Continuação dos comentários ao Evangelho 2º Domingo da Quaresma Lc 9, 28b-36 - Ano C - 2013
Jesus revela no Corpo a glória de sua alma
Naquele tempo, 28b
Jesus levou consigo Pedro, João e Tiago, e subiu à montanha para rezar. 29
Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e
brilhante.
Tendo em vista prepará-los para os acontecimentos que viriam,
Nosso Senhor chamou os três Apóstolos com quem tinha maior familiaridade e os
levou ao Monte Tabor. Eles, depois, deveriam fortalecer os outros,
narrando-lhes o que testemunhariam.
Embora a oração ocupe um lugar primordial na vida do Mestre,
esta não foi seu único objetivo com a subida à montanha. Mais do que isso,
pretendia mostrar quem realmente era, conforme ressalta Maldonado: “Cristo
costumava subir aos montes para orar, onde a solidão é maior e mais livre é a
contemplação do Céu. Não se deve concluir das palavras de Lucas, entretanto,
que Cristo subiu só com o propósito de orar, mas que, conforme seu costume de rezar
nos assuntos árduos, quis fazê-lo desta vez antes de manifestar a sua glória.
[...] Não nos esqueçamos, também, que na maior parte das vezes a glória de Deus
se manifesta nos montes, que estão mais próximos do Céu e mais afastados da
Terra, e não nos vales”.’2
Esta exteriorização da glória divina é um fenômeno que revela
o verdadeiro estado da Alma de Jesus, a qual, criada na visão beatífica,
possuía desde o primeiro momento da Encarnação o grau supremo da graça capital.
Esta é assim denominada por ser Ele a cabeça do Corpo Místico e a origem da
graça da qual vive a Igreja.” Sua Alma sempre esteve na contemplação de Deus face
a face’4 e, por isso, o normal seria que seu Corpo fosse visto habitualmente em
estado glorioso, como um espelho da beatitude de seu espírito, tal como se
manifestou no Tabor, à vista de São Pedro e dos filhos de Zebedeu.’5 Foi só por
amor a nós que Nosso Senhor quis revestir-Se das características do corpo
padecente para operar a Redenção.’6 Então, por certo prisma, o verbo transfigurar
não define com exatidão o que se passou, pois, na verdade, Cristo fez cessar a
subfigura em que vivia.
No que se refere a alguns outros momentos de sua vida pública,
podemos supor que Ele assumiu apenas alguns dos atributos do corpo glorioso,
como, por exemplo, quando saiu livremente entre aqueles que o queriam jogar precipício
abaixo em Nazaré ou quando andou sobre as águas do Mar de Tiberíades.’7
Moisés e Elias ratificam a Paixão
30 Eis que dois
homens estavam conversando com Jesus: eram Moisés e Elias. ‘ Eles apareceram
revestidos de glória e conversavam sobre a morte que Jesus iria sofrer em
Jerusalém.
Participando da glória de Cristo estavam dois expoentes do povo
eleito: Moisés e Elias, os máximos representantes da Lei e dos profetas. Eles
foram os escolhidos porque “nem a Lei pode existir sem o Verbo, nem profeta algum
poderia ter vaticinado algo que não se referisse ao Filho de Deus”.’8 Ambos não
somente ratificam que Jesus é o Messias, mas dão o peso de seu testemunho
também aos anúncios da Paixão. A conversa que empreenderam com Ele diz respeito
à sua morte e, todavia, os três se encontravam envoltos na glória, a qual revela
o fim último: ressurreição e corpo glorioso. “A conversa de Jesus com Moisés e
Elias versa exatamente sobre os tormentos que Cristo vai padecer logo em Jerusalém.
A Transfiguração, portanto, é a consagração de Jesus para a Cruz e para a
morte”.’9 Numa harmoniosa junção, concebível apenas pela inteligência do
próprio Deus, unem-se neste episódio dor e glória, conforme recorda São Leão
Magno: “Era necessário que os Apóstolos tivessem no coração uma noção clara dessa
vigorosa e bem-aventurada fortaleza, e que não tremessem perante a rudeza da
cruz que teriam de carregar; seria preciso que não se envergonhassem do suplício
de Cristo’ nem considerassem humilhante para Ele a paciência com que deveria
padecer os rigores de sua Paixão, sem perder a glória de seu poder”.10
Continua no próximo post.
2CCE 1819.
2 3Cf. COLUNGA, OP, Alberto; GARCÍA CORDERO, OP,
Maximiliano. Biblia Comentada. Pentateuco. Madrid: BAC, 1960, v.1, p.192.
3 4MOLLAT, SJ, Donatien. Velar. In: LEON-DUFOUR,
op. cit., p.925.
5SAO TOMAS DE AQUINO. Epistolam Sancti
PauliApostoli ad Philippenses expositio. C.III, lect.3.
5 6) SÃO TOMÁS DE
AQUINO. Suma Teológica. III, q.14, al, ad 2.
6 7)
GARRIGOU-LAGRANGE, OP. Réginald. L’Etemelle vie et la profondeur de l’âme.
Paris: Desclée de Brouwer, 1953, p.25.
1 8) Cf. SAO TOMAS
DE AQUINO. In Symbolum Apostoloruni. Art.11.
2 9) Cf.
GARRIGOU-LAGRANGE, op. cit., p.332-333.
10) SANTO
AGOSTINHO. De Civitate Dei. L.XV, c.2. In: Obras. Madrid: BAC, 1958,
v.XVI-XVII, p.998.
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