimento de São João Batista, torna-se patente sua predestinação a uma altíssima missão, seguida de uma intensa proteção divina, como sublinham as leituras de ambas as Missas desta Solenidade — a da Vigília e a do Dia —, que narram o chamado do profeta Jeremias e o do profeta Isaías, perfeitamente aplicáveis ao Precursor: “Antes de de tua mãe, Eu te consagrei e te fiz profeta das nações” (Jr 1, 5); “o Senhor chamou-me antes de eu nascer; desde o ventre de minha mãe, Ele tinha na mente o meu nome” (Is 49, 1).
II – A perspectiva da fé
Na consideração dos episódios narrados pelo Evangelho desta Vigília, notamos uma peculiaridade que atrai de maneira especial nossa atenção: o modo pelo qual Deus realiza as obras grandiosas.
Fatos que mudaram a História da humanidade
Com efeito, desde a criação do homem e sua existência no Paraíso até o Juízo Final, nunca houve lance de maior importância e transcendência para a História da humanidade do que aquele que ali se dava. São João Batista, o maior dentre todos os nascidos de mulher, é gerado em mãe estéril e, além disso, quando seus pais já eram idosos; pormenores que conferem ao acontecimento um caráter inteiramente prodigioso. Já o anúncio de sua concepção e de seu nascimento dão-se dentro de um clima de mistério: Santa Isabel dá à luz assistida por Maria Virgem que, por sua vez, estava já no terceiro mês da gestação do Menino Jesus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade Encarnada.
O Precursor, entretanto, não veio ao mundo circundado de toda glória, esplendor e poder — dos quais goza agora na eternidade —, o que obrigaria a todos os que mais tarde o escutassem a crer em sua palavra. Ao contrário, quando deu início à sua missão ele se apresentou vestido de pele de camelo, gafanhotos eram seu alimento, e apresentava características sui generis que exigiam de seus contemporâneos um ato de fé. Assim sendo, todos esses fatos impressionantes se realizaram dentro das aparências da normalidade, no decorrer comum da vida, e apesar de terem sido muito comentados pelos parentes e vizinhos na ocasião, não parece que estes tenham compreendido a fundo a dimensão sobrenatural que encerravam.
Em nossos dias, graças à perspectiva e ao conhecimento que nos dão dois mil anos de Tradição da Igreja, podemos discernir com mais clareza os aspectos místicos, miraculosos e extraordinários de que estavam revestidos. Deles podemos obter uma preciosa lição, ao considerar que, quando intervém, muitas vezes Deus não revela toda a magnitude dos atos aos quais nos é dado assistir, para não acontecer que, saindo de nosso estado de prova aqui na Terra, passemos a viver da constatação, sem necessidade da fé, vindo a perder os méritos. E para que o justo viva pela fé (cf. Hab 2, 4), Ele permite que atravessemos os vales da aridez (cf. Sl 83, 7). Consideremos, pois, sob esse ponto de vista, os versículos escolhidos pela Liturgia para a Vigília desta Solenidade.
Deus recompensa a santidade de um casal
5 Nos dias de Herodes, rei da Judeia, vivia um sacerdote chamado Zacarias, do grupo de Abias. Sua esposa era descendente de Aarão e chamava-se Isabel. 6 Ambos eram justos diante de Deus e obedeciam fielmente a todos os mandamentos e ordens do Senhor.
Depois de situar no tempo a cena a ser narrada, o Evangelista descreve, em poucas palavras, os principais predicados de São Zacarias e de sua esposa Santa Isabel, dentre os quais se destaca o único que na verdade é essencial, por ser o que permanece para a eternidade: ser justo diante de Deus e obedecer fielmente a todos os mandamentos e ordens do Senhor. Acima de qualquer consideração humana, podemos concluir que o olhar de Deus, ao pousar sobre aqueles santos esposos, os tornou dignos de acolher o grande milagre que Ele Se propunha realizar, segundo comenta Santo Ambrósio: “Um é o olhar dos homens e outro o de Deus; os homens veem o rosto, Deus o coração. [...] O mérito perfeito está em ser justo diante de Deus”.2
A humilhação pública da esterilidade
7 Não tinham filhos, porque Isabel era estéril, e os dois já eram de idade avançada.
Semelhante a outras figuras célebres do Antigo Testamento, como Sara (cf. Gn 16, 1), Rebeca (cf. Gn 25, 21), Raquel (cf. Gn 29, 31), a esposa de Manué (cf. Jz 13, 2) ou Ana (cf. I Sm 1, 5), Isabel, tanto por natureza quanto pela já avançada idade, estava impossibilitada de ser mãe. Sua condição era, por isso, de máxima humilhação pública (cf. Lc 1, 25), porque naquele tempo — tão diferente de nossos dias, em que o fato de ter muitos filhos significa um desastre para certos pais —, a prole numerosa era sinal das bênçãos de Deus, e o contrário era considerado causa de vexame e indício de castigo do Céu.3 A mulher estéril era vista como uma espécie de pária na sociedade, em muitos casos tratada com desdém (cf. Gn 16, 4; I Sm 1, 6-7), o que aumentava o sofrimento do casal. Tal situação contribuiu para realçar mais a ação de Deus ao promover o milagre do nascimento de São João Batista, que os episódios posteriores iriam confirmar.
Eis mais um importante ponto a ser contemplado na Liturgia de hoje: ainda que estejamos diante dos obstáculos mais claros e patentes, a vontade de Deus sempre prevalece para realizar seus desígnios, pois para Ele nada é impossível (cf. Lc 1, 37).
Deus escolhe as cerimônias para se manifestar
8 Em certa ocasião, Zacarias estava exercendo as funções sacerdotais no Templo, pois era a vez do seu grupo. 9 Conforme o costume dos sacerdotes, ele foi sorteado para entrar no Santuário, e fazer a oferta do incenso. 10 Toda a assembleia do povo estava do lado de fora rezando, enquanto o incenso estava sendo oferecido.
Entre os sacerdotes era costume tirar à sorte, a fim de dividir as diversas funções de culto no Templo. Todos os dias, pela manhã e à tarde, um deles devia entrar no Sancta para oferecer o incenso a Deus sobre o altar dos perfumes, que ficava em frente ao Sancta sanctorum.4 Decerto os mais fervorosos experimentavam alguma ansiedade interior, desejando ser escolhidos, pois aquele era um momento no qual o ofertante se sentia assistido por graças e consolações especiais. No caso de Zacarias, vemos como Deus se serviu desse sistema de sorteio para que ele fosse agraciado e pudesse ser objeto da manifestação grandiosa que logo ocorreria.
Do átrio, separado pela cortina que ocultava o lugar santo, o povo acompanhava o ritual com preces, enquanto se formava uma linda nuvem de fumaça que escapava pelo véu, e a fragrância do incenso, usado em quantidade generosa, pervadia todo o ambiente. Os fiéis já sabiam, pela experiência, quanto tempo durava o cerimonial, que não era muito demorado. Contudo, desta vez ele se estendeu mais do que o habitual...
11 Então apareceu-lhe o Anjo do Senhor, de pé, à direita do altar do incenso.
Em vez de se comunicar por meio de um sonho ou de lhe aparecer em casa ou em outro lugar, o Anjo São Gabriel foi enviado a Zacarias para lhe transmitir a mensagem celeste no exato instante em que ele, glorificando a Deus, ia renovar as brasas e os aromas sobre a ara. Mostrava, deste modo, o valor que devemos dar ao altar do Senhor, a serviço do qual estava Zacarias, e o quanto uma cerimônia litúrgica é agradável a Deus. Colocou-se o Anjo à direita para dar maior realce e importância àquele acontecimento, pois se aparecesse à esquerda seria menos nobre e digno, e à frente voltaria as costas ao altar.
Neste ponto transparece também o prêmio reservado por Deus aos que d’Ele se aproximam, recolhendo-se e isolando-se na sua presença, em qualquer lugar apropriado, como uma capela ou a sós no seu quarto (cf. Mt 6, 6), com o intuito de louvá-Lo. Todas as vezes que tivermos uma necessidade, não devemos procurar a solução no esforço humano, mas, sim, na oração. Deus saberá entrar em contato conosco e falar de alguma forma em nosso interior, por meio de consolações ou até de fenômenos místicos extraordinários.
Um temor fruto do relaxamento
12 Ao vê-lo, Zacarias ficou perturbado e o temor apoderou-se dele.
A aparição repentina de um Anjo causava pavor no Antigo Testamento, pois, segundo a crença comum, era algo tão grandioso que anunciava a morte imediata de quem a presenciava (cf. Jz 6, 22-23; 13, 21-22), conforme comentamos em artigo anterior. Em Zacarias, porém, a perturbação e o temor demonstram que estava ele um tanto entibiado no desempenho de suas funções sacerdotais, e talvez tivesse esmorecido o “fervor de noviço” próprio aos principiantes no serviço do Senhor. Se ele estivesse no auge do entusiasmo, tal não aconteceria; pelo contrário, a visão ter-lhe-ia causado grande alegria. O homem tem medo do Anjo quando negligencia a contemplação do sobrenatural e se volta para a consideração concreta dos acontecimentos.
Sendo Zacarias da estirpe sacerdotal, estava preparado para executar esse cerimonial e, nas primeiras vezes que entrara para realizá-lo, com certeza sentira a responsabilidade tremenda de ser um mediador entre Deus e o povo. No entanto, aos poucos, arrastado pela grande tentação que muitas vezes assalta aqueles que são incumbidos do ministério sagrado, acostumara-se à rotina e, como conhecia de memória todos os detalhes do rito, cumpria seu encargo com uma atenção secundária, perdendo a compenetração da grandeza do ato que realizava. Preocupava-se talvez com os pequenos problemas da vida diária de seu tempo, levando-o, quiçá, a acelerar o cerimonial, no desejo de concluí-lo o quanto antes... Sua reação ao anúncio do Anjo, narrada nos versículos seguintes à passagem selecionada para esta Vigília, mostra a falta de fé por parte de Zacarias diante do panorama desvendado por São Gabriel (cf. Lc 1, 18), e confirma a possibilidade de seu entibiamento.
Vivemos em permanente contato com o mundo invisível
O exemplo de Zacarias abre diante de nossos olhos uma realidade que, com frequência, está ausente de nossas cogitações: acostumados a viver dentro dos estreitos parâmetros humanos, com facilidade nos esquecemos de que Deus não criou o universo fechado, de modo a constituirmos um mundo à parte em relação ao mundo invisível composto pelas criaturas espirituais. É bem o oposto. Estamos ininterruptamente circundados por Anjos bons e maus, os quais formam uma única sociedade com os homens. A doutrina católica nos ensina que os Anjos são numerosíssimos, a ponto de São Tomás,5 recolhendo a opinião de muitos Padres da Igreja, aplicar a parábola evangélica da ovelha que se perde, enquanto as outras noventa e nove permanecem no campo (cf. Mt 18, 12; Lc 15, 4-7), à proporção existente entre Anjos e homens. Cada homem, portanto, corresponderia a noventa e nove Anjos, o que significa um número incontável para nossa mente tão limitada.
Ora, tanto os Anjos, com suas boas inspirações, quanto os próprios demônios, através das tentações, exercem seu papel dentro do estado de prova em que nascemos, pois estamos nesta vida de passagem, para sermos experimentados e alcançar a glória da visão beatífica. Por causa disso devemos cuidar de nunca agir como se nossa existência transcorresse num plano meramente natural, mas manter o olhar voltado para os horizontes da fé, com a convicção plena de que a todo momento nos encontramos sob a influência dos Anjos ou dos demônios.
Assim preparados, quando algum fato sobrenatural acontecer em nossa vida, tomá-lo-emos com a naturalidade com a qual Maria Santíssima recebeu a visita de São Gabriel (cf. Lc 1, 26-38). Ela não teve medo da aparição angélica, e só temeu que sua humildade viesse a ser atingida se aceitasse o elogio do Arcanjo: “Ave, cheia de graça” (Lc 1, 28); por isso o Evangelho nos diz que “Maria ficou perturbada com essas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação” (Lc 1, 29).
Deus manifesta sua bondade
13 Mas o Anjo disse: “Não tenhas medo, Zacarias, porque Deus ouviu tua súplica. Tua esposa, Isabel, vai ter um filho, e tu lhe darás o nome de João”.
O “não tenhas medo” dirigido a Zacarias tem um sentido bem diverso daquele que mais tarde seria dito a Nossa Senhora (cf. Lc 1, 30). A ele, embora seu estado de alma não fosse o mais perfeito, como vimos, o Anjo tratou com extraordinária bondade, visando transmitir-lhe uma graça de Deus que o deixasse inteiramente tranquilo e sereno. A seguir, indicou-lhe que não havia motivos para recear, pois sua presença ali se devia a ter sido ele enviado para comunicar-lhe uma grande alegria: Deus ouvira sua súplica!
Sem dúvida, como cabia dentro de sua função sacerdotal, cada vez que era escolhido para o incensamento do altar dos perfumes ou para oferecer algum sacrifício, Zacarias orava intercedendo pelo povo e, segundo alguns autores,6 naquele momento em que o Anjo lhe apareceu, rogava ele de modo especial pela vinda do Messias. Outros, todavia, como Maldonado,7 interpretam que ele implorava a Deus que, ademais, tivesse piedade dele e de sua esposa, de maneira que Isabel pudesse ter um filho e ambos ficassem livres da humilhação.
Com que grau de fervor pedia Zacarias no instante em que foi ouvido? Podemos nos perguntar se Deus costuma atender as orações na hora em que o ardor atinge seu máximo ou quando este diminui. Por vezes acontece que, arrefecendo a devoção, Ele vem em nosso auxílio para não perdermos todos os méritos e para provar que Ele não se esquece de nós. Não obstante, devemos ser eximiamente fiéis em nossa vida de oração, mantendo o entusiasmo aceso e rezando com constância.
Deste trecho do Evangelho podemos inferir como Deus se apraz em escolher os fracos para realizar obras extraordinárias, a fim de deixar patente quem está agindo. No caso de São João Batista, a Providência permitiu que seus pais se encontrassem numa situação de aflição para que, pedindo com insistência, Deus tornasse manifesto seu poder e revestisse o nascimento do menino de um caráter místico, profético e grandioso, e reconhecessem ser ele fruto de uma ação divina e não das leis naturais. Se Isabel fosse mãe de muitos filhos talvez não houvesse marcado a História, fazendo parte do Evangelho.
Também para nós o ideal é colocarmo-nos nas mãos de Deus, numa posição de contingência e de inteira confiança, pois a solução de todos os problemas, sobretudo dos que parecem insolúveis, não virá de nossos esforços, mas da intervenção da Providência.
Um menino grande diante do Senhor
14 “Tu ficarás alegre e feliz, e muita gente se alegrará com o nascimento do menino, 15 porque ele vai ser grande diante do Senhor. Não beberá vinho nem bebida fermentada e, desde o ventre materno, ficará repleto do Espírito Santo. 16 Ele reconduzirá muitos do povo de Israel ao Senhor seu Deus. 17 E há de caminhar à frente deles, com o espírito e o poder de Elias, a fim de converter os corações dos pais aos filhos, e os rebeldes à sabedoria dos justos, preparando para o Senhor um povo bem disposto”.
A simples notícia do nascimento de um filho varão já infundia enorme alegria no casal. Entretanto, esse filho estava chamado para os mais altos desígnios. As palavras do Anjo, anunciando a especialíssima vocação e santidade de vida do menino, já continham esboçados os traços proféticos do Precursor, pois ele reconduziria muitos israelitas ao Senhor. Dentre suas grandiosas características, estaria a de possuir “o espírito e o poder de Elias”. Ou seja, o mesmo teor de graças, de espírito e de mentalidade do Profeta por excelência, seriam dados a João Batista, conferindo-lhe força para caminhar à frente do povo. “Ambos, com efeito, [Elias e João]” — comenta São Beda — “viveram celibatários; ambos vestiram-se rudemente; ambos passaram sua vida na solidão; ambos foram arautos da verdade; ambos padeceram perseguição do rei e da rainha por defender a justiça: aquele, de Acab e Jezabel; este, de Herodes e Herodíades; aquele, para não morrer nas mãos dos ímpios foi arrebatado ao Céu em um carro de fogo; este, para não ser vencido pelos ímpios no combate do espírito, foi chamado ao perfeito martírio pelo Reino dos Céus”.8
É de se perguntar por que São João Batista iria converter o coração dos pais aos filhos e não o dos filhos aos pais. Com a intenção de criar as condições favoráveis para a aceitação da chegada do Messias, o Precursor pregaria a vinda d’Ele com uma perspectiva muito diversa da que até então era considerada pelo povo eleito: uma doutrina nova, dotada de potência (cf. Mc 1, 27), dentro da qual as novas gerações nasceriam e, sob o influxo do Espírito Santo, seriam interiormente transformadas.
Os pais também poderiam receber essa influência da graça, desde que abandonassem os velhos conceitos errados e assimilassem os novos. Por isso teriam eles de converter seus corações em relação aos filhos.
III – O “filão eliático”
O fato de andar o menino à frente do povo “com o espírito e o poder de Elias” mostra com muita clareza a constituição de um filão ligando o Profeta por excelência ao Precursor do Messias, e unindo-os por uma missão análoga. Este “filão eliático”, que tem origem no modo de ser, na paciência, na humildade e no zelo pela causa de Deus, que caracterizavam Elias, bem podemos afirmar que se estende através dos varões providenciais, daqueles que, como João Batista, desempenham seu papel histórico “com o espírito e o poder de Elias”, e cruzam os tempos iluminando as lutas da Igreja ao longo dos séculos. Tais profetas são escolhidos e formados pela vontade divina para marcar os céus da História, de forma que a santidade, discernimento, força, definição, decisão, ímpeto, impacto e demais dons que ornam suas almas são privilégios concedidos por Deus, porque Ele o quer, no seu constante desejo de se comunicar com os homens.
Na convulsionada época em que vivemos, semelhante a uma noite profunda, devemos pedir a graça de que esse espírito de Elias volte a brilhar sobre o mundo e, tal como São João Batista anunciou a chegada do Salvador, seja para nós proclamado o triunfo de Maria e a fundação de uma nova e maravilhosa era histórica.
1) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.27, a.6.
2) SANTO AMBRÓSIO. Tratado sobre el Evangelio de San Lucas. L.I, n.18. In: Obras. Madrid: BAC, 1966, v.I, p.62-63.
3) Cf. TUYA, OP, Manuel de; SALGUERO, OP, José. Introducción a la Biblia. Madrid: BAC, 1967, v.II, p.318; RENIÉ, SM, Jules-Edouard. Manuel d’Écriture Sainte. Les Évangiles. 4.ed. Paris: Emmanuel Vitte, 1948, t.IV, p.258.
4) Cf. LAGRANGE, OP, Marie-Joseph. Évangile selon Saint Luc. 4.ed. Paris: J. Gabalda, 1927, p.12-13; RENIÉ, op. cit., p.227-228; 258.
5) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., I, q.50, a.3; Super Matthæum. C.XVIII, lect.2; Catena Aurea. In Lucam, c.XV, v.1-7.
6) Cf. RENIÉ, op. cit., p.258-259; LAGRANGE, op. cit., p.15, nota 13.
7) Cf. MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios. Evangelios de San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, v.II, p.269-271.
8) SÃO BEDA. Homilías sobre los Evangelios, 2, 23, apud ODEN, Thomas C.; JUST, Arthur A. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia. Evangelio según San Lucas. Madrid: Ciudad Nueva, 2000, v.III, p.50.


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