Evangelho 29º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 (Lc, 18,
1-8)
Com divina didática, Jesus contrapõe à iniquidade de um juiz a obstinada insistência da fragilidade feminina, para nos mostrar a necessidade de sermos incessantes na oração.
1Disse-lhes
também uma parábola, para mostrar que importa orar sempre e não
cessar de o fazer: 2 “Havia em certa cidade um juiz que não temia
a Deus nem respeitava os homens. 3 Havia também na mesma cidade uma
viúva, que ia ter com ele, dizendo: Faze-me justiça contra o meu
adversário. 4 Ele, durante muito tempo não a quis atender. Mas,
depois disse consigo: Ainda que eu não tema a Deus nem respeite os
homens, 5 todavia, visto que esta viúva me importuna, farlhe-ei
justiça, para que não venha continuamente importunar-me.”
6 Então
o Senhor acrescentou: “Ouvi o que diz este juiz iníquo. 7 E Deus
não fará justiça aos seus escolhidos, que a Ele clamam dia e
noite, e tardará em socorrê-los? 8 Digo-vos que depressa lhes fará
justiça. Mas, quando vier o Filho do Homem, porventura encontrará
fé sobre a terra?” (Lc 18, 1-8)
Comentário
ao Evangelho 29º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 (Lc, 18,
1-8)
Mons
João Clá Dias
Com divina didática, Jesus contrapõe à iniquidade de um juiz a obstinada insistência da fragilidade feminina, para nos mostrar a necessidade de sermos incessantes na oração.
A alma humana tem sede do infinito. Por Deus,
assim fomos criados e essa é a razão de vivermos em contínua busca
da felicidade total, sem dores nem obstáculos, num relacionamento
social perfeito e harmonioso. A apetência do ilimitado marca
profundamente todas as nossas ações. Esta é, aliás, a principal
causa do sentimentalismo romântico e de tantos outros desequilíbrios
do convívio humano, no qual buscamos satisfazer entre puras
criaturas esse anseio de infinito só saciável por Deus.
O querer obter, a qualquer preço ou esforço,
algum bem necessário, ou livrar-se de um incômodo insuportável,
não poucas vezes vem penetrado por essa aspiração de plenitude. A
viúva implora sem cessar, o juiz usa de subterfúgios e evasivas
para dela escapar. Por fim vence a insistência da fragilidade sobre
um duro coração amante do bem-estar.
Analisemos a parábola em seus detalhes para, ao
final, aproveitarmos as conclusões daí provenientes.
O juiz iníquo
De que juiz se trata e qual a cidade em que ele
vivia? Não se sabe. A descrição começa como se fosse um conto
para crianças: “Havia em certa cidade...” O episódio é
propositadamente anônimo. O Divino Mestre deseja com esse
procedimento, fixar a atenção de seus ouvintes nos aspectos morais
e psicológicos da parábola e por isso apresenta-a desprovida de
seus eventuais dados históricos.
O juiz era sem dúvida um judeu de raça e
religião, caso contrário, Jesus o caracterizaria como sendo um
homem que não acreditava no Deus Verdadeiro.
Na realidade, em seu modo de agir ele representa
uma clara personificação do ateísmo prático já comum naqueles
tempos, se bem que não tão difuso como nos dias atuais.
Provavelmente ele praticava a religião com exclusão do Primeiro
Mandamento da Lei de Deus. Era, portanto, um mau judeu.
Ora, devendo ser Deus o centro de nossos
pensamentos, desejos e ações, ao ignorá-Lo, ou d’Ele se afastar,
as próprias relações humanas se tornam defectivas e viciadas, ou
seja, deterioram- se todos os princípios do saudável respeito.
Nesse
juiz, vê-se retratado um dos grandes males de nossos tempos: o
desaparecimento da douceur
de vivre,
da benquerença e da admiração no trato social, seja entre iguais,
ou entre inferiores e superiores. Ao se considerar o único ponto de
referência para atender a seus semelhantes, pouco lhe importam estas
ou aquelas qualidades dos mesmos. Ele se move de acordo com a
volubilidade do sopro de seus caprichos e não se inclina a dar
ouvidos aos respectivos pleiteantes, pois lhe falta o necessário
estímulo para conduzir a bom termo suas causas. O egoísmo é sua
lei.
A viúva importuna
3 Havia também na mesma cidade uma viúva, que
ia ter com ele, dizendo: "Faze-me justiça contra o meu adversário".
Nessa mesma cidade havia uma viúva. Como em
todas as épocas, a esposa que se vê desprotegida pela morte de seu
marido, torna-se uma figura digna de pena. Recairá sobre ela, a
parte mais frágil, o ônus da educação dos filhos, sobretudo dos
pequenos, e da administração dos bens e da casa. Se ela não tiver
o amparo de amigos verdadeiros, seu isolamento bem poderá se tornar
dramático, e os interesses egoístas desses ou daqueles se
concentrarão sobre a herança dos menores. Restar-lhe-á o
intransigente vigor de seu instinto materno, acompanhado de suas
amargas lágrimas. Por nada deste mundo ela abandonará as crianças
alimentadas e crescidas em seus braços. Será um modelo insuperável
de obstinação nesse particular. Esse é, bem provavelmente, o caso
da presente parábola.
A viúva deve ter saturado o juiz com suas
inúmeras visitas, implorando-lhe, a cada vez, justiça contra seu
adversário.
Este último, quiçá, fosse um israelita
constituído na fraude e na maldade que — tirando proveito da
existência de um árbitro nada temente da cólera divina — havia
dado largas à sua ganância e, assim, procurava extorquir os bens,
no todo ou em parte, da desamparada e aflita senhora.
A apropriação indébita sempre existiu ao
longo dos tempos. Sobretudo nos casos onde predomina o absolutismo do
mais forte, ao excitarem-se as paixões, se estabelece a lei da
selva.
E
o que poderia fazer uma pobre mulher, nessa crítica situação,
senão recorrer aos tribunais? Por outro lado, o mau israelita terá
grande interesse em manter o
status quo
e, não havendo outra solução, se empenhará, na medida do
possível, em retardar ao máximo qualquer pronunciamento legal.
Ora, as delongas só poderiam agravar o drama da
triste senhora. Daí a grande insistência: “Faze-me justiça
contra o meu adversário”.
A atitude do juiz
4a Ele,
durante muito tempo não a quis atender.
Não nos são desconhecidas as demoras
processuais em nosso Ocidente latino. Mas, nos povos orientais,
naqueles tempos, as intérminas esperas faziam guerra às mais
robustas paciências. Pelas próprias Escrituras Sagradas temos
ciência da existência do suborno na época e, portanto, pode-se
levantar a questão: terá o juiz recebido propostas, ou presentes,
da parte contrária? Por outra, esperava ele alguma oferta da viúva
para solucionar sua causa? O certo é que, por certa razão, talvez
até por puro desleixo, capricho ou preguiça, o julgador se recusava
a ouvir os rogos da autora do processo em curso.
Ainda uma outra hipótese se poderia levantar
para buscar uma explicação de tal atitude. É do conhecimento geral
que a demora muitas vezes resolve inextricáveis problemas. Não
teria sido, o magistrado em questão, partidário de tomar o tempo
como seu conselheiro? Nada leva a crer que assim fosse, pois ele “não
temia a Deus, nem respeitava os homens”, e, portanto, a virtude não
era a lei de seu habitual procedimento.
Continua
no próximo post
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