Comentários ao Evangelho 9º Domingo do Tempo Comum — Lc 7, 1-10 — Ano C 2013
Fé na divindade
Jesus
3 O oficial ouviu falar de Jesus e
enviou alguns anciãos dos judeus, para pedirem que Jesus viesse salvar seu
empregado.
A fama de Nosso Senhor corria
“por todos os lugares da circunvizinhança” (Le 4, 37), escreve o Evangelista,
logo após a narração da cura de um possesso em Cafarnaum. E a notícia chegou
também aos ouvidos do centurião. Certamente, entre os relatos acerca d’Aquele
homem extraordinário, contaram-lhe os numerosos milagres operados em benefício
dos enfermos. Foi o suficiente para o oficial encher-se de confiança: aquele
Mestre dos judeus poderia restabelecer a saúde de seu empregado! Nesse
instante, sem o saber, deu seu primeiro assentimento à graça da fé na divindade
de Jesus, crendo de imediato na onipotência d’Ele, como sublinha Santo Ambrósio:
“Conjecturou que Cristo dava a saúde aos homens não com poder de homem, mas de
Deus”.6
Talvez por considerar-se
indigno de ser atendido por um homem célebre entre os próprios judeus — os
quais procuravam manifestar de modo categórico sua eleição divina e, como consequência
desta, sua superioridade em relação aos gentios —, o centurião pediu aos
anciãos da cidade que apresentassem sua súplica a Jesus, em favor de seu servo.
Atraído pelo Deus verdadeiro
4Chegando onde Jesus estava, pediram-lhe
com insistência: “O oficial merece que lhe faças este favo porque ele estima o
nosso povo. Ele até nos construiu uma sinagoga.
Um oficial romano geralmente
era bem abastado, pois, além da remuneração própria ao cargo, cabia-lhe a maior
parte dos despojos obtidos na guerra. A largueza de posses do centurião de
Cafarnaum é comprovada pelo fato de ter construído uma sinagoga, gesto que
propiciou o sentimento de gratidão do povo pelo benfeitor da religião, dada a
importância dedicada ao culto por todo israelita.
Os anciãos não hesitaram,
então, em interceder por ele junto ao Mestre. No entanto, pelo modo de
apresentar o pedido, podemos perceber como os ensinamentos de Nosso Senhor ainda
não lhes haviam penetrado a mentalidade, pois dizem que o centurião “merece” o
milagre por estimar o povo judeu e ter-lhe feito um benefício. Portanto,
estavam convencidos de que Deus favorecia quem, através de atitudes exteriores,
se mostrava digno de ser por Ele agraciado, dentro da antiga lei da mera reciprocidade.
O milagre se lhes afigurava mais como uma recompensa do que como uma misericórdia
divina, e o Salvador lhes mostrará quão equivocada era tal concepção.
De outro lado, vemos quanto
esse oficial se mostrava simpático à religião verdadeira, sendo provavelmente
“um daqueles pagãos aos quais já não satisfaziam os mitos politeístas, cuja
fome religiosa não se saciava com a sabedoria dos filósofos e que, por conseguinte,
simpatizava com o monoteísmo judaico e com a moral que dele derivava. Era
temente a Deus, professava a fé no Deus único, participava do culto judaico,
mas ainda não havia passado definitivamente ao judaísmo. Todavia, buscava a
salvação de Deus. Manifestava sua fé no Deus único, seu amor e seu temor a Deus
no amor ao povo de Deus e na solicitude pela sinagoga que ele mesmo havia
edificado. Seus sentimentos se expressavam em obras”.7
De fato, a abertura dos gentios
em relação ao judaísmo era fenômeno frequente nesse período histórico em que
diversos povos se encontravam aglutinados sob o jugo de Roma. Tal situação
favorecia as relações entre judeus e gentios, trazendo como consequência que um
considerável contingente de pagãos vivia à maneira judaica, adotando muitos
costumes hebreus, como descreve Flávio Josefo: “Vários outros povos também há
muito tempo ficaram tão impressionados pela nossa piedade, que não há cidade
grega, nem bárbaros, onde não se deixe de trabalhar no sétimo dia, onde não se
acendam lâmpadas e onde não se façam jejuns”.8
Encontrando-se em circunstâncias
de tal modo oportunas, boa parte dos judeus não hesitava em fazer proselitismo,
seguindo o conselho do velho Tobias: “Se Ele vos dispersou entre os povos que
não O conhecem, foi para que publiqueis as suas maravilhas e lhes façais
reconhecer que não há outro Deus onipotente senão Ele” (Th 13, 4). No parecer
de Fillion, o centurião era um dos chamados “prosélitos da porta”, ou seja,
“chegado até o umbral dessa religião superior, na qual não se entrava definitivamente
senão com a condição de fazer-se circuncidar e praticar integralmente a Lei de
Moisés”.9
Eficácia da mediação e da humildade
Então Jesus pôs-se a caminho com eles.
Nosso Senhor toma a iniciativa
de ir até a casa do oficial, expressando desse modo, seu agrado diante de
atitude tão confiante. Repete-se, no caso, uma peculiaridade que já havia movido
Jesus a realizar outros milagres, como a cura da sogra de Pedro (cf. Lc 4, 38-39),
ou o restabelecimento e perdão dos pecados do paralítico descido pela abertura
de um teto (cf. Mc 2, 3-5): o Salvador não exige dos enfermos a manifestação do
desejo de serem curados, bastando-Lhe a fé dos intercessores.
6b Porém, quando já estava perto da casa, o oficial
mandou alguns amigos dizerem a Jesus: “Senhor, não te incomodes, pois não sou
digno dc que entres em minha casa. 7a Nem mesmo me achei digno de ir
pessoalmente a teu encontro”.
O oficial sabia ser proibido
na Lei de Moisés que um judeu entrasse nas casas dos pagãos, sob pena de
tornar-se impuro quem o fizesse. Preocupado com os ritos de purificação aos quais
obrigaria a passar o Mestre, após visitá-lo, e, sobretudo, por julgar que tal
condescendência sobrepujava em muito sua indignidade de pagão, enviou-Lhe uma
mensagem com o objetivo de poupá-Lo de tal constrangimento.
Cabe-nos aqui analisar essa atitude
de humildade: contrastando com o conceito positivo que os anciãos e todo o povo
da cidade tinham a respeito de sua pessoa, o centurião dá provas de uma
equilibrada apreciação de seus próprios predicados, declarando sua pequenez
diante da grandeza de Cristo. Sem dúvida, essa atitude submissa da parte de um
personagem cujo poderio inspirava temor causou considerável impressão na
multidão.
6) SANTO AMBROSIO, apud SÃO TOMÁS DE
AQUINO. Catena Aurea. In Lucam, c.VII, v.1-10.
7)
STÖGER, Alois. El Nuevo Testamento y su mensaje. El Evangelio según San Lucas. Barcelona: Herder, 1970, v.111-i, p.200.
8) FLAVIO JOSEFO. História dos Hebreus.
Contra Apio. L.II, c.9.
9) FILLION, Los milagros de Jesucristo,
op. cit., p.295.
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