O trecho do Evangelho de São João, hoje contemplado,
pertence ao relato da Última Ceia. Precede a Oração Sacerdotal, e sucede ao
episódio do lava-pés e a diversas afirmações misteriosas do Divino Redentor que
pareceram incompreensíveis aos Apóstolos, como o anúncio da traição de Judas,
da negação de Pedro antes que o galo cantasse, ou ainda da Sua breve partida:
“Para onde Eu vou, vós não podeis ir” (Jo 13, 33).
Encontravam-se eles admirados e perplexos ao extremo
diante do grandioso panorama apresentado por Jesus, tanto mais que suas vidas
estavam em questão, pois poucos instantes antes o Salvador afirmara: “Virá a
hora em que todo aquele que vos matar, julgará estar prestando culto a Deus” (Jo
16, 2).
“Não
sois capazes de compreender agora”
12“Tenho ainda
muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora”.
Chama a atenção ver o Mestre por excelência,
incomparável pedagogo, dotado de divina didática, afirmar que vai silenciar
determinados ensinamentos porque Seus interlocutores não são capazes de
compreendê-los.
Até se poderia ter a falsa impressão de que, por causa
de certas deficiências dos Apóstolos, Nosso Senhor houvera decidido guardar
para Si algumas das doutrinas que deveriam fazer parte da Revelação. E que,
portanto, se os Doze tivessem sido inteiramente fiéis, ter-lhes-ia o Divino
Mestre desvendado muitas outras maravilhas. Afirmar isso, porém, seria grave
erro, pois equivaleria a asseverar que ficou incompleta a missão de Nosso Senhor,
não tendo sido atingida, com Ele, a plenitude da Revelação.
Para bem entendermos este versículo, precisamos
considerar a rudeza dos Apóstolos, sua condição de pessoas simples e a
sublimidade dos ensinamentos que lhes seriam confiados. Tudo isto exigia,
segundo o padre Tuya, “uma transformação radical que, no plano do Pai, estava
reservada ao Pentecostes, como ponto inicial da ação do Espírito sobre eles”.9
Necessitavam dos dons do Paráclito para compreender
certas verdades reveladas, que ultrapassam a capacidade humana de entendimento.
De nada serviria, naquele momento, toda a divina didática de Cristo, sem estar
acompanhada pela ação sobrenatural que se lhes concederia mais adiante. Embora
o Espírito Santo “não fosse melhor mestre que Jesus, Ele, entretanto, lhes
falaria numa oportunidade melhor”, explica Maldonado.10
De outro lado, as palavras de Nosso Senhor não
autorizam a deduzir que tenha havido alguma falta ou infidelidade da parte dos
Apóstolos. Apenas afirma o Divino Mestre serem eles incapazes de compreender,
naquele momento, “muitas coisas” que Ele tinha a transmitir. Nisso nada havia
de desonroso, pois, mesmo decorridos já dois milênios, durante os quais a
doutrina católica foi crescentemente explicitada pelo Magistério pontifício,
pelos escritos dos doutores ou pela voz dos pregadores, muitas das verdades
reveladas permanecem ainda incompreensíveis à razão humana, aguardando uma ação
do Paráclito que venha esclarecê-las.
Uma última reflexão, útil especialmente para nós
sacerdotes. Além de reconhecermos com humildade essa limitação do nosso
intelecto, precisamos saber aplicar, no exercício de nosso ministério, a lição
moral que o Cardeal Gomá tira deste versículo: “A inteligência humana é um vaso
pequeno demais para receber toda a verdade divina. Por isso Deus é
misericordioso a ponto de descer até nós e dar-nos a verdade de acordo com a medida
de nossa capacidade. Tenham isto bem presente aqueles que ensinam, ao povo, as
verdades de nossa Religião”.11
“Ele
vos conduzirá à plena verdade”
13a “Quando,
porém, vier o Espírito da Verdade, Ele vos conduzirá à plena verdade”.
Deveria nosso Redentor partir em breve, vindo em
seguida o Paráclito para abrir as almas dos discípulos à “plena verdade”, isto
é, conduzi-los ao conhecimento completo do que foi revelado. Pois cabe ao
Consolador, como afirma Fillion, finalizar a obra de Jesus, ensinando aos Seus
discípulos “a verdade cristã inteira e completa em toda a sua extensão, e sem
perigo de errarem, ao menos naquilo que lhes fosse necessário para seu futuro
ministério”.12
No mesmo sentido se pronuncia o padre Manuel de Tuya,
ao afirmar: “O contexto do Evangelho de João sugere que, mais do que a uma
revelação absolutamente nova de verdades, feita pelo Espírito Santo, refere-se
a uma maior penetração das verdades reveladas por Cristo aos Apóstolos”.13
Com efeito, no decurso da era da Nova Aliança, o
Espírito Santo não deixa de inspirar progressivamente as almas no sentido de
melhor entenderem a riquíssima doutrina deixada por Nosso Senhor. Tudo quanto
Ele ensinou será passível de desdobramentos e aprofundamentos até o fim do
mundo. E sempre haverá novas pérolas a descobrir nesse inesgotável tesouro,
pois, “embora a Revelação esteja terminada, não está explicitada por completo;
caberá à Fé cristã captar gradualmente todo o seu alcance ao longo dos
séculos”.14
Em relação ao método usado pelo Espírito Paráclito
para melhor fazer penetrar os Apóstolos nas verdades reveladas, Maldonado
interpreta da seguinte forma a expressão “vos conduzirá”: “Conduzir à plena
verdade não significa ensinar de qualquer maneira toda a verdade, mas agir de
modo que o mestre leve quase pela mão o discípulo, e vá ensinando-lhe o caminho
da verdade mais adequado à sua inteligência; ou seja, não expor-lhe todas as
coisas ao mesmo tempo ou em desordem, mostrando primeiro o difícil e depois o
fácil, mas ao contrário, propondo primeiro o fácil e em seguida o difícil, cada
coisa a seu tempo, de acordo com o aproveitamento e a capacidade de quem
aprende”.15
É preciso notar, por fim, que quem não tiver recebido
o Sacramento do Batismo jamais conseguirá atingir certas verdades da nossa Fé,
por maiores que sejam a inteligência e o esforço aplicados. E isto porque a
alma não recebeu a luz do Espírito Santo, que torna compreensível a Palavra
divina.
Assim aconteceu quando Nosso Senhor revelou a
Eucaristia: muitos dos Seus discípulos O abandonaram, por interpretarem Suas
palavras em sentido literal (cf. Jo 6, 48-69); hoje, porém, com o auxílio da
graça do Paráclito, milhões e milhões de fiéis no mundo inteiro participam da
Celebração Eucarística, dobrando os joelhos em adoração, ao serem pronunciadas,
na Consagração, palavras do teor daquelas que outrora tanto chocaram, inclusive
os Apóstolos.
Continua no próximo post.
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