Continuação dos comentários ao Evangelho 19º Domingo Tempo Comum Ano C 2013
Evangelho Lc 12, 32-48
Exortações de
Jesus aos Discípulos
32 Não temais, ó
pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino.
Logo após a parábola do rico insensato (vs. 16-21), Lucas
encadeia uma série de
conselhos do Divino Mestre sobre a necessidade de antes — e acima de tudo —
buscar-se o Reino de Deus e sua justiça, pois, assim procedendo, o resto nos
será dado por acréscimo. Porém, dada a força de nossa concupiscência, os
sentidos dificultam a prática destes conselhos, por mais sapienciais que sejam.
A doutrina convence, mas “a carne é fraca”. Justamente nesse ponto se concentra
o temor: como abandonar-nos nas mãos da Divina Providência? Daí a ênfase deste “não
temais”.
A “pequenina
grei” dos escolhidos
Além disso, confere-lhes o título de “pequenino rebanho”,
figura que com certa frequência encontramos ao percorrer as páginas do Antigo Testamento,
dado o caráter pastoril da sociedade nesse longo período histórico.
Sobre o porquê desse título dado aos discípulos, múltiplas
são as hipóteses entre os autores. Teofilato assim comenta: “O Senhor chama de pequenino rebanho àqueles
que querem ser seus discípulos, seja pelo motivo de, nesta vida, os santos
parecerem pequenos, em virtude de sua pobreza voluntária, seja pelo fato de
serem superados pela multidão dos anjos, cujo número é incomparavelmente maior”
(7).
Beda analisa o referido título debaixo de outro prisma: “O Senhor denomina também de pequenina grei os
escolhidos, comparando-os com o número maior de réprobos ou, mais ainda, por
seu amor à humildade” (8).
Na realidade, a Igreja nascente era minúscula em porte,
número e força, não passava ela de um grãozinho de mostarda. Aqueles poucos não deveriam
temer que lhes viesse a faltar o necessário para sua subsistência própria, pois
o Pai, por um efeito de seu amor gratuito, lhes havia concedido o seu Reino.
Que Pai e que Reino! É Ele o próprio Deus e Soberano Senhor, onipotente e
absoluto, para o qual não há obstáculo capaz de impedi-Lo na determinação de
suas vontades.
Não se trata de um reino terreno: “Meu Reino não é deste
mundo” (Jo 18, 36), disse Jesus a Pilatos. Se fosse um reino em qualquer parte
da terra, estaríamos sôfregos por recebê-lo o quanto antes e empreenderíamos todos
os esforços para possuí-lo. Este Reino é eterno e celestial. Por isso é indispensável
a esse “pequenino rebanho” ter uma plenitude de reciprocidade em relação a tão dadivoso
Pai. Jesus nos dá a garantia de sua palavra absoluta. “Manifesta a razão pela
qual não devem temer, acrescentando: ‘porque agradou a vosso Pai’, etc. Como se
dissesse: ‘Como deixará de ser clemente convosco Aquele que dá graças tão
extraordinárias?’ Mesmo sendo pequenino esse rebanho (por sua natureza, seu
número e sua glória), a bondade do Pai lhe concedeu o destino dos espíritos
celestiais, isto é, o Reino dos Céus” (9).
É belo o comentário de Maldonado à segunda parte deste
versículo: “Cada uma dessas palavras tem
especial sentido e doçura. Diz ‘agradou’, mostrando a particular benevolência e
liberalidade de Deus para com eles; diz ‘a vosso Pai’, chamando Deus de pai
deles, o qual, enquanto pai, não pode esquecer esquecer-se de seus filhos (Is 49, 15); acrescenta: ‘dar-vos’,
como a filhos e herdeiros seus, ‘o Reino’, ou seja, o reino celestial e eterno,
não o terreno e temporal” (10).
“Vendei o que
possuís”, um conselho de Jesus
33 Vendei o que possuís
e dai esmolas; fazei para vós bolsas que não envelhecem, um tesouro inesgotável
no Céu, onde não chega o ladrão, nem a traça corrói. 34 Porque onde está o vosso
tesouro, aí estará também o vosso coração.
No início do Cristianismo, era comum os primeiros fiéis
seguirem à risca este conselho e, ainda hoje, encontram-se alguns casos nessa
linha. Ele, em sua essência, incide sobre dois pontos:
- Em primeiro lugar, nossa propriedade se constitui não só de
bens materiais ou riquezas, mas também de toda sorte de possíveis apegos:
ciência, erudição, amizade, comodidades, prazeres lícitos (e mais intensamente
ainda os ilícitos, quando a eles nos entregamos), etc. Quanto mais desapegado
esteja nosso coração dos objetos terrenos, quer sejam do espírito, quer da
matéria, tanto mais gozaremos da felicidade no tempo e incomensuravelmente mais
na eternidade.
- Um segundo ponto diz respeito à obrigatoriedade, sim ou
não, de vender o que se possui e dar esmolas. Poderíamos a este propósito levantar,
com Maldonado, a seguinte pergunta: “Como,
porém, aqui Cristo manda a todos, em geral, vender tudo o que têm e dar aos pobres, sendo que
em outra passagem (Mt 19, 21) aconselha isso só àqueles que querem ser perfeitos?
A resposta não é difícil: ou aqui Ele fala apenas aos discípulos, os quais queriam
ser perfeitos, ou, se fala a todos os cristãos, refere-se à disposição de espírito,
como dizem os teólogos. Porque, embora não seja a todos necessário vender tudo
quanto tenham, deve-se, isto sim, enquanto cristão, ter a disposição de
espírito de vender todos os seus bens, se for preciso, para não perder Cristo” (11).
Dar na terra
para receber no Céu
Ainda uma palavra sobre os benefícios recebidos por quem dá
esmolas. De si, mais lucra quem dá do que quem recebe: “É maior ventura dar, que receber” (At 20, 35). “Não há pecado que a
esmola não possa apagar. Contudo, a esmola não se faz apenas com dinheiro, mas
também pelas obras, como quando alguém protege um outro, quando um médico cura
ou quando um sábio aconselha” (12).
Daí ser um inesgotável tesouro no Céu nossa riqueza
distribuída aos necessitados, aqui na terra. As virtudes praticadas diante de
Deus para prestar-Lhe culto e louvor, as boas obras, os conselhos dados a
outros, o instruir, orar pelos aflitos e necessitados, como também dar esmolas,
constituem um tesouro no Céu. Nessa categoria se incluem: a invocação aos
santos, a confiança em sua intercessão, a frequência aos Sacramentos, como
também todo ato de piedade e qualquer obra santa.
Voltar o
coração para os tesouros eternos
Pelos costumes da época, a bolsa para moedas era de uso comum
aos homens e às mulheres. Tratava-se de peças de tecido que, apesar de
reforçadas, poderiam vir a desgastar-se com o tempo ou ser danificadas pela
traça, ficando assim em risco
seu conteúdo. Bem pior era a situação, quando a habilidade de algum ladrão
fazia desaparecer essas bolsas de seu lugar habitual, para ali não mais
retornarem.
Pela força de sua própria natureza, não pode o homem deixar
de buscar a felicidade, quer seja neste mundo, quer na eternidade, onde ele
coloca o objetivo de seus anseios. Abandonado às inclinações de sua
concupiscência, ele se entregará às volúpias da matéria e nela colocará o seu
coração.
O exemplo de
Maria
Foi Maria quem, de dentro de nossa natureza, elevou sua alma
virginal a engrandecer o Senhor e a fazer d’Ele seu tesouro. De sua fidelidade
nasceu uma nova raça que São Luís Grignion de Montfort denomina “a raça da
Virgem”, raça esta que constitui o calcanhar da Soberana Senhora, chamada a esmagar
a cabeça da serpente. Ela nos ensina a, desta terra, fazer uma escola preparatória
para o Céu, pois os tesouros aqui perecem, são vis, frequentemente nos
degradam, afligem e nos empobrecem. A morte no-los arrancadas mãos, de maneira
implacável.
O oposto se dá com os tesouros do Céu: eles nos enobrecem,
consolam e nos asseguram uma eternidade feliz. A própria morte nos confere a
posse irreversível destes bens.
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