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A permanência de Deus nos diviniza
Segundo os teólogos, essa permanência é o primeiro e o maior de todos os dons que possamos receber, pois nos dá a real e verdadeira posse de Deus. E assim como uma criança em gestação se alimenta permanentemente da vida da mãe, essa permanência de Deus na alma confere-lhe de forma ininterrupta a própria Vida divina. Aqui se entende melhor a frase de Nosso Senhor: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham abundantemente” (Jo 10, 10). É por isso que a Igreja denomina o Espírito Santo “o doce hóspede da alma” (dulcis hospes animae). Ele não entra em nossas almas para uma rápida visita, pelo contrário, nela permanece. Ele não só dilata nossas almas para as verdades da fé, como nos torna íntimos de seus mistérios, fazendo-nos conhecê-los de maneira repentina ou progressiva. Como consolador e médico, cura nossas enfermidades, robustece-nos em nossas debilidades, ensina-nos a rezar. Conhece bem o caminho que devemos trilhar e com suas suaves — e tantas vezes, eficazes — moções, por ele nos conduz.
Essa maravilhosa permanência da Santíssima Trindade em nós proporciona a nossas almas a plena posse e o gozo fruitivo d’Ela, conforme nos ensina o próprio São Tomás: “Assim também se diz que possuímos somente aquilo de que podemos livremente usar e usufruir. Ora, só se pode fruir de uma Pessoa divina pela graça santificante. (...) O dom da graça santificante aperfeiçoa a criatura racional para que com liberdade não somente use o dom criado, mas ainda frua da própria Pessoa divina”.
Em síntese, essa permanência de Deus em nós, prometida por Jesus neste versículo, contanto que n’Ele permaneçamos, transforma-nos em Deus, guardadas as devidas proporções entre Criador e criatura. Essa realidade foi magnificamente expressa pelo Pe. Ramière:
“É verdade que no ferro abrasado está a semelhança do fogo, mas não tal que o mais hábil pintor possa reproduzi-la servindo-se das mais vivas cores; ela não pode resultar senão da presença e ação do fogo. A presença do fogo e a combustão do ferro são duas coisas distintas, pois esta é uma maneira de ser do ferro, e aquela uma relação dele com uma substância estranha. Mas as duas coisas, por mais diferentes que sejam, são inseparáveis uma da outra: o fogo não pode estar unido ao ferro sem abrasá-lo, e a combustão do ferro não pode resultar senão de sua união com o fogo.
“Assim, a alma justa possui em si mesma uma santidade distinta do Espírito Santo, mas ela é inseparável da presença do Espírito Santo nessa alma, e, portanto, é infinitamente superior à mais elevada santidade que pudesse ser alcançada por uma alma na qual não morasse o Espírito Santo. Esta última alma só poderia ser divinizada moralmente, pela semelhança de suas disposições com as de Deus. O cristão, pelo contrário, é divinizado fisicamente, e, em certo sentido, substancialmente, dado que, sem se converter em uma mesma substância e em uma mesma pessoa com Deus, possui em si a substância de Deus e recebe a comunicação de sua vida”.
Nossa absoluta dependência da graça
5 Eu sou a videira, vós os ramos. Aquele que permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer.
Este é um dos mais categóricos versículos sobre a nossa absoluta dependência da graça para operarmos qualquer ato sobrenaturalmente meritório. Já no II Concílio Milevitano (416) e no XVI Cartaginês (418) foi sublinhada essa afirmação de Jesus, fazendo-se notar que Ele não disse ser difícil fazer algo sem seu concurso, mas sim ser impossível: “Sem Mim, nada podeis fazer”.
6 Se alguém não permanecer em Mim, será lançado fora como o ramo, e secará; depois recolhê-lo-ão, lançá-lo-ão no fogo e arderá.
Santo Agostinho, de forma sintética, deita luz sobre este versículo:
“A lenha da videira é tanto mais desprezível se não permanecer na videira, quanto mais gloriosa se permanecer. Dela diz o Senhor, pelo Profeta Ezequiel, que, quando cortada, não serve para nenhum uso do agricultor, nem com ela se podem fabricar trabalhos de marcenaria (Ez 15, 5). Só lhe compete um destes dois destinos: a videira, ou o fogo. Se não estiver na videira, estará no fogo. Para que não esteja no fogo, deve, pois, conservar-se na videira”.
7 Se permanecerdes em Mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á concedido.
Essa promessa de Jesus é comovedora, pois, como bem assevera o Cardeal Gomá, Deus, de certo modo, obedecerá aos pedidos que se Lhe façam, como fruto dessa permanência em Cristo. É necessário, porém, guardar suas palavras com amor e reflexão e colocá-las em prática, a exemplo de Maria, que “conservava todas estas coisas, meditando-as no seu coração” (Lc 2, 19).
Observadas as condições enunciadas neste versículo, a consequência será a de uma plena união com Cristo. Assim sendo, os pedidos serão infalivelmente formulados de acordo com os desejos d’Ele e, portanto, sempre atendidos.
O mais alto louvor que se possa dar a Deus
8 Nisto é glorificado meu Pai: em que vós deis muito fruto e sejais meus discípulos.
A verdade contida neste versículo leva-nos a concluir que o próprio Deus também lucra — ad extra, é claro — nessa permanência mútua. Ad intra, a glória de Deus é intrinsecamente absoluta, mas aqui está realizada a finalidade das criaturas inteligentes, anjos e homens, ou seja, tributar-Lhe a glória formal extrínseca. O mais alto louvor que se possa dar a Deus encontra-se nas boas obras. Ademais, ao serem conhecidas pelos outros, elas incitam à imitação. E essa glória consiste não só na multiplicidade dos bons frutos, mas também na nossa qualidade de discípulos de Cristo — como o foram os Apóstolos e muitos outros ao longo de dois milénios —, ou seja, em sermos verdadeiros arautos do Evangelho pela palavra e pelo exemplo.