Tríduo Pascal

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Evangelho 5º Domingo da Páscoa - Ano C - 2013 - Jo 13, 31-33a.34-35


Continuação dos comentários ao Evangelho – V domingo da Páscoa Jo 13, 31-33a.34-35 - Ano C - 2013

Uma Prática antiga sob uma nova forma
Sem embargo, para que a dor bem aceita dê seus frutos, Jesus nos oferece um meio seguro: um novo mandamento para guiar a conduta de todos os que se consideram seus discípulos.
33a“Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco”.
O Mestre estava ciente, como foi recordado, de que a hora da partida já se aproximava e, embora fosse ressuscitar, iria deixá-los após a Ascensão aos Céus. Assim, antes do início de seus suplícios, desejava transmitir as recomendações mais importantes, criando condições para que os Apóstolos se dessem conta da iminência da Paixão e fixassem a essência de sua divina doutrina.
34“Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”.
Surpreende que na primeira frase deste versículo Nosso Senhor Se refira ao amor de uns pelos outros como um mandamento novo. Sabemos que desde o início da humanidade o amor já era praticado e todos se queriam de alguma maneira. Onde está a novidade? Precisamente na forma que nos é indicada, pois esse amor não é como antes. Esta novidade é o exemplo dado por Ele, conforme ensina São João Crisóstomo: “Como é que chamou ‘novo’ a este mandamento, se já é encontrado no Antigo Testamento? Ele o tornou novo pelo modo com que se amariam. Para este fim, acrescentou: ‘como eu vos tenho amado’. […] Não mencionou os milagres que iam realizar e os identificou [os discípulos] por sua caridade. Por que fez isso? Porque esta virtude é o sinal distintivo dos homens santos e a base de toda virtude. Por meio dela todos somos salvos”.14 De fato, até então o amor se moldava por padrões humanos, correspondendo à retribuição de algum benefício recebido ou a uma iniciativa que traria como consequência o auxílio desejado. Sempre havia um fundo de interesse — ou de vantagem, pelo menos — no amor ao próximo como era concebido nas sociedades do Antigo Testamento. Pois bem, Jesus nos ensina não ser esse o amor que Ele tem por nós.
Enquanto Deus, Ele quer bem a cada um com amor perfeito, eterno e absoluto; bem como a partir de sua humanidade nos estima como irmãos, sendo que a origem dessa afeição é a sua divindade. Esse amor de Deus por suas criaturas é misterioso e tem suas peculiaridades, pois, como Criador, Ele é o único que não pode amar o que fez senão por amor a Si mesmo, já que, ao criar, deixou seu vestígio em todos os seres,15 conforme lemos no Livro da Sabedoria: “Porque amais tudo que existe, e não odiais nada do que fizestes, porquanto, se o odiásseis, não o teríeis feito de modo algum. Como poderia subsistir qualquer coisa, se não o tivésseis querido, e conservar a existência, se por vós não tivesse sido chamada? Mas poupais todos os seres, porque todos são vossos, ó Senhor, que amais a vida” (Sb 11, 24-26). Entretanto, em se tratando dos seres racionais, Deus não pôs neles apenas um rastro, mas fê-los à sua imagem.16 Podemos compreender isso melhor, em alguma medida, através de um exemplo. A máquina fotográfica goza de imensa aceitação em nossa sociedade, porque com ela se pode guardar a lembrança de algum momento da vida que gostaríamos de reviver. Ora, a fotografia é apenas uma reprodução inanimada dos acontecimentos, e não deixa de ser verdadeiro que ela retém algo do que se passa. Nós somos “fotografias”, nas quais as Três Pessoas da Santíssima Trindade Se comprazem em reconhecer sua imagem e em amar-Se a Si mesmas refletidas, contemplando em ato o plano idealizado desde toda a eternidade para cada um de nós.
Esse ponto de partida, verdadeiramente sublime, abre novas perspectivas para o convívio humano, que passa a ser pautado pela procura mútua, nos outros, dos reflexos da bondade que existe em Deus num grau infinito. Nosso próximo deve ser visto por nós como um espelho da Santíssima Trindade, uma obra-prima ou uma pedra preciosa fulgurante, de incalculável valor, lavrada pelo poder divino. Daí nasce a autêntica consonância, que é a faísca primeira do amor entre as almas chamadas a se unir face a um ideal, para o qual olham em harmonia, como notou com sutileza Saint-Exupéry ao definir a superior forma de união surgida quando “homens do mesmo grupo experimentam o mesmo desejo de vencer”.17 Se entre pessoas que amam a Deus se verifica um imbricamento que tem sua origem neste santo idealismo, fica comprovada a prática do novo mandamento.
Não nos esqueçamos, porém, de que o verdadeiro amor de uns para com os outros deve ser hierarquizado, uma vez que Deus colocou seus reflexos nas almas de forma desigual, dando a cada qual um aspecto único, em uma variedade que manifesta a incomparável riqueza do Criador.
Amor manifestado no empenho de santificar os outros
A extensão do amor divino é incomensurável, pois Deus está disposto a fazer por nós tudo quanto seja necessário, a ponto de ter oferecido a própria vida passando pela crucifixão, o pior suplício de seu tempo. Ele Se imolou por todos e o faria se fosse por um só homem. Por essa razão nosso amor para com os outros também deve ser levado até as últimas consequências, ambicionando para eles o que Deus quer para cada um: a santidade. Desejar que o próximo saia da consideração egoísta, pragmática e interesseira do mundo e rume para a Jerusalém Celeste é a mais perfeita manifestação de amor que podemos lhe dar. Devemos empreender, para isso, todos os meios ao nosso alcance, suportando suas debilidades, corrigindo-o com compaixão, dando bons exemplos e sacrificando nossos gostos e preferências pessoais, se com isso o ajudamos na prática da virtude, ainda sabendo que esses pequenos atos representam muito pouco perto do que nos está reservado ao cruzar os umbrais da eternidade, pelos méritos infinitos do Divino Modelo. Maravilhoso mandamento que, ao ser praticado, ordena a alma e elimina apegos, caprichos e dificuldades do relacionamento humano. Desta maneira, todas as misérias se desvanecem, permanecendo apenas um amor sobrenatural, que é a ternura de Deus pelas criaturas e das criaturas entre si.
É oportuno também aplicarmos esse ensinamento a um plano individual, a cada um de nós. Se esse deve ser nosso amor para com os outros, recordemos que quando a prática da virtude da humildade é mal concebida, temos a tendência de considerar nossas próprias insuficiências para nos autodestruir, indo contra o amor de Deus. Uma vez que fomos criados, podemos afirmar com plena certeza que há em nós algum reflexo divino que deve ser objeto do nosso amor para conosco, paralelo ao amor que Ele nos tem. Quando fazemos algo de bom e Ele nos premeia, não está exaltando o nosso esforço, mas seus próprios dons,18 e, portanto, Se glorifica a Si próprio. E se são os dons d’Ele que reconhecemos em nós, cabe-nos amá-los para praticar o novo mandamento com toda integridade.
O sinal distintivo dos verdadeiros cristãos
35“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”.
Neste último versículo Nosso Senhor dá um passo a mais e declara ser a forma de amor ensinada por Ele o fator distintivo dos que realmente O seguem. As pessoas alheias ao convívio dos cristãos, ao verem um amor tão autêntico, dão-se conta de que ali está presente o próprio Deus. E apesar de ter Ele ido para o Céu, não abandonou sua Igreja, pois prometeu: “Sempre que dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei entre eles” (Mt 18, 20). O fato de vivermos sob o influxo do amor sobrenatural de que Ele nos deu exemplo é um modo de prolongar nesta Terra sua presença, orientando, amparando e instruindo com desinteresse os que também O amam, sem nenhum sentimentalismo, romantismo ou egoísmo, senão com um amor tão puro que cause admiração aos homens e até aos próprios Anjos, a ponto de estes últimos poderem encontrar na face da Terra um límpido espelho do convívio entre os eleitos na visão beatífica.
Continua no próximo post.

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