Continuação dos comentários ao Evangelho I Domingo da Quaresma Lc 4, 1-13 Ano C - 2013
Diabólica
exploração das revoluções
4 Jesus respondeu-lhe: “Está
escrito: ‘Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra de Deus’”.
Jesus poderia ter
transformado as pedras em pão, como depois multiplicaria por duas vezes os pães
e os peixes. Mas não o fez. Nessa ocasião, não terá querido Ele, além de outros
objetivos, ensinar-nos a ilegitimidade das revoltas por ter faltado alimento?
Quantas revoluções foram
levadas a cabo, ao longo da História, por uma pura, malévola e — por que não
dizer? — diabólica exploração da fome! Nas circunstâncias de penúria, por que
não se voltam os homens para o mesmo Deus de Moisés, que não deixou sem
alimento o seu povo durante quarenta anos no deserto?
Supremacia da
vida espiritual sobre a corporal
Em sua resposta repassada
de sabedoria divina, Jesus torna patente, ao demônio e à humanidade, a
existência de uma vida muito mais nobre do que a corporal, ou seja, a
espiritual. “A palavra de Deus” é constituída pelas ordens divinas, por tudo
aquilo que reflete sua soberana vontade, como mais tarde Ele mesmo afirmaria: “Meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que
Me enviou” (Jo 4, 34).
É notável a diferença da
reação de Jesus diante dessa proposta feita por Satanás, e diante da feita por
Maria nas Bodas de Caná: à sua venerável Mãe, Ele atendeu, por saber o quanto
era vontade do Pai confirmar o poder impetratório das súplicas de sua Filha
bem-amada.
Na frase de Jesus
retrucando ao demônio, torna-se claro não ser imprescindível o pão. Deus dispõe
incontáveis meios para resolver o problema da fome. Jesus se alimentará como
for da vontade do Pai. Se o desígnio d’Este é que a palavra O sustente, qual a
necessidade do pão? E se este for indispensável, não tem o Pai o poder de o
conceder?
Dupla tentação:
medo e ambição
5 O demônio conduziu-O então a um alto monte, mostrou-Lhe, num momento,
todos os reinos da terra, 6 e disse-Lhe: “Dar-Te-ei o poder de tudo isto, e a
glória destes reinos, porque eles foram-me dados, e eu dou-os a quem quiser. 7
Portanto, se Tu me adorares, todos eles serão teus”.
As mais variadas
hipóteses foram levantadas por alguns autores sobre qual teria sido esse alto
monte, com vista para todos os reinos da terra. Para uns teria sido o Tabor,
para outros o Nebo ou o Hermon. De qualquer deles, porém, é impossível
contemplar os reinos deste mundo. Mais acertadamente opinam os que optam por
afirmar ter-se servido o demônio de suas artes de magia, espelhismo ou
fantasmagoria, para fazer transcorrer diante dos olhos de Jesus “num momento” as maravilhas dos reinos
com seus palácios e esplendores; em síntese, todas as belezas das glórias
exteriores de nossa terra de exílio.
Na sua inferioridade de
anjo decaído, com muita ignorância, julgou haver atraído irresistivelmente
Jesus e, por essa razão, propõe-Lhe logo um pecado de idolatria para, assim,
entregar-Lhe a posse de tudo. Comentando essa passagem, São Jerônimo bem
atribui ao demônio uma linguagem soberba, e sobretudo falsa, pois o espírito
maligno não pode prometer nem, menos ainda, conceder reinos a ninguém, sem a
permissão de Deus (14). Não obstante, ele é senhor dos vícios e dos pecados.
Acreditava poder lisonjeá-Lo para açular uma irrefreável ambição ou, então,
amedrontá-Lo, revelando-Lhe a poderosa oposição que enfrentaria, se contra Ele
se levantassem aqueles reinos, caso não os aceitasse ao preço da idolatria. Não
sofreu, porém, o Divino Redentor a atração da ambição nem o temor do poderio
adverso.
Desde o Paraíso
terrestre, nós, homens e mulheres, quando sem a graça e a virtude, somos
fascinados pelo sonho de ser deuses. Essa é a desastrosa história de boa parte
da humanidade. Felizes aqueles e aquelas que respondem a Satanás como o fez
Jesus.
A grande
tentação da humanidade decaída
8 Jesus respondeu-lhe: “Está escrito: ‘Adorarás o Senhor teu Deus, e só a
Ele servirás’”.
Tornar-se o senhor do
mundo, possuir todos os bens e todas as riquezas, ainda que deixando de adorar
o verdadeiro Deus: eis a tentação diante da qual não poucos sucumbem, em nosso
estado de prova; e, às vezes, até por preços muito menores.
Na resposta de Jesus,
encontramos o divino exemplo a seguir. Reproduzindo o versículo 13 do capítulo
6 do Deuteronômio, faz um juramento de fidelidade ao Pai: a não ser Ele,
ninguém, nem coisa alguma, merece homenagens e muito menos adoração.
Tentação de
vanglória
9 Levou-O também a Jerusalém, colocou-O sobre o pináculo do Templo e
disse-Lhe: “Se és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo; 10 porque está escrito
que ‘Deus mandou aos seus anjos que Te guardem, 11 e que Te sustenham em suas
mãos, para não magoares o teu pé em nenhuma pedra’”.
É um paradoxo imaginar o
anjo caído dos Céus transportando seu Criador pelos ares. A isso se submeteu
nosso Salvador, para benefício dos que foram expulsos do Paraíso.
É digna de nota a
sutileza diabólica nesta tentação, pelo fato de se servir de citação da Escritura
para conferir maior solidez à sua argumentação.
Aprendeu a lição do
próprio Jesus, ao receber d’Ele sua primeira resposta.
Grande espetáculo
causaria sua descida sensacional, amparado por anjos, em meio ao pátio do
Templo. E, se isso acontecesse, provado estaria para Satanás a filiação divina
de Jesus, objetivo ansiosamente desejado por seus ardis. Já não é mais a gula,
nem a ambição, mas a vanglória, que a tantos leva para o inferno, o instrumento
usado pelo demônio para tentar o Messias.
12 Jesus respondeu-lhe: “Também
foi dito: ‘Não tentarás o Senhor
teu Deus’”.
Uma nova confusão inflige
Jesus ao revoltado Satanás, também com palavras do Deuteronômio (6, 16).
Colocar-se em perigo grave, obrigando Deus a intervir, é um pecado cheio de
malícia.
13 Terminada toda esta espécie de tentação, o demônio retirou-se d’Ele até
outra ocasião.
A maioria dos autores é
partidária de ter, de fato, o demônio continuado a investir contra Cristo, ao
longo de sua vida pública, propondo-Lhe, através destes ou daqueles, a aceitar
a coroa ou a praticar milagres imprudentes.
Foi só no Horto, no
Pretório e no Calvário que ele imaginou ter conseguido realizar seu sonho, todo
feito de gaudium phantasticum.
Entretanto, ali, Cristo triunfou sobre os infernos, o pecado e a própria morte!
1) Cf. São Tomás de
Aquino, Suma Teológica III, q. 8, a. 6c.
2 )
Idem III, q. 41 a. 1.
3 )
Id. ibid.
4 )
Id. ibid.
5 )
Id. ibid.
6 )
Id. ibid.
7 )
Op.cit. III, q. 41, a. 3 ad. 2.
8 )
Cf. op. cit. III, q. 41 a. 1 ad. 3.
9 )
Cf. Francisco Suárez S.J.,Misterios de la Vida de Cristo, BAC, Madrid, t. 1, p.
825.
10) São Tomás de
Aquino, Suma Teológica III, q. 41, a. 1, ad. 1.
11 )
Op. cit. BAC, Madrid, t. 1, p. 825.
12 )
Cf. op. cit. III, q. 41, a. 4.
13 )
Op. cit. III, q. 41, a. 4, ad. 1.
14 )
Cf. Comment. In Matth., h. 1.
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