Comentários ao Evangelho 9º Domingo do Tempo Comum — Lc 7, 1-10 — Ano C 2013
Naquele tempo, 1 quando acabou de falar ao povo que
o escutava, Jesus entrou em Cafarnaum. 2 Havia lá um oficial romano que
tinha um empregado a quem estimava muito, e que estava doente, à beira da
morte.3 O oficial ouviu falar de Jesus e enviou alguns anciãos
dos judeus, para pedirem que Jesus viesse salvar seu empregado.4 Chegando onde Jesus estava,
pediram-lhe com insistência: “O oficial merece que lhe faças este favor, 5
porque ele estima o
nosso povo. Ele até nos construiu uma sinagoga”.
6 Então Jesus pôs-se a caminho com
eles. Porém, quando já estava perto da casa, o oficial mandou alguns amigos
dizerem a Jesus: “Senhor, não te incomodes, pois não sou digno de que entres em
minha casa.7 Nem mesmo me achei digno de ir pessoalmente a teu
encontro. Mas ordena com a tua palavra, e o meu empregado ficará curado.
8 Eu também estou
debaixo de autoridade, mas tenho soldados que obedecem às minhas ordens. Se
ordeno a um: ‘Vai!’, ele vai; e a outro: ‘Vem!’, ele vem e ao meu empregado
‘Faze isto!’, e ele o faz”.
9 Ouvindo isso, Jesus ficou
admirado. Virou-se para a multidão que o seguia, e disse: “Eu vos declaro que
nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé”.10 Os mensageiros voltaram para a
casa do oficial e encontraram o empregado em perfeita saúde (Lc 7, 1 -10).
A medida de nossa
fé é nossa esperança
Nosso
Senhor Jesus cristo pode e quer nos auxiliar em todas as nossas necessidades.
Mas Ele condiciona a manifestação de sua onipotência misericordiosa à
intensidade de nossa fé.
O VERBO DIVINO É ONIPOTENTE
Pelo semblante se conhece um
homem; pelo aspecto do rosto se reconhece o sábio. A maneira como um homem se
veste e como sorri, e a sua maneira de andar revelam aquilo que ele é”, observa
o Eclesiástico (19, 26-27), transformando em máxima esse curioso matiz do
relacionamento social. De fato, observar o exterior de uma pessoa leva-nos a melhor
conhecê-la, pois algo da própria personalidade transparece tanto através da
constituição física do corpo, quanto por meio de suas reações temperamentais.
Assim, embora o homem não
veja o que se passa no interior de seu semelhante, pode discerni-lo pelas
manifestações exteriores. Tal capacidade de percepção ocupa importante papel na
vida em sociedade, pois, permitindo ao homem formar uma noção mais completa a
respeito de seu próximo, propicia certa facilidade de mútua compreensão e
adaptação, fatores indispensáveis para uma boa convivência.
Não obstante, essa regra teve
uma singular exceção na História: Nosso Senhor Jesus Cristo. Sem dúvida, seu
semblante e modo de ser denotavam, de forma indiscutível, um caráter superior.
No aspecto físico não havia a mínima incorreção; dos gestos e do olhar emanavam
nobreza e sublimidade, além de uma irresistível força de atração sobre quem O
contemplasse, mesmo por poucos instantes. Contudo, por mais extraordinária que fosse
a compleição de Jesus — a qual refletia sua perfeitíssima alma humana —, ela
não evidenciava sua personalidade divina. E essa foi a prova de todos os que
d’Ele se aproximaram durante os 33 anos de sua vida mortal: crer na divindade
d’Aquele Mestre “exteriormente reconhecido como homem” (Fl 2, 7).
Com efeito, se o Verbo Se apresentasse
em toda a magnificência de sua personalidade, ninguém cogitaria ser Aquele o
“filho do carpinteiro”, e todos — até os que se recusassem a aceitá-Lo — seriam
obrigados, pela força da evidência, a ver n’Ele o próprio Deus. Entretanto,
além dos outros efeitos da sua vinda ao mundo, Deus quis dar aos homens o
mérito da fé diante do mistério da Encarnação. Para tal, assumiu totalmente
nossa débil natureza, à exceção do pecado, sujeitando-Se à fome (cf. Mt 4, 2), à
fadiga (cf. Jo 4, 6), à sede (cf. Jo 4, 7) e ao sono (cf. Mc 4, 38).
Sendo patente que Nosso
Senhor era verdadeiro homem, fazia-se necessário demonstrar que Ele era também
verdadeiro Deus. Foi o que fez durante sua vida pública, ensinando com autoridade
e operando milagres. Estes revelavam de modo inequívoco sua divindade, quer
confirmando a veracidade da doutrina — a qual continha revelações acerca de sua
origem divina —, quer por serem feitos por sua própria virtude, ou ainda porque
transcendiam todo o poder criado.1
A onipotência manifestada ao
operar os milagres é um atributo próprio de Deus, intransferível a qualquer
criatura, inclusive à humanidade de Cristo. Portanto, ao usar os predicados humanos
para suspender as leis da natureza — por exemplo, tocando o leproso e
dizendo-lhe: “Eu quero, sê curado!” (Mt 8, 3) —, Jesus mostrava a realidade de
sua Encarnação, na qual, conforme ensina São Tomás, “a natureza humana é
instrumento da ação divina, e a ação humana recebe poder da natureza divina”.2
Daí decorre que, presenciando
um só milagre, até mesmo os que recusavam seus ensinamentos não tinham mais
motivos para duvidar de seu poder divino, como declarou o próprio Re dentor:
“Se eu não faço as obras de meu Pai, não me creiais. Mas se as faço, e se não
quiserdes crer em mim, crede nas minhas obras, para que saibais e reconheçais
que o Pai está em mim e eu no Pai” (Jo 10, 37-38).
As páginas do Evangelho
guardam numerosas passagens nas quais reluz essa onipotência do Homem-Deus. 0
90 Domingo do Tempo Comum traz à nossa consideração uma delas, realçando a
nossos olhos a figura de um pagão cuja fé é elogiada pelo próprio Jesus.
PRENÚNCIO DA CONVERSÃO DOS GENTIOS
Naquele tempo,1 quando acabou de falar ao povo que o
escutava, Jesus entrou em Cafarnaum.
Pouco antes de se dirigir à cidade,
Nosso Senhor concluíra uma de suas mais belas pregações, a qual tivera por prefácio
as bem-aventuranças. Desde o oferecer a outra face ao agressor e emprestar sem
exigir devolução, até o surpreendente “amai os vossos inimigos” (Le 6, 27), o
sermão deixara consignada a nova perspectiva de relacionamento social trazida por
Cristo, a qual estendia a um âmbito universal o amor, então circunscrito aos
limites da reciprocidade. São Lucas registra este discurso como antecedente
imediato do episódio contemplado no Evangelho de hoje, visando mostrar como
Jesus confirma tal doutrina com o exemplo de sua própria conduta.
2 Havia lá um oficial romano que tinha um empregado a
quem estimava muito, e que estava doente, à beira da morte.
São Mateus, narrando este
mesmo fato, precisa a categoria do oficial: é chefe de uma centúria, subdivisão
inferior da infantaria romana, correspondente à sexagésima parte de uma legião.
Devido às vastidões do Império, as legiões eram enviadas a regiões
estratégicas. Na Palestina, havia centúrias estacionadas em locais como
Cafarnaum — por estar situada na fronteira norte da Galileia. Se houvesse
necessidade, recebiam reforço de outras unidades que se encontrassem próximas.
Embora pagãos, os centuriões
gozavam de grande popularidade entre os judeus, por serem tidos por militares
bem conceituados, capazes e experientes na arte da guerra, além de respeitados
por sua autoridade, O centurião deste episódio do Evangelho desfrutava de todas
essas prerrogativas. Estando a serviço do tetrarca Herodes Antipas, comandava
uma das poucas guarnições estacionadas na província, e ali era considerado uma
figura importante.
Já de início, um detalhe desperta
a atenção e nos faz compreender melhor o significado desse primeiro milagre
realizado em favor dos gentios: a sensibilidade do oficial em relação a seu escravo,3
atitude incomum na sociedade da época, regida pelo Direito Romano, o qual
considerava o escravo como res — coisa. Segundo Fillion, tal compaixão era algo
“muito raro entre romanos e gregos, que, em geral, tratavam seus escravos com
enorme desprezo e dureza, chegando frequentemente à crueldade”.4 Além de
revelar uma natural retidão de alma, esse indício dos “nobres sentimentos de humanidade”5
que animavam o centurião deixa transparecer quanto suas disposições consonavam com
os ensinamentos preceituados havia pouco por Cristo.
1)Cf. SAO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica.
III, q.43, a.4.
2) Idem, a.2.
3) Embora na tradução litúrgica conste
“empregado”, o original grego fala em δούγος (douloj), isto é, escravo
4)
FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Vida pública. Madrid: Rialp, 2000, v.11, p.127.
5) FILLION, Louis-Claude. Los milagros de
Jesucristo. Barcelona/México: Circulo Latino, 2005, p.294.
Continua no próximo post.
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