Comentário ao Evangelho XXVIII Domingo do Tempo
Comum Ano C – 2013 – Lc
17, 11-19
Evangelho - Lc
17, 11-19
“Aconteceu que, caminhando
para Jerusalém, Jesus passava entre a Samaria e a Galileia. 12
Quando estava para entrar num povoado, dez leprosos vieram ao seu
encontro. Pararam à distância, 13 e gritaram: ‘Jesus, Mestre, tem
compaixão de nós!’ 14 Ao vê-los, Jesus disse: ‘Ide
apresentar-vos aos sacerdotes’. Enquanto caminhavam, aconteceu que
ficaram curados. 15 Um deles, ao perceber que estava curado, voltou
glorificando a Deus em alta voz; 16 atirou-se aos pés de Jesus, com
o rosto por terra, e lhe agradeceu. E este era um samaritano. 17
Então Jesus lhe perguntou: ‘Não foram dez os curados? E os outros
nove, onde estão? 18 Não houve quem voltasse para dar glória a
Deus, a não ser este estrangeiro?’ 19 E disse-lhe: ‘Levanta-te e
vai! Tua fé te salvou’” (Lc 17, 11-19).
Dez curas e um milagre
Dez miraculados! Dir-se-ia que todos manifestariam
sua gratidão, embora cada um com suas características próprias.
Entretanto, só um deles — um samaritano — obteve o milagre da
cura da alma. E os outros nove judeus? Não agradeceram...
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
O dever de gratidão das
almas beneficiadas
Raras vezes interrompemos as ocupações cotidianas para
considerar quantos bens nos são concedidos pela Divina Providência
ao longo da nossa vida, ainda que não os tenhamos pedido ou sequer
desejado. Se formos até à raiz de tais benefícios, devemos lembrar
que não existiríamos sem um desígnio de Deus. A partir do nada,
foi Ele constituindo a diversidade de seres, ao longo dos seis dias
da criação, como está descrito no Gênesis, até modelar Adão do
barro e Eva de sua costela, e neles infundir a vida. E cada
nascimento, que ocorre a todo instante no mundo inteiro, é um fato
extraordinário porque à lei física se acrescenta uma lei
espiritual: Deus infunde uma alma inteligente, criada pelo simples
desejo de sua vontade, num corpo concebido pelo concurso do pai e da
mãe.1 E tudo o mais — a saúde, o alimento, o repouso, o conforto
— vem d’Ele, direta ou indiretamente. Além disso, o Criador nos
promete para depois de transpor os umbrais da morte um grande
milagre: tendo nossos corpos sofrido a decomposição, voltando ao
barro do qual fomos feitos, retomaremos um corpo glorioso que se
unirá de novo à nossa alma, já na visão beatífica, e gozaremos
da felicidade de Deus por toda a eternidade.
Quanta bondade! Entretanto… como é a nossa resposta?
Somos gratos por tudo quanto recebemos? Essa é a pergunta que surge
ao considerarmos o Evangelho do 28º Domingo do Tempo Comum que nos
mostra diferentes atitudes tomadas por quem é objeto de um grande
benefício vindo das dadivosas mãos do Salvador.
Saúde, alimento, repouso, conforto... tudo nos vêm
d’Ele direta ou indiretamente
Duas classes de milagre: do
corpo e do espírito
Na época de Nosso Senhor, o leproso, devido à falta de
recursos médicos que possibilitassem o seu tratamento — carência
que se prolongou por muitos séculos —, era um pária desprezado
pela sociedade. Uma vez detectada a enfermidade, era ele apresentado
ao sacerdote que, após um minucioso exame, o declarava legalmente
impuro mediante um cerimonial apropriado. Se é verdade que ele não
era deportado para uma ilha, segundo o costume adotado em tempos
posteriores, deveria, contudo, ausentar-se da cidade, do convívio
humano e viver isolado no campo. Obrigavam-no, ademais, a utilizar
uma veste característica para anunciar a situação de excomunhão
social em que se encontrava e a seguir certas normas, como a de se
deslocar tocando uma campainha para indicar sua presença, de forma
que as pessoas abrissem caminho, evitando o risco de contaminação
pelo contato ou pela simples cercania. Aproximando-se de alguém além
do permitido, recebia de imediato uma severa reprimenda, pelo pânico
gerado diante do perigo do mal se espalhar. Arrastava-se assim
“lamentando-se de si mesmo como o faria por um defunto, com as
vestes rasgadas, a cabeça descoberta e a barba coberta com seu
manto, gritando aos transeuntes, para que não se aproximem:
‘Imundo!’”.2
Ao longo de uma vida sem perspectiva de cura, veria seus
próprios membros apodrecerem até caírem, num processo causador de
nauseabundo odor e de incômodos vários.3 Tal estado produzia, como
é compreensível, um profundo trauma psicológico. Ademais, como as
doenças eram tidas, naquele tempo, como castigo pelos próprios
pecados ou por aqueles cometidos pelos antepassados, a lepra trazia
consigo também um drama moral: ser leproso de corpo significava,
antes de tudo, possuir lepra de alma. “Encontramo-nos com ideias
populares dos antigos, nas quais se mistura o religioso e o natural.
O leproso se considerava castigado por Deus em virtude de pecados
ocultos”.4 Nesse contexto social, desenrola-se a cena recolhida por
São Lucas.
Unidos para suplicar um
milagre
11“Aconteceu que,
caminhando para Jerusalém, Jesus passava entre a Samaria e a
Galileia.12 Quando estava para entrar num povoado, dez leprosos
vieram ao seu encontro. Pararam à distância, 13 e gritaram: ‘Jesus,
Mestre, tem compaixão de nós!’”.
Reza o ditado que a desgraça em conjunto é sempre mais
alegre. Os dez leprosos de que fala o Evangelho formavam uma
sociedade entre si, e deste modo tornavam suas penas mais suportáveis
e garantiam uma companhia até sobrevir a morte, termo forçoso
daquela lenta e dolorosa enfermidade. Sem dúvida, já tinham ouvido
falar do Mestre e sabiam das numerosas curas por Ele operadas, entre
as quais se contavam várias do mal de que padeciam. Ao receber a
notícia da proximidade do Divino Taumaturgo, logo se puseram a
caminho e foram tentar um encontro com Nosso Senhor, com a esperança
de não surgir obstáculo algum que lhes impedisse um contato, mesmo
ao longe.
Com efeito, pelo relato evangélico vemos como esses dez
leprosos cumpriam os preceitos legais, no que se refere à sua
terrível doença. Por tal motivo não ousaram acercar-se demais de
Jesus, e colocando-se a certa distância imploraram a cura, por
misericórdia. Eles obedeceram à Lei, sim, mas faltou-lhes fervor
para se ajoelharem todos juntos diante de Cristo, que decerto os
teria tocado e curado naquele momento, como no episódio antes
ocorrido com outro leproso (cf. Mt 8, 2-4; Mc 1, 40-45; Lc 5, 12-16).
Este fato nos serve de lição para a vida espiritual:
tratando-se do relacionamento com Jesus, devemos agir com plena
confiança e intimidade irrestrita, nunca receando recorrer a Ele,
por piores que sejam os deslizes morais que nos pesem na consciência.
Uma prova para a fé dos
leprosos
14“Ao vê-los, Jesus
disse: ‘Ide apresentar-vos aos sacerdotes’. Enquanto caminhavam,
aconteceu que ficaram curados”.
Percebendo logo a chegada deles, Nosso Senhor os olhou.
Ele não operou a cura naquele ato, por não querer causar demasiada
estupefação na opinião pública. Assim, abrindo um pouco o espaço
no meio da multidão que estava junto d’Ele, mandou, com
autoridade, que fossem se apresentar aos sacerdotes.
Naquela época era muito rara a cura da lepra. Nas
poucas ocasiões em que isso acontecia realmente, ou quando
constatado que o próprio diagnóstico inicial tinha sido equivocado,
sendo o leproso já conhecido como tal na região, deveria por Lei
apresentar-se a um sacerdote. Este lavrava uma ata na qual constavam
as características do caso, desde os primeiros sintomas até o
desaparecimento da enfermidade, e o documento possibilitava ao antigo
doente a reintegração no convívio social (cf. Lv 14, 1-32).
Pois bem, o Mestre determinou esta medida, embora nem
houvesse sinais visíveis de cura. A pronta obediência dos dez
leprosos patenteia a fé que possuíam em Jesus — fruto por certo
de uma moção da graça, infundida pelo próprio Homem-Deus — e
denota a forte convicção de que Ele os curaria pelo caminho.
Estando todos de acordo em observar essa norma, empreenderam a viagem
rumo a Jerusalém.
Podemos conjecturar que eles saíram em conjunto,
experimentando grande consolação interior, pois Nosso Senhor ia
criando graças para alimentar em suas almas a fé na própria cura.
E cada um, segundo sua crença e temperamento, demonstraria isso de
uma forma diferente dos outros. Entre eles, um mais silencioso
pensaria, quiçá, numa lepra pior que a do corpo, que era a do
pecado, pois vivia afastado da religião verdadeira… era
samaritano. Confiante na cura, cogitava no modo de melhor estar à
altura do prodígio de que em breve seria objeto.
Finalmente, durante o percurso, deram-se conta de que a
lepra os abandonara e, sem dúvida, prorromperam em gritos de
alegria. A gravidade do mal de que se viram livres concorre mais
ainda para certificar a grandeza do milagre operado. Apressaram então
o passo para obterem quanto antes o atestado de cura.
Continua no próximo post.
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