A verdadeira glória só nasce da dor
O Evangelho apresenta um trecho
do discurso de despedida de Nosso Senhor na Santa Ceia. Nesse momento auge, em
que Ele instituía para os séculos futuros o Sacramento da Eucaristia — o mais
precioso de todos os Sacramentos, no que diz respeito à substância —, tinha
diante de Si um assistente de péssimas intenções. Depois de Judas receber o
pedaço de pão molhado, a morte entrou nele, pois, embora já estivesse em pecado
mortal por ter tramado a entrega do Divino Mestre, tornou-se presa de um
demônio animado de grande fúria, o qual não suportava mais a humilhação
infligida aos infernos por um Homem que operava tão grandes milagres e tinha
tanto poder. O espírito das trevas, desde muito antes, constatara quanto seu
império periclitava, já fora de controle.8
31 Depois que Judas saiu do cenáculo, disse Jesus:
“Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele. 32 Se
Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o
glorificará logo”.
“A alma tão delicada e
ponderada de Jesus teve de sofrer múltiplas incompreensões, preconceitos e
ideias ambiciosas de seus Apóstolos. […] Uma dor mais lancinante estava
reservada ao Coração de Jesus: um dos Doze, que Ele havia escolhido com tanto
zelo, acompanhado com tanto devotamento, a quem dera inclusive uma missão de
confiança, deveria traí-Lo”.9
Cristo recebeu aquela ingratidão com equilíbrio perfeito, num estado de
espírito plenamente resignado. Contudo, enquanto sofria, veio-Lhe também o
consolo, porque sabia ser através dessa aceitação que iniciaria sua glória.
O Pai queria a maior glória para o Filho
A partir do momento em que
Nosso Senhor — Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e, ao mesmo tempo, Homem
perfeitíssimo com a alma na visão beatífica, dotado de ciência infusa e de
conhecimento experimental — deu seu pleno consentimento à Paixão, essa glória
se realizou. Sua exaltação consistiu em ser preso, passar por todos os
tormentos da condenação, subir ao Calvário, ser levantado na Cruz e ali
derramar todo o Sangue, até o traspassamento do seu Coração. Quando o Verbo
eterno Se encarnou, fê-lo invertendo uma lei por Ele instituída, pois sua alma
fora criada na visão beatífica e, apesar disso, assumiu um corpo padecente,
quando deveria ser glorioso.10
Ele rejeitou tais prerrogativas por desejar um corpo semelhante ao nosso,
apenas não manchado pelo pecado, para poder padecer, dar-nos exemplo e,
sobretudo, porque o queria o Pai, com vistas a que a glória eterna d’Ele
enquanto homem fosse a maior possível. O sofrimento bem aceito, amado e
assumido Lhe obteve o triunfo, o que significa que o cumprimento dos desígnios
do Pai não exigia a magnificência do corpo glorioso, os esplendores de um poder
terreno ou uma exaltação da parte dos homens, mas apenas a conformidade com a
dor.
Ademais, estava Nosso Senhor
ciente de que o fim não era a morte, e sim a Ressurreição e a Ascensão aos
Céus, onde receberia a definitiva glorificação e o reconhecimento eterno do
Pai, dos Bem-aventurados e dos Anjos, por haver cumprido sua missão redentora.
Reciprocamente, o Pai também seria glorificado, porque Ele e o Filho são um.
Era essa união substancial que permitiria, pela aceitação do sofrimento tal
como este se apresentava, que Jesus enaltecesse Aquele que O enviara.
Nossa glória também deve estar no sofrimento
Uma análise mais profunda dos
padecimentos de Cristo indica que nossa glória também é obtida pelo sofrimento.
Quantas vezes a graça nos inspira a trilharmos uma determinada via, que
passamos a percorrer com entusiasmo, na qual, entretanto, surgem dificuldades.
Diante do sofrimento nunca devemos desanimar. Pelo contrário, quando a cruz se
apresentar, cabe-nos imitar Nosso Senhor Jesus Cristo: ajoelharmo-nos, oscular
o instrumento de nossa amargura e pô-lo aos ombros com determinação, certos de
que assim se inicia o caminho da nossa glória. Nesse sentido ensina com
sabedoria São Francisco de Sales: “Quão felizes são as almas que […] bebem
corajosamente o cálice dos sofrimentos com Nosso Senhor, que se mortificam
carregando sua cruz, e que sofrem e recebem de sua divina mão toda sorte de
acontecimentos, com submissão e amor, conforme o seu beneplácito”.11 O mesmo Doutor da Igreja
ainda comenta: “O sofrimento dos males é a mais digna oferta que podemos fazer
Àquele que nos salvou sofrendo”.12
Os dramas que temos de
enfrentar são indispensáveis para a conquista da eternidade feliz. Ao
aceitarmos um sofrimento com toda resignação, amor e piedade, introduzimos na
alma a paz, pois fazemos calar o egoísmo e manifestamos, não só por palavras,
mas também por atos, o desejo de ir para o Céu, uma vez que “a felicidade
consiste em sofrer com peso e medida, tendo em vista um determinado fim”.13 Desta forma, quando a
tribulação se abater sobre nós nunca devemos murmurar contra Deus pelo fato de
tê-la permitido; devemos seguir o exemplo de Jesus, que exclamou: “Se for
possível afasta de mim esse cálice, mas faça-se antes a tua vontade do que a
minha” (Lc 22, 42). Cheios de contentamento, conformemo-nos com a vontade de
Deus, certos de que tudo o que nos acontece visa ao bem de nossas almas, pois
Ele não pode querer para nós o mal.
Consideremos com alegria que
estamos nesta Terra apenas de passagem, pois, se nela permanecêssemos para
sempre, os tormentos iriam variando e se sucedendo indefinidamente. Portanto,
para aqueles que enfrentam bem a prova à imitação de Nosso Senhor, a morte
significa ter chegado o momento de descansar. Por isso canta a Igreja na
Liturgia dos defuntos: “requiescant in
pace — descansem em paz”.
Não foi outro o ensinamento de São Barnabé e São
Paulo aos fiéis de Antioquia, contemplado na primeira leitura desta Liturgia:
“É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus”
(At 14, 22). Por outro lado, a ausência do sofrimento significa a perda de uma
valiosa oportunidade para comprovarmos o quanto somos contingentes e dependemos
de Deus, já que existimos apenas porque Ele nos sustenta no ser, a cada
instante. Dessa dependência só nos compenetramos pela dor, pois ela mostra a
nossa pequenez e nos leva ao reconhecimento de que necessitamos de um Bem
infinito, não existente em nós.
Continua no próximo post.
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