18 Tomaram então a palavra os judeus e disseram-Lhe: “Que sinal nos mostras para assim procederes?”.
Evidentemente, “os judeus”, aqui, são as autoridades do Templo. A pergunta é feita em caráter de hostilidade e tipicamente farisaica, pois exigir uma prova para dar legitimidade a uma acção que, debaixo do prisma moral, se justifica por si só, é querer a priori desacreditar o sinal que se lhes ofereça. Daí surgiria uma interminável discussão. Com razão, comenta São João Crisóstomo:
“Necessitavam eles, então, de algum sinal para deixar de fazer o que estavam fazendo tão indevidamente? Estar tomado por um tão grande zelo pela casa do Senhor não era o maior de todos os sinais? Os judeus se lembravam das profecias e, contudo, pediam um sinal, certamente porque sentiam que seus lucros cessariam. Infames!”.11
A pergunta vinha carregada de incredulidade, inveja e animosidade.
Queriam uma segunda prova, sendo que a primeira era, de si, suficiente para convencer qualquer pessoa com um mínimo de bom senso.
São assim os que possuem mentalidade farisaica, pois, quando enviavam emissários ao Precursor, estavam dispostos a aceitar — segundo eles mesmos diziam — a afirmação de que este seria o Messias, mas não quiseram tolerar que João Batista indicasse Jesus Cristo como sendo o Salvador. Ou seja, quando os fatos prejudicam os interesses deles, não há sinal que os satisfaça. Resposta misteriosa de Jesus
19 Jesus respondeu-lhes: “Destruí este Templo e Eu o reedificarei em três dias”. 20 Replicaram os judeus: “Este templo foi edificado em quarenta e seis anos, e Tu o reedificarás em três dias?” 21 Ora, Ele falava do templo do Seu corpo. 22 Quando, pois, ressuscitou dos mortos, os Seus discípulos lembraram- se do que Ele dissera e acreditaram na escritura e nas palavras que Jesus tinha dito.
Não seria esta a única vez que Jesus responderia de modo misterioso aos seus interlocutores. Nem sempre lhes eram compreensíveis as revelações feitas pelo Divino Mestre. Porém, o futuro as tornaria evidentes pe- la claríssima realização das mesmas, como aconteceu neste caso concreto, pois certamente foi colocando a mão sobre Seu sagrado peito que Ele disse: “Destruí este Templo...”.
Claro que todos interpretaram mal tal proposta, julgando estar Ele se referindo ao edifício do qual haviam sido desbaratados os vendilhões. Mas o estupor foi ainda maior ao ouvi-Lo afirmar que Ele tinha poder para reedificá-lo em três dias. Conhecemos a realidade dos fatos, por uma testemunha ocular merecedora de toda confiança e que provavelmente deve ter notado os gestos de mão do Divino Mestre, enquanto fazia essa profecia. Por isso mesmo, ao escrever seu Evangelho depois de realizado o que previra o Divino Mestre, São João não teve a menor dúvida sobre a exatidão e realidade daquelas palavras, e daí relatar com inteira segurança: “Ora, Ele falava do templo do Seu corpo”.
Os discípulos de Jesus aceitam o sinal
Concedeu-lhes ainda, por infinita misericórdia, um sinal inconfundível para alimentar a fé de todos, o de Sua Ressurreição. “Por que lhes dá como sinal a Ressurreição? Principalmente porque ela demonstrava que Jesus não era um simples homem; que Ele podia triunfar da morte e destruir em pouco tempo sua longa tirania”.12
Entretanto, só mesmo os discípulos ali presentes aceitaram, sem entender o que lhes dizia o Divino Mestre. Iniciam eles um caminho pavimentado de fé e confiança, sem barreiras, nAquele que ainda não viam como Deus e Homem.
Depois de três anos, tudo se tornaria lúcido para eles, devido à fidelidade praticada apesar destas ou daquelas debilidades. Exemplo pa ra nós de quanto devemos abraçar com amor os ensinamentos emanados da Santa Igreja, em especial os provenientes da infalível Cátedra de Pedro. Acatar com zelo a orientação da Santa Igreja é um ato de filial amor ao próprio Nosso Senhor Jesus Cristo: “Quem vos ouve, a Mim ouve!” (Lc 10, 16).
Tem muito valor a consideração que a esse propósito nos faz o Cardeal Isidro Gomá y Tomás: “O templo ao qual alude Jesus — diz Orígenes — não é só o templo de Seu Corpo, mas também a Santa Igreja, a qual, sendo construída de pedras vivas, que somos todos nós, cristãos, a cada dia se destrói nelas, porque a cada dia morrem os filhos da Igreja; e a cada dia da História parece morrer como instituição, porque, em seu conjunto, está sujeita a todas as tribulações e aparentes dissoluções das coisas humanas. Contudo, ressurge sempre, como o Corpo morto de Jesus. Ressurge neste mundo, pois às horas de tormenta e das aparentes derrotas sucedem a calma e o triunfo esplendoroso. Ressurgirá definitivamente quando vier o tempo do novo céu e da nova terra, de que fala o Apocalipse, pela ressurreição de todos os seus membros, que somos nós. Sejamos membros de Cristo, soframos com Ele e morramos com Ele: é a condição indispensável para ressuscitar com Ele. Esta doutrina é inculcada várias vezes pelo Apóstolo. Vivamos nessa santa Fé e doce Esperança”.13
Profundo ressentimento dos detentores do poder
Os judeus não alcançaram o verdadeiro significado das palavras de Jesus, pois, como nos diz Santo Agostinho, “eram carnais. Só apreciavam as coisas pelo seu sabor carnal, e o Senhor falava-lhes no sentido espiritual”. 14 De fato, o orgulho e o amor próprio sempre cegam quem a eles se entrega, e acabam por substituir a ação de Deus pela pessoal e humana.
Condenando e castigando com tal violência aquelas desordens, Jesus manifestou o soberano e divino direito de Seu autêntico messianismo e de Sua eterna filiação. Essa cena se repetiria dois anos mais tarde, novamente sem resultado; tudo voltaria a ser como sempre. Porém, Jesus perpetuou, face à História, às autoridades religiosas e à própria multidão, a memória de quanto é Ele o verdadeiro Filho de Deus e, portanto, Senhor do Templo.
Apesar do encanto de alguns, o episódio causou profundo ressentimento aos detentores do poder. Ali se iniciou a contenda entre as autoridades religiosas e Ele, a qual não fará senão ir num crescendo até o grito: “o seu sangue caia sobre nós e nossos filhos” (Mt 27, 25). A tal ponto se sentiram feridos por essa justa intervenção, que souberam deturpar as palavras proferidas nessa ocasião pelo Salvador, para condená-Lo à crucifixão, acusando-O de ter querido destruir o Templo; crime hediondo e sacrílego que eles, sim, perpetraram quando se tornaram deicidas.
Jesus, por sua vez, nada mais fizera senão proclamar o quanto Ele viria a ser o vencedor da morte por meio de Sua autorressurreição, servindo esta como irrefutável prova da autêntica realidade de Sua missão, como Ele mesmo diria mais tarde: “Não temais! Eu venci o mundo!” (Jo 16, 33).
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