Comentários ao Evangelho V Domingo da
Quaresma – Ano A
4Ouvindo isto, Jesus disse: “Esta doença
não leva à morte; ela serve para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja
glorificado por ela”.
5Jesus era muito amigo de Marta, de sua
irmã Maria e de Lázaro. 6Quando ouviu que este estava doente, Jesus ficou ainda
dois dias no lugar onde se encontrava. 7Então, disse aos discípulos: “Vamos de
novo à Judeia”.
17Quando Jesus chegou, encontrou Lázaro
sepultado havia quatro dias. 20Quando Marta soube que Jesus tinha chegado, foi
ao encontro dele. Maria ficou sentada em casa. 21Então Marta disse a Jesus:
“Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. 22Mas mesmo assim,
eu sei que o que pedires a Deus, ele te concederá”.
23Respondeu-lhe Jesus: “Teu irmão
ressuscitará”.
24Disse Marta: “Eu sei que ele ressuscitará
na ressurreição, no último dia”.
25Então Jesus disse: “Eu sou a ressurreição
e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. 26E todo aquele que vive e
crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?”
27Respondeu ela: “Sim, Senhor, eu creio
firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo”
33bJesus ficou profundamente comovido 34e
perguntou: “Onde o colocastes?”
Responderam: “Vem ver, Senhor”. 35E Jesus
chorou. 36Então os judeus disseram: “Vede como ele o amava!”
37Alguns deles, porém, diziam: “Este, que
abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito com que Lázaro não
morresse?”
38De novo, Jesus ficou interiormente
comovido. Chegou ao túmulo. Era uma caverna, fechada com uma pedra. 39Disse
Jesus: “Tirai a pedra!”
Marta, a irmã do morto, interveio: “Senhor,
já cheira mal. Está morto há quatro dias”.
40Jesus lhe respondeu: “Não te disse que,
se creres, verás a glória de Deus?”
41Tiraram então a pedra. Jesus levantou os
olhos para o alto e disse: “Pai, eu te dou graças porque me ouviste. 42Eu sei
que sempre me escutas. Mas digo isto por causa do povo que me rodeia, para que
creia que tu me enviaste”.
43Tendo dito isso, exclamou com voz forte:
“Lázaro, vem para fora!”
44O morto saiu, atado de mãos e pés com os
lençóis mortuários e o rosto coberto com um pano. Então Jesus lhes disse:
“Desatai-o e deixai-o caminhar!”
45Então, muitos dos judeus que tinham ido à
casa de Maria e viram o que Jesus fizera, creram nele (Jo 11, 1-45).
O grande amor de Jesus àquela família de Betânia tornava
incompreensível sua aparente indiferença perante a enfermidade de Lázaro. Mas
quando Deus tarda em intervir é por razões mais altas e porque certamente nos
dará com superabundância.
I - PRESSUPOSTOS
O porquê dos
milagres
Ao
conceder a um taumaturgo a faculdade de realizar milagres - explica São Tomás -
Deus tem por objetivo "confirmar a verdade por este ensinada" (1). O
motivo principal se encontra na fé, pois a razão humana não tem suficiente
altura para acompanhar os horizontes dessa virtude, e por isso muitas vezes é
necessário serem as afirmações de caráter sobrenatural confirmadas pelo poder
de Deus. Esses atos que excedem as forças da natureza propiciam uma acrescida
facilidade em crer na procedência divina de tudo quanto é transmitido a
respeito de Deus.
Ademais,
através dos milagres, torna- se patente a presença de Deus no taumaturgo.
Ora,
era indispensável ficar claro aos olhos de todos que a doutrina proclamada por
Jesus procedia do próprio Deus e, muito mais ainda, proporcionar a cada um boas
provas para crerem na união hipostática das duas naturezas, divina e humana,
numa só Pessoa. Justamente em face dessa luminosa, magna e fundamental
impostação se projeta a narração do Evangelho de hoje.
Prova da
divindade de Jesus
São
João escreveu seus vinte e um capítulos com a preocupação de tornar
demonstradas pelos fatos tanto a origem divina da doutrina de Jesus quanto a
onipotência de sua Pessoa. E, conforme nos explica São Tomás, os milagres
operados pelo Redentor são prova de sua divindade:
“Em
primeiro lugar, por sua espécie. De fato, transcendiam todo o poder criado e não
poderiam ser feitos senão por um poder divino. […] Em segundo lugar, pelo modo
como foram feitos. Cristo fazia os milagres por um poder próprio, não orando,
como outros fizeram”. (2).
Além
de encontrarmos elevados aspectos sobrenaturais através dos quais melhor
conhecemos o Salvador em suas duas naturezas, e, assim, mais podemos amá-Lo,
nesta narração de São João se confirma seu estro literário. Ela é bela,
atraente e comovedora, constituindo-se como única em seu gênero. Consagra
historicamente os preciosos detalhes do mais importante milagre de Jesus, que
Lhe conferiu uma grande glória - levando à crença um bom número de judeus - e,
ao mesmo tempo, produziu o máximo grau de ódio nos seus inimigos, a ponto de
apressá-los em seus intentos deicidas. Este episódio tão pervadido de pulcritude
divina e humana será a causa imediata da fúria do Sinédrio e conseqüente
determinação da morte de Jesus.
A
pluma do Evangelista percorre o pergaminho, confirmando em cada versículo o
agudo senso de observação do escritor, como também tornando patente ter sido
ele uma exímia testemunha ocular, digna de fé, de todo o ocorrido. Quem poderia
compor ou imaginar os minuciosos pormenores de veracidade transparente, como,
por exemplo, as palavras, a emoção e as próprias lágrimas do Filho de Deus
feito Homem, que fluem com leveza da escrita do Autor Sagrado? É escrupulosa
sua fidelidade na transmissão da realidade que pode ser dividida em três partes
distintas: o retorno de Jesus a Betânia, o encontro e a conversa com Marta e
Maria, e a ressurreição de Lázaro.
II - ANÁLISE DO
EVANGELHO
O retorno de
Jesus a Betânia
Naquele tempo, 1 havia
um doente, Lázaro, que era de Betânia, o povoado de Maria e de
Marta, sua irmã. 2 Maria era aquela que ungira o Senhor com
perfume e enxugara os pés com seus cabelos. O irmão dela,
Lázaro, é que estava doente. 3 As irmãs mandaram então dizer a
Jesus: “Senhor, aquele que amas está doente”. 4 Ouvindo
isto, Jesus disse: “Esta doença não leva à morte; ela serve para
a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja
glorificado por ela”. 5 Jesus era muito amigo de Marta, de sua irmã
Maria e de Lázaro. 6 Quando ouviu que este estava doente,
Jesus ficou ainda dois dias no lugar onde Se encontrava. 7 Então,
disse aos discípulos: “Vamos de novo à Judeia”. 8 Os
discípulos disseram-Lhe: “Mestre, ainda há pouco os judeus queriam
apedrejar-Te, e agora vais outra vez para lá?” 9 Jesus
respondeu: “O dia não tem doze horas? Se alguém caminha de dia,
não tropeça, porque vê a luz deste
mundo. 10 Mas se alguém
caminha de noite, tropeça, porque lhe falta a luz”.
Para
tornar bem claro quem era o enfermo em questão, São João o apresenta como sendo
o irmão de Marta e Maria. Ressalta a figura desta última por se tratar de uma
pessoa muito conhecida e comentada em toda Israel, devido à sua impressionante
conversão e seu belíssimo ato de arrependimento em casa de Simão, o fariseu
(3). É interessante notar o acerto do nome "Lázaro" que significa:
"ajudado", ou, "Deus socorreu".
Fazia
muito que Jesus pregava na região da Peréia, à distância de uma jornada de
Betânia. Com enorme solicitude e carinho por Lázaro, tal qual costumam ser as
irmãs quando de boa índole, Marta e Maria enviam um mensageiro para avisá-lo do
estado de saúde do irmão.
Transparece
na atitude de ambas um profundo espírito de fé na onipotência do Salvador e, ao
mesmo tempo, uma nobre e fraternal dedicação. Tanto mais que a mensagem não era
só informativa mas, com enorme polidez, ela continha uma súplica. A fórmula
empregada nada tem a ver com a lógica argumentação do centurião romano para
obter a cura de seu servo; mais se aproxima ela, em sua essência, da atitude da
Virgem Maria nas Bodas de Caná: "Senhor, aquele que amas está doente"
(v. 3). Segundo Santo Agostinho, esta simples frase contém uma profunda verdade
de fé: Deus jamais abandona aquele a quem ama. Elas não imploram nem pedem
explicitamente a cura, quer pudesse ser ela operada de perto, ou de longe;
era-Lhe suficiente conhecer o estado de seu amado para, por um simples desejo
seu, tornar efetivo o milagre.
E,
de fato, é o que teria acontecido se Jesus não tivesse querido se aproveitar do
pretexto da morte de seu amigo “para a glória de Deus, para que o Filho de Deus
seja glorificado por ela”, conforme Ele próprio o afirma.
Grande
perplexidade devem ter tido ambas, ao receberem a resposta do Senhor, dois dias
depois do falecimento de Lázaro devem ter tido ambas, ao receberem a resposta
do Senhor, dois dias depois do falecimento de Lázaro: "Esta doença não leva
à morte..." . Maior aflição ainda deveu-se ao fato de Jesus não se ter
movido para se encontrar com o amigo nem com suas irmãs.
Essa
é bem a provação pela qual passam as almas aflitas que imploram a intervenção
de Deus e julgam não serem atendidas, devido à demora ou a uma aparente inércia
da parte do Céu. Quão benfazeja é esta passagem para nos convencer a jamais
descrermos da onipotência da oração perfeita! Quando Deus tarda em intervir é
por razões mais altas e porque certamente nos dará com superabundância. E aí
está o procedimento de Jesus para com aqueles aos quais ama: “Jesus era muito
amigo de Marta, de sua irmã Maria e de Lázaro”. O grande amor de Jesus àquela
família tornava ainda mais incompreensível sua como que indiferença, pois,
"tendo ouvido que Lázaro estava doente, ficou ainda dois dias no lugar onde
se encontrava".
Que
grande voo de espírito era necessário para seguir o Divino Mestre diante da
incompreensibilidade de suas atitudes! Nenhum dos dois lados chegava a atinar
com o alcance da meta política do Salvador. As irmãs deviam estar desmontadas
em suas esperanças, acompanhando do lado de fora do sepulcro a lenta mas
progressiva decomposição do corpo de seu irmão. Os Apóstolos, por sua vez, não
podiam entender o porquê da ida de Nosso Senhor à Judéia. Já havia curado tantos
necessitados à distância, qual a razão de penetrar numa terra onde era
perseguido de morte? E só por causa de um enfermo? " “Mestre,
ainda há pouco os judeus queriam apedrejar-Te, e agora vais outra vez para lá?”,
diziam eles. Não seria melhor operar o milagre à distância?
A
perspectiva psicossocial na qual os discípulos procuravam delinear a figura do
Messias era essencialmente diferente da realidade que se desenrolava diante dos
olhos de todos. Neles se encontrava uma constante do espírito humano, a de
querer reduzir as ações de Deus às proporções de nossa mentalidade e até mesmo
de nossos desejos, sentimentos e emoções. Ora, os princípios pelos quais Deus
se move sempre são infinitamente superiores aos atinentes às meras criaturas,
por isso nada melhor do que nos abandonarmos aos desígnios e ao beneplácito de
sua vontade, nunc et semper.
Segundo
nossos critérios, talvez fosse preferível que Jesus expusesse seu plano com
total clareza aos Apóstolos para assim retornarem à Judéia com maior confiança,
paz e decisão. Pelo contrário, Jesus lhes responde com uma parábola: durante as
doze horas do dia, pode-se caminhar sem tropeço, diz Nosso Senhor, bem ao
contrário das outras doze da noite. Tratava-se de uma afirmação óbvia, mas
trazendo em suas entrelinhas algum significado mais profundo, ou seja, não
havia chegado ainda o momento de sua Paixão, portanto não era de se temer
nenhum mal. Assim, de forma didática e suave, ia instruindo os Apóstolos sobre
os passos a serem dados, exercitando- os na plena confiança que deveriam
devotar a seu Divino Mestre.
11 Depois acrescentou: “O nosso amigo Lázaro dorme. Mas
Eu vou acordá-lo”. 12 Os discípulos disseram: “Senhor, se ele
dorme, vai ficar bom”. 13 Jesus falava da morte de Lázaro, mas
os
discípulos pensaram que falasse do sono mesmo. 14 Então Jesus
disse abertamente: “Lázaro está morto. 15 Mas por causa de vós,
alegro-Me por não ter estado lá, para que creiais. Mas vamos
para
junto dele”. 16 Então Tomé, cujo nome significa Gêmeo, disse aos
companheiros: “Vamos nós também para morrermos com Ele”.
Porém,
ao acrescentar: "Nosso amigo, Lázaro, dorme; mas vou despertá-lo" (v.
11), deu aos Apóstolos nova esperança de não ser necessário retornar à Judéia
pois, segundo a forte experiência da época, a retomada do sono ao longo de uma
enfermidade grave era indício de boa convalescença, e por isso exclamam:
"Senhor, se ele dorme, vai ficar bom".
Diante
dessa situação era indispensável falar-lhes às claras, revelando-lhes a morte
de Lázaro. Só este particular já seria suficiente para melhor crerem nas
propostas de Jesus, pois até aquele instante, ninguém ali sabia do falecimento
de Lázaro, que Ele lhes comunica com toda segurança. E ademais, aproveita para
estimular a confiança dos Apóstolos, manifestando sua alegria pelo fato de eles
não terem estado em Betânia durante a enfermidade de Lázaro, pois, nesse caso,
Jesus se veria na contingência de curá-lo antes de sua morte, diminuindo,
assim, a grandeza do milagre da ressurreição que iria operar.
Vê-se
pela narração o quanto os próprios Apóstolos estavam sendo formados na fé,
passo a passo, através dos milagres, conforme Ele mesmo afirma: "para que
acrediteis" (v. 15). Jesus iria selar o término de sua vida pública - os
últimos momentos das doze horas do dia - com o mais portentoso milagre. Ele a
iniciara com a transformação da água no melhor dos vinhos, em Caná, e agora,
antes do anoitecer, traria à vida um morto já em franca decomposição. Nessa
ocasião, o mais débil - São Tomé - solta o gemido que estava no fundo da alma
de todos: "Vamos nós também, para morrer com Ele" (v. 16). O Espírito
Santo ainda não os confirmara na vocação e o instinto de conservação disputava
com as virtudes no interior de cada um.
Encontro com
Marta e Maria (vv. 17-37)
17 Quando
Jesus chegou, encontrou Lázaro sepultado havia
quatro
dias. 18 Betânia ficava a uns três quilômetros de Jerusalém.
19 Muitos
judeus tinham vindo à casa de Marta e Maria para as
consolar
por causa do irmão. 20 Quando Marta soube que Jesus
tinha
chegado, foi ao encontro d’Ele. Maria ficou sentada em
casa. 21
Então Marta disse a Jesus: “Senhor, se tivesses estado
aqui,
meu irmão não teria morrido. 22 Mas mesmo assim eu sei
que o que pedires a Deus, Ele To concederá”.
Betânia,
segundo a própria narração (v. 18), ficava a menos de 3 km de distância de
Jerusalém. Essa propriedade pertencente à família de Lázaro havia sido
utilizada por Jesus com freqüência, quase todas as vezes que devia ir a
Jerusalém, não só por sua proximidade, mas até mesmo pelo conforto. Essa é
também a razão de ali se encontrarem muitos judeus (v. 19). O luto era
observado ao longo de sete dias, sendo os três primeiros reservados para o
pranto e os quatro outros para receber as visitas de pêsames. O costume
rabínico era estrito e rigoroso, comportando até mesmo o jejum (I Sam 31, 13),
em meio às lágrimas (Gen 50, 10). Em essência, ao retornar do enterro - que,
aliás, devia ser no próprio dia do falecimento - o ritual ordenava cobrir a
cabeça e sentar-se ao chão com os pés descalços. As visitas não pronunciavam
nenhuma palavra, pois essa iniciativa cabia somente aos parentes dos falecidos.
O convívio, nessas circunstâncias, era silencioso.
Assim
permaneceu Maria, por não ter ideia da chegada de Jesus à aldeia, enquanto
Marta foi ao seu encontro (v. 20) a fim de Lhe noticiar todo o ocorrido. Uma
vez mais os fatos nos revelam as características próprias a cada uma das duas
irmãs. Marta é mais dada à administração, às relações sociais, etc., e Maria
mais ao fervor amoroso. Por isso Marta não avisa sua irmã, pois seria
impossível retê-la junto às visitas enquanto se desenrolasse seu diálogo com o
Mestre. Aliás, esse diálogo não poderia ter transcorrido com maior ternura e
delicadeza. Não há a menor sombra de queixa da parte de Marta ao afirmar:
"Senhor, se estivesses cá, meu irmão não teria morrido" (v. 21), pelo
contrário, trata-se da manifestação de um pesaroso sentimento feito de
confiança no poder de Jesus.
Maria,
por sua vez, repetirá exatamente essa mesma frase (v. 32), permitindo- nos
perceber o teor das conversas havidas entre ambas naqueles últimos dias.
Entretanto,
a fé de uma e outra ainda não havia atingido sua plenitude, pois não podiam
imaginar o grande milagre que iria ser operado por Jesus. Marta não tem noção
do poder absoluto de Jesus, e daí o condicionar as ações do Divino Mestre aos
pedidos que Ele faça a Deus (v. 22): "Tudo o que pedires a Deus, Deus to
concederá".
23 Respondeu-lhe
Jesus: “Teu irmão ressuscitará”. 24 Disse Marta:
“Eu
sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia”.
25 Então
Jesus disse: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê
em
Mim, mesmo que morra, viverá. 26 E todo aquele que vive e
crê em
Mim, não morrerá jamais. Crês isto?” 27 Respondeu ela:
“Sim,
Senhor, eu creio firmemente que Tu és o Messias, o Filho
de Deus, que devia vir ao mundo”.
Marta
externa sua firme crença na ressurreição final e nessa ocasião espera rever seu
irmão em corpo e alma (v. 24), sem jamais imaginar a possibilidade de
reencontrá-lo naquele mesmo dia. Jesus, o Divino Didata, vê chegado o momento
de proferir uma das mais belas afirmações do Evangelho. Em outros trechos Ele
terá revelado: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14, 6);
"Eu sou a luz do mundo" (Jo 8, 12); "Eu sou o pão da vida"
(Jo 6, 35), mas nenhuma atinge a altura teológica desta, em questão: "Eu
sou a Ressurreição e a Vida; aquele que crê em Mim, ainda que esteja morto,
viverá; 26 e todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá eternamente"
(vv. 25-26). E com uma paternalidade comovedora pergunta a Marta: "Crês
nisto?", para movê-la a um ato explícito de fé e fazê-la crescer em
méritos.
28 Depois de ter dito isto, ela foi chamar a sua irmã, Maria,
dizendo baixinho: “O Mestre está aí e te chama”. 29 Quando Maria ouviu isso, levantou-se
depressa e foi ao encontro de Jesus. 30 Jesus estava ainda fora do povoado, no
mesmo lugar onde Marta se tinha encontrado com Ele. 31 Os judeus que estavam em
casa consolando-a, quando a viram levantar-se depressa e sair, foram atrás
dela, pensando que fosse ao túmulo para ali chorar. 32 Indo para o lugar onde
estava Jesus, quando O viu, caiu de joelhos diante d’Ele e disse-Lhe: “Senhor,
se tivesses estado aqui, o meu
irmão não teria morrido”. 33 Quando Jesus a viu chorar, e também
os que estavam com ela, estremeceu interiormente, ficou profundamente comovido,
34 e perguntou: “Onde o colocastes?” Responderam: “Vem ver, Senhor”. 35 E Jesus
chorou. 36 Então os judeus disseram: “Vede como Ele o amava!” 37 Alguns deles,
porém, diziam: “Este, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito
com que Lázaro não morresse?”
O
diálogo dera seus melhores frutos, era necessário consolar a outra irmã. Marta
a avisa "em segredo" (v. 28) que o Mestre chegara. Conforme seu
temperamento arrojado, saiu a toda pressa para encontrá-Lo. Seu gesto levou
todos os visitantes a imitá-la; imaginando que ela iria chorar junto ao túmulo,
seguiram-na (vv. 29-31).
Especialmente
digna de nota é a cena de seu encontro com Jesus. Marta era mais controlada em
suas emoções, determinada em seus objetivos e, portanto, capaz de expor em
palavras todos os seus sentimentos. Maria, bem diferente de sua irmã, tem
arroubos de fervor sensível pelo Mestre, seu amor não conhece fronteiras e nem
permite ser freado em suas manifestações, sua alma realmente seráfica a leva a
lançar-se aos pés de Jesus, e o máximo que consegue exprimir é sua dor, em
breves termos. De resto era chorar, soluçar, e com tal substância que todos se
viram tocados por sua reação, acompanhando- a no pranto (vv. 32-33).
Maria
era tão carismática em sua fé, no ardor de seus desejos e na comunicação de sua
benquerença por Jesus, que Ele próprio "comoveu-Se profundamente e
perturbou-Se" (v. 33). Bem dizia Lacordaire: "L´intelligence ne fait
que parler; c´est l´amour qui chante!" Nossas palavras podem convencer,
mas nosso amor poderá até mesmo tocar o Sagrado Coração de Jesus. Quão humano,
sem deixar de ser divino, Ele se mostra nessa ocasião, sobretudo ao derramar,
também Ele, suas preciosíssimas lágrimas, santificando, assim, as lágrimas
roladas de todos os corações sofredores por amor a Deus, ou arrependidos de
suas faltas.
Era
essa a maior prova de amor externada pelo Salvador, até aquele instante, em
relação ao seu amigo Lázaro.
Sempre
"pedra de escândalo", os campos se dividem em vista de suas lágrimas.
Alguns são tomados de admiração, outros O recriminam por ter deixado morrer
Lázaro. Hipocrisia pura, segundo autores clássicos, pois se põem a julgar Jesus
antes mesmo de qualquer ação sua. Esse é o efeito de uma antipatia
preconcebida, radicada, talvez, no vício da inveja (vv.
36-37).
Ressurreição de
Lázaro
38 De
novo, Jesus ficou interiormente comovido. Chegou ao
túmulo.
Era uma caverna, fechada com uma pedra. 39 Disse Jesus:
“Tirai
a pedra!” Marta, a irmã do morto, interveio: “Senhor, já
cheira
mal. Está morto há quatro dias”. 40 Jesus lhe respondeu:
“Não
te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” 41 Tiraram
então
a pedra. Jesus levantou os olhos para o alto e disse: “Pai,
Eu Te
dou graças porque Me ouviste. 42 Eu sei que sempre Me
escutas.
Mas digo isto por causa do povo que Me rodeia, para
que
creia que Tu Me enviaste”. 43 Tendo dito isso, exclamou com
voz
forte: “Lázaro, vem para fora!” 44 O morto saiu, atado de
mãos e
pés com os lençóis mortuários e o rosto coberto com um
pano.
Então Jesus lhes disse: “Desatai-o e deixai-o caminhar”. 45 Então, muitos dos judeus
que tinham ido à casa de Maria e viram o que Jesus fizera, creram n’Ele.
Diferentemente
de outros túmulos, este de Lázaro era escavado em rocha não no sentido
horizontal, mas sim, no chão e verticalmente. Para se chegar ao local onde
haviam depositado o corpo de Lázaro, precisava-se descer um bom número de
degraus. Ao redor do sepulcro, estavam todos em forte expectativa, pois os
antecedentes prognosticavam um portentoso acontecimento.
Com
magna autoridade, Jesus ordena, para espanto dos circunstantes: "Tirai a
pedra" . Marta, sempre criteriosa, não resiste em ponderar que o cadáver
já estaria em decomposição depois de quatro dias. "Senhor, ele já cheira
mal..." (v. 39). Magistral a resposta de Jesus: "Não te disse que, se
creres, verás a glória de Deus?" (v. 40).
Belíssima
oração de Nosso Senhor, com o túmulo já aberto, o mau odor ferindo as narinas
dos presentes, a atenção não poderia ser mais intensa. Ele reza não por
necessidade, "mas falei assim por causa do povo que está em volta de Mim,
para que acreditem que Tu me enviaste".
Por
um simples desejo seu, a lápide teria voltado ao nada e Lázaro surgiria à porta
do sepulcro, rejuvenescido, limpíssimo e perfumado. Era, porém, conveniente
constar aos olhos de todos a potência de suas ordens: "bradou em voz
forte: "Lázaro, sai para fora!"
Dois
portentosos milagres se operam, não só o da pura ressurreição. Lázaro estava
atado da cabeça aos pés, impedido de caminhar; entretanto, subiu pela escada
que dava acesso à entrada do túmulo, estando até mesmo com um sudário ao rosto.
Imaginemos a impressionante cena de um defunto subindo degrau por degrau, sem
liberdade de movimentos e sem enxergar, mas já respirando com visíveis sinais
de vida.
“Desatai-o
e deixai-o caminhar” é a última voz de comando do Divino Taumaturgo.
Nada
mais relata o Evangelista; nenhuma palavra a respeito de Lázaro ou das
manifestações de alegria de suas irmãs; somente a conversão de "muitos dos
judeus que tinham ido visitar Maria e Marta" (v. 45).
Escapa
à Liturgia de hoje a traição de alguns que, certamente indignados, "foram
ter com os fariseus" (v. 46) levando o Sinédrio a decretar sua morte (v.
53), matéria esta considerada com quanta profundidade ao longo da Semana Santa.
III - CONCLUSÃO:
UM CONVITE À CONFIANÇA
Aí
está o poder de Cristo manifestado em pleno esplendor para alimentar-nos em
nossa fé. Esta Liturgia nos convida a uma confiança maior que a do centurião
romano; ou seja, é preciso crer em Jesus com um ardor Marial. Se a Santíssima
Virgem estivesse ao lado das irmãs, certamente - além de lhes aconselhar a
aguardarem com paz de alma a chegada de seu Divino Filho - recomendaria a ambas
que procurassem fazer "tudo o que Ele vos disser" (Jo 2, 5). Por
maior que sejam os dramas ou aflições em nossa existência, sigamos o exemplo e
a orientação de Maria, crendo na onipotência de Jesus, compenetrados das
palavras de São Paulo: “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam
a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios” (Rm 8, 28).
1 )
Suma Teológica III, q 43 a 1.
2 )
Suma Teológica, III q 43, a 4.
3 )
Cf. Lc 7, 37-50.
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