Comentários ao Evangelho Solenidade de Pentecostes (Missa
do Dia)
19 Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando
fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam,
Jesus entrou e, pondo-Se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. 20
Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se
alegraram por verem o Senhor. 21 Novamente, Jesus disse: “A paz esteja
convosco. Como o Pai Me enviou, também Eu vos envio”. 22 E depois de ter dito
isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23 A quem
perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes eles
lhes serão retidos” (Jo 20, 19-23).
I - A IGREJA POR OCASIÃO DE PENTECOSTES
Como
outras tantas festas litúrgicas, Pentecostes nos faz recordar um dos grandes
mistérios da fundação da Igreja por Jesus. Encontrava-se ela em estado ainda
quase embrionário - alegoricamente, poder-se-ia compará-la a uma menina de
tenra idade - reunida em torno da Mãe de Cristo. Ali no Cenáculo, conforme nos
descrevem os Atos dos Apóstolos na primeira leitura, passaram-se fenômenos
místicos de excelsa magnitude, acompanhados de manifestações sensíveis de ordem
natural: ruído como de um vento impetuoso, línguas de fogo, os discípulos
exprimindo-se em línguas diversas sem tê-las antes aprendido. A alta
significação simbólica do conjunto desses acontecimentos, como de cada um em
particular, constituiu matéria para inúmeros e substanciosos comentários de
exegetas e teólogos de grande valor, como se torna claro por anteriores
observações feitas por nós em artigo publicado em 2002 (1). Hoje, cabe-nos
ressaltar outros aspectos de não menor importância correlacionados com a
narração feita por São Lucas (At 2, 1-11), para assim melhor entender o
Evangelho em questão e, portanto, a própria festividade de Pentecostes.
Enquanto
figura exponencial, destaca- se Maria Santíssima, predestinada desde toda a
eternidade a ser Mãe de Deus. Dir-se-ia que havia atingido a plenitude máxima
de todas as graças e dons, entretanto, em Pentecostes, mais e mais Lhe seria
concedido. Assim como fora eleita para o insuperável dom da maternidade divina,
cabia-Lhe o tornar-se Mãe do Corpo Místico de Cristo e, tal qual se deu na
Encarnação do Verbo, desceu sobre Ela o Espírito Santo, por meio de uma nova e
riquíssima efusão de graças, a fim de adorná-La com virtudes e dons próprios e
proclamá-La "Mãe da Igreja".
Em seguida estão os Apóstolos; constituem eles a primeira escola
de arautos do Evangelho. Observavam as condições essenciais para estarem aptos
à alta missão que lhes destinara o Divino Mestre, conforme nos relata a
Escritura: "Todos estes perseveraram
unanimemente em oração, com algumas mulheres e com Maria, Mãe de Jesus, e com
os seus irmãos" (At 1, 14).
Essa
perseverança na oração se realizou de forma continuada e no silêncio, na
solidão e clausura do Cenáculo. A atmosfera era de máxima concórdia, harmonia e
união entre todos, de verdadeira caridade fraterna. São Lucas em seu relato faz
questão de realçar a presença de Maria, certamente para tornar patente o quanto
Ela mesma se alegrava em ser uma fiel participante da Comunidade. Uma nota
marcante é a submissão e obediência ao Vigário de Cristo tal qual transparece
nos versículos subseqüentes, ao relatarem o primeiro ato de governo e
jurisdição de São Pedro (At 1, 15-22).
Em
síntese, a verdadeira eficácia do apostolado está aí evidenciada, sob o manto
da Santíssima Virgem, na união efetiva e afetiva de todos com a Pedra sobre a
qual Cristo edificou sua Igreja.
Esse
grande acontecimento foi precedido não só dos dez dias de oração contínua, mas
também de muitos outros momentos de recolhimento. O trauma havido por ocasião
da dramática Paixão do Salvador exigia horas e horas de isolamento e reflexão.
Ademais, o temor de novas perseguições e traições impunha-lhes prudência, além
do abandono das atividades comuns do apostolado anterior.
Curiosamente,
em geral, Cristo Ressurrecto escolhia oportunidades como essas - de reflexão e
compenetração da parte de todos - para lhes aparecer, assim como o Espírito
Santo para lhes infundir seus dons. Esta é uma importante lição que a Liturgia
de hoje nos oferece: a verdadeira eficácia da ação encontra-se na contemplação.
O próprio Apóstolo por excelência, que chegou a exclamar: Vae enim mihi est, si
non evangelizavero! - "Ai de mim se eu não evangelizar!" (I Cor 9,
16), passou um longo período de oração no deserto a fim de preparar-se para a
pregação.
Quem
toma o trabalho de analisar passo a passo as atividades de um varão zeloso e
apostólico pode vir a equivocar- se julgando serem elas puro fruto de sua
personalidade empreendedora, ou de seu caráter dinâmico, ou até mesmo de sua
constituição psicofísica. São numerosos os homens operantes e profícuos que
arrancam de seu ser o inimaginável. Onde se encontram, de fato, as energias
empregadas por esses leões da fé e da eficiência? Mais ainda poderíamos nos
perguntar: como conseguem eles, em meio à avalanche de atividades, conservar um
coração brando e suave no trato com os outros?
Lembremo-nos do conselho dado por São Bernardo de Claraval ao
papa da época, Eugênio III: "Temo que em meio de tuas
inumeráveis ocupações te desesperes de não poder levá-las a cabo e se endureça
tua alma. Obrarias com cordura abandonando-as por algum tempo para que elas não
te dominem nem te arrastem para onde não quiseras chegar. Talvez me perguntes:
‘Aonde?' (...) Ao endurecimento do coração. Aí vês para onde te podem arrastar
essas ocupações malditas se continuas entregando- te a elas totalmente, como
até agora, sem reservar nada para ti" (2).
Trata-se de um Doutor da Igreja aconselhando o Doce Cristo na
terra daqueles tempos, no exercício da mais alta função: o governo dessa
instituição divina. Pois bem, segundo seu parecer, tão elevadas ocupações, sem
o auxílio da vida interior, são malditas. Essa sempre foi a postura de alma dos
santos, espiritualistas e Padres da Igreja. Santo Agostinho afirma, por
exemplo: "Todo apóstolo, antes de
soltar a língua, deve elevar a Deus com avidez sua alma, para exalar o que
deva, e distribuir sua plenitude" (3).
Feitas
essas considerações emergentes da primeira leitura (At 2, 1-11) encontramo-nos
mais aptos para contemplar as belezas do Evangelho da presente Liturgia.
19 Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas,
por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam,
Jesus entrou e, pondo-Se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”.
A
prova pela qual haviam passado os Apóstolos excedia as forças da frágil
natureza humana e, apesar do testemunho entusiasmado de Maria Madalena, não
lhes era fácil crer na Ressurreição; talvez seu abatimento fosse o resultado de
não se julgarem dignos de receber uma aparição do Senhor, segundo pondera São
João Crisóstomo, devido ao horroroso abandono no qual deixaram o Mestre em sua
agonia.
Na
sua bondade infinita, Jesus não deixou transcorrer muito tempo para se
manifestar também a eles. Escolheu uma excelente oportunidade para tal: no
entardecer e estando as portas fechadas, para tornar ainda mais patente a
grandeza do milagre de sua Ressurreição.
A
chegada da noite é o momento em que a apreensão cresce no interior de todos os
temerosos. Por outro lado, penetrar num recinto com portas e janelas fechadas,
só mesmo em corpo glorioso poderia alguém realizar tamanho prodígio.
Qual
seria o lugar onde estavam reunidos, não se sabe com exatidão. A hipótese mais
provável recai sobre o Cenáculo.
Outro particular interessante é a posição escolhida por Cristo
para lhes dirigir a palavra. Ele poderia ter preferido saudá-los logo à
entrada, entretanto caminhou entre eles e foi colocar- Se bem ao centro. Esse
deve ser sempre o posto de Jesus em todas as nossas atividades, preocupações e
necessidades. O deixá-Lo de lado, além de ser falta de respeito e consideração,
é condenar ao fracasso qualquer iniciativa, por melhor que seja. Sua saudação
também nos chama especialmente a atenção: "A paz esteja
convosco".
À
primeira vista seríamos levados a julgar compreensível que Ele desejasse
acalmá-los das perturbações que os acometiam desde a prisão no Horto das
Oliveiras. E de fato, esse bem poderia ser um de seus intentos, mas o
significado mais profundo não reside nessa interpretação. Para melhor o
entendermos, perguntemo-nos o que é paz.
"Paz é a tranquilidade da ordem", diz Santo Agostinho (4), ou seja, uma ordem permanentemente
tranquila. E São Tomás demonstra ser a paz efeito próprio e específico da
caridade, pois todo aquele que está em união com Deus vive na perfeita ordem,
ao harmonizar todas as suas potências, sentidos e faculdades à sua causa
eficiente e final (5). Essa união faz brotar na alma que a possui um profundo
repouso interior e nem sequer os inimigos externos a perturbam, porque nada lhe
interessa a não ser Deus: "Se Deus está conosco, quem será contra
nós?" (Rom. 8, 31). Ora, sabemos pela Teologia que o Espírito Santo é a
Terceira Pessoa da Santíssima Trindade e procede do Pai e do Filho por via do
Amor. N'Ele está a raiz, ou semente, da qual nasce o fruto da caridade. Ao
amarmos a Deus e ao próximo, a alegria e o consolo penetram em nosso interior.
Desse amor e gozo, procede a paz (6). Jesus, desejando-lhes a paz, oferecia-
lhes um dos principais frutos desse Amor infinito que é o Espírito Santo.
20 Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os
discípulos se alegraram por verem o Senhor.
Por
esta atitude do Senhor podemos bem avaliar o quanto o pavor havia penetrado na
alma de todos, apesar de ouvirem a voz do Divino Mestre desejando-lhes a paz.
Por
isso tornou-se indispensável mostrar-lhes aquelas mãos que tanto haviam curado
cegos, surdos, leprosos e inúmeras outras enfermidades, mãos que talvez eles
mesmos tivessem, a seu tempo, osculado. Sim aquelas mãos que, havia pouco,
tinham sido transpassadas por terríveis cravos. Era preciso comprovarem tratar-
se do Redentor, vendo seu lado perfurado pela lança de Longinus.
Naquele momento sentiram a alegria pervadir suas almas, pois
constataram não estar diante deles um fantasma, mas sim o próprio Jesus em
Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Cumpria-se assim sua promessa: "Hei
de ver-vos de novo, e o vosso coração se alegrará, e ninguém vos tirará a vossa
alegria" (Jo 16, 22).
Transparece
nessa atitude seu profundo intuito apologético, ao fazê-los ver suas santas
chagas, ao contrário de como procedera com Santa Maria Madalena, ou até mesmo
com os discípulos de Emaús.
Outra
nota de bondade consiste no fato de Ele ter velado o esplendor de seu Corpo
glorioso, caso contrário a natureza humana dos Apóstolos não teria suportado o
fulgor da majestade do Homem-Deus ressurrecto.
21 Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai Me
enviou, também Eu vos envio”.
Novamente Jesus lhes deseja a paz, e deixa assim entrever quão
importante é a tranqüilidade da ordem. Como objetivo imediato, visava Jesus
proporcionar- lhes a indispensável serenidade de espírito face às desavenças e
mortais perseguições que lhes moveriam os judeus. Por outro lado, Jesus se
dirige aos séculos futuros e, portanto, à própria era na qual vivemos. Também a
nós Ele nos repete o mesmo desejo de paz formulado aos Apóstolos naquele
momento. Sim, especialmente à nossa civilização que tem suas raízes em Cristo -
Rei, Profeta e Sacerdote - cuja entrada neste mundo fez-se sob o belo cântico
dos Anjos: "Paz na terra" (Lc 2, 14). Não foi outro o dom por Ele
oferecido antes de morrer na Cruz, ao despedir-se: "Dou-vos
a paz, deixo-vos minha paz" (Jo
14, 27). Entretanto, a humanidade hoje se suicida em guerras, terrorismos e
revoluções. E qual a causa? Não queremos aceitar a paz de Cristo.
Tal qual a caridade, a paz começa na própria casa. Antes de
tudo, é preciso construí-la dentro de nós mesmos, dando à razão iluminada pela
Fé o governo de nossas paixões. Sem essa disciplina, entramos na desordem. Ora,
vai se tornando cada vez mais raro encontrar- se um ser humano no qual esse
equilíbrio é procurado com base no esforço e na graça. O espontaneísmo domina
despoticamente em todos os rincões. Vivemos os axiomas da Sorbonne de 1968: "É
proibido proibir" - "A imaginação tomou conta do poder" - "Nada
reivindicar, nada pedir, mas tomar, invadir". Eles pareciam
ser para a humanidade uma pedra filosofal de felicidade, sucesso e prazer...
Que desilusão!
A
paz deve ser a condição normal e corrente para o bom relacionamento social,
sobretudo na célula mater da sociedade, a família. Eis um dos grandes males de
nossos dias: a autoridade paterna se auto-destruiu, a sujeição amorosa da mãe
se evanesceu e a obediência dos filhos foi carcomida pelo capricho, desrespeito
e revolta. Essas enfermidades morais, transpostas para a vida da sociedade,
redundam em luta civil, de classes e até mesmo entre os povos.
A
humanidade sofre essas e muitas outras conseqüências do pecado de ter repudiado
a paz de Cristo e abraçado a paz do mundo, ou seja, o consumismo, o
igualitarismo, o laicismo, a adoração da máquina, etc.
Sentencia a Escritura: "Não há paz - diz Javé -
não há paz para os ímpios" (Is 57, 20). "Curavam as chagas da filha
do meu povo com ignomínia, dizendo: Paz, paz; quando não havia paz" (Jer 6,14). Os milênios transcorreram
e nos encontramos novamente na mesma perspectiva de outrora, com uma agravante:
corruptio optimi pessima (a corrupção do ótimo resulta no péssi mo). Sim, a
rejeição da paz verdadeira trazida pelo Verbo Encarnado é muito pior do que a
impiedade antiga, e de conseqüências ainda mais drásticas.
A
ordem fundamental do edifício da paz deriva essencialmente do Evangelho e do
Decálogo, ou seja, do amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor a
Ele (7). Daí floresce a paz interior do homem e a harmonia com todos os outros,
amados por ele com real caridade. Esse é o melhor remédio para todos os males
atuais, desde a "epidemia" das depressões - enfermidade paradigmática
de nosso século - até o terrorismo. É indispensável reconhecermos em Deus nosso
Legislador e Senhor, pois, se ao longo da vida não existir a moral individual
nem a familiar, haverá menos ainda o verdadeiro equilíbrio social e
internacional. O caos de nossos dias no-lo demonstra em demasia.
Sendo a paz fruto do Espírito Santo, fora do estado de graça, e
da prática da caridade, não nos é dado encontrá-la. Por isso quem se torna
empedernido no pecado não pode gozar da paz: "Mas os malvados são um
mar proceloso que não pode aquietar-se e cujas ondas revolvem lodo e lama. Não
há paz - diz Javé - para os ímpios" (Is 57, 20).
O mesmo Isaías nos proclama a prodigalidade e a grandeza da
bondade de Deus para com os justos: "Porque assim diz Javé:
Vou derramar sobre ela (Jerusalém) a paz como um rio, e a glória das nações
como torrentes transbordantes" (Is 66, 12).
Essa é a razão mais específica do fato de Jesus ter desejado uma
segunda vez a paz a seus discípulos. É Ele o autor da graça e, portanto, o
autor da paz: "Cristo é a nossa
paz" (Ef 2, 14). "A graça e a verdade foram trazidas por Jesus
Cristo" (Jo 1, 17).
Após
esse segundo voto de paz, Jesus envia seus discípulos à ação, tornando claro o
quanto é necessário jamais se deixar tomar pelo afã dos afazeres, perdendo a
serenidade. Um dos elementos essenciais para o apostolado bem sucedido é a paz
de alma de quem o faz.
Outro
importante aspecto a considerar neste versículo é a afirmação do princípio da
mediação tão do agrado de Deus. Jesus se apresenta aqui como o Mediador Supremo
junto ao Pai e, ao mesmo tempo, constitui os Apóstolos como mediadores entre o
povo e Ele. Aqui podemos medir quanto são enganosas as máximas igualitárias ao
procurarem destruir o senso de hierarquia.
22 E depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei
o Espírito Santo.
Na festa de hoje se comemora a descida do Espírito Santo sobre
Maria e os Apóstolos a qual se encontra tão bem narrada na primeira leitura (At
2, 1-11). Esse acontecimento deu-se depois da subida de Jesus ao Céu e talvez
daí decorre o fato de alguns negarem a realidade do grande mistério operado por
Ele na ocasião, narrada no versículo em análise. Esse erro, mais explícito no
começo do séc. VI, foi solenemente condenado pela Igreja no V Concílio
Ecumênico de Constantinopla, em 552: "Se alguém defende o ímpio
Teodoro de Mopsuestia, que disse (...) que depois da Ressurreição, quando o
Senhor insuflou sobre os discípulos e lhes disse ‘Recebei o Espírito Santo' (Jo
20, 22), não lhes deu o Espírito Santo, senão que tão-só o deu figurativamente
(...), seja anátema" (8).
O
Espírito Santo não procede somente do Pai, mas também do Filho. Ele é o Amor
entre ambos. E como definir o amor? É muito mais fácil senti- lo do que
defini-lo. Dois amigos que muito se querem, ao se encontrarem depois de longo
período de separação, se abraçam fortemente e cheios de alegria. O que
significa esse gesto tão espontâneo e efusivo, senão a manifestação de um amor
recíproco? Os dois quase desejam, nessa hora, uma fusão de seus seres. O
interior das mães se desfaz, suas entranhas parecem estar sendo arrancadas ao
verem seus filhos partirem. Os que se amam querem estar juntos e se olhar. E
quanto mais robusto é o amor, maior será a inclinação de se unirem.
Ora,
quando os dois seres que se amam são infinitos e eternos, jamais esse impulso
de união poderá manterse dentro dos estreitos limites de uma mera tendência
emocional, como muitas vezes se passa entre nós homens. Entre o Pai e o Filho,
esse Amor é tão vigoroso que faz proceder uma Terceira Pessoa, o Espírito
Santo.
Nossos
amores, em não raras circunstâncias, são volúveis. Deus, muito pelo contrário,
porque se contempla a Si próprio, Bom, Verdadeiro e Belo, eterna e
irresistivelmente, Se ama desde todo o sempre e para sempre, e, tal qual
assevera Santo Agostinho, desse amor faz proceder uma Terceira Pessoa infinita,
santa e eterna, o Divino Espírito Santo. O amor é eminentemente difusivo e por
isso tende a comunicar- se, a entregar-se. Curiosa é a diferença de forma
empregada por uma e outra Pessoa para se comunicar com os homens.O Filho veio a
este mundo assumindo nossa natureza em humildade e apagamento. Pelo contrário,
o Espírito Santo, sem assumir outra natureza, marca sua presença com símbolos
de estrépito e majestade. A face da terra será renovada por Ele, daí a
manifestação do esplendor, força e rapidez dos fenômenos físicos que
acompanharam sua infusão de graças nos que se encontravam reunidos no Cenáculo
(conforme a 1ª leitura de hoje, At 2, 1-11), porque eles deveriam ser Apóstolos
e testemunhas. Era preciso que fossem iluminados e protegidos, e soubessem
ensinar. No Evangelho de João, essa doação do Espírito Santo tem em vista a
faculdade de perdoar os pecados:
23 A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem
não os perdoardes eles lhes serão retidos
Que grande dom concedido aos mortais por meio dos sacerdotes: o
perdão dos pecados! Por outro lado, que imensa responsabilidade a de um
Ministro de Deus! Dele diz São João Crisóstomo: "Se o sacerdote tiver
conduzido bem sua própria vida, mas não tiver cuidado com diligência da dos
outros, condenar- se-á com os réprobos" (9).
Quanto
se fala de paz, hoje em dia, e quanto se vive no extremo oposto dela! O
interior dos corações se encontra penetrado de tédio, apreensão, medo, desânimo
e frustração, quando não de orgulho, sensualidade e falta de pudor. A
instituição da família vai se tornando uma peça de antiquário. A ânsia de
obter, não importa por que meio, sem levar em conta o direito alheio, vai
caracterizando todas as nações dos últimos tempos. Em síntese, não há paz
individual, nem familiar, nem no interior das nações.
Eis porque nossos olhos devem voltar- se à Rainha da Paz a fim
de rogar sua poderosa intercessão para que seu Divino Filho nos envie uma nova
Pentecostes e seja, assim, renovada a face da terra, como melhor solução para o
grande caos contemporâneo.
1 ) Cf. João S. Clá
Dias, E renovareis a face da Terra... in "Arautos do Evangelho", maio
2002, pp. 5-10.
2 ) De considerat, 1. I
C.2 apud São Bernardo, Obras selectas, BAC, p. 1.480
3 ) De doct. Christiana
I, 4: PL 34, 21
4 ) De civitate Dei XIX
13: PL 41, 640 5 ) Cf. Suma Teológica II-II, q 29.
6 ) cf. Santo Tomas de
Aquino, Suma Teológica, I-II, q 70, a 3c.
7 ) Cf. São Tomás de
Aquino, Suma Teológica II-II, q 29, a 3.
8 ) Cânon 12 in Denzinger, Ench. Symbol. nº 224
9 ) São Tomás de Aquino,
Catena Áurea, in Jo., c 20, l 3.
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