Comentários ao Evangelho 32º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 - Lc 20, 27-38
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, E.P .
Evangelho Lc 20, 27-38
27
Aproximaram-se depois alguns saduceus, que negam a ressurreição, e
fizeram-Lhe a seguinte pergunta: “Mestre, Moisés deixou-nos
escrito: ‘Se morrer o irmão de algum homem, tendo mulher, e não
deixar filhos, case-se com ela o seu irmão, para dar descendência
ao irmão.’ Ora, havia sete irmãos. O primeiro casou, e morreu sem
filhos.
30Casou
também o segundo com a viúva, e morreu sem filhos. Casou depois com
ela o terceiro. E assim sucessivamente todos os sete; e morreram sem
deixar filhos. Morreu enfim também a mulher. Na ressurreição, de
qual deles será ela mulher, pois que o foi de todos os sete?”
34Jesus
disse-lhes: “Os filhos deste mundo casam e são dados em casamento,
mas os que forem julgados dignos do mundo futuro e da ressurreição
dos mortos, não desposarão mulheres, nem as mulheres homens, porque
não poderão jamais morrer; porquanto são semelhantes aos anjos e
são filhos de Deus, visto serem filhos da ressurreição. Que os
mortos hajam de ressuscitar, o mostrou também Moisés no episódio
da sarça, quando chamou ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de
Isaac, e o Deus de Jacó. 38
Ora Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, porque para ele todos
são vivos” (Lc 20, 27-38).
A Ressurreição dos corpos
Afirma o Apóstolo que Jesus ressuscitou como “primícias
dos que morrem” (1 Cor 15, 20). São Paulo não perde nenhuma
oportunidade para acentuar a importância da ressurreição final com
vistas a animar aos coríntios por ele batizados a continuarem firmes
na fé, como também no trabalho apostólico. Segundo ele, sem essa
fé, a tendência seria adotar-se um sistema de vida epicurista,
relativista e libertino, conforme a expressão de Isaías: “Comamos
e bebamos porque amanhã morreremos” (22, 13).
No capítulo 15 de sua Primeira Epístola aos Coríntios,
depois de denominar de “insensato” a quem se põe o problema de
como e em que condições ressuscitam os mortos, ele procura
esclarecer de forma muito simples e acessível a revelação sobre a
identidade substancial dos corpos nesta vida terrestre e os
readquiridos após o Juízo Final, apesar das enormes diferenças de
propriedade e aspecto entre o morto e o ressurrecto.
A comparação é retirada da natureza vegetal. Desta,
Paulo faz uma aproximação entre a morte do grão ao ser semeado,
sua posterior germinação e frutificação, com o nosso retorno à
vida, no dia do Juízo. “Assim também será a ressurreição dos
mortos. Semeia-se na corrupção, ressuscita-se na incorrupção.
Semeia-se na ignomínia, ressuscita-se glorioso. Semeia-se na
debilidade, ressuscita-se na força. Semeia-se um corpo natural,
ressuscitará um corpo espiritual” (1 Cor 15, 42-44).
Nosso corpo participa dos
prêmios e castigos da alma
Mais de um milênio após essa proclamação de Paulo, o
Doutor Angélico nos deixaria uma rica e profunda doutrina sobre a
essência dessa revelação. Sempre levando em conta estar a alma
unida ao corpo como forma e matéria, e “como a alma é a mesma
especificamente, parece que deve ter também a mesma matéria
específica. Logo, será o mesmo corpo antes e depois da
ressurreição. E assim, será preciso que esteja composto de carne e
ossos, e de outras partes da mesma classe” 1.
Nosso corpo ressuscitará porque Deus assim quis e
determinou, como também por ser parte integrante de nós mesmos,
merecendo os prêmios ou castigos conforme caibam à nossa alma na
medida em que tenha participado dos méritos ou das iniqüidades da
mesma. Por isso, “entre os bons e os maus permanecerá uma
diferença fundamentada no que pertence pessoalmente a cada um. […]
e como a alma merece, pelos seus atos pessoais, ser elevada à glória
da visão de Deus ou ser excluída pela culpa da ordenação para tal
glória, segue-se, como conseqüência, que todo corpo se conformará
segundo a dignidade da alma” 2.
Os corpos dos justos se
revestirão de glória
A morte não é senão um sono prolongado (cf. Jo 11,
11), e os cemitérios, vastos dormitórios. Os que repousam no pó da
terra despertarão, uns para a felicidade eterna, outros para as
trevas e castigo também eternos (cf. Dn 12, 2). Os bons, já no
acordar, terão seus corpos em claridade. “Pela claridade da alma
elevada à visão de Deus, o corpo, unido à alma, alcançará algo
mais. Pois estará totalmente sujeito a ela pelo efeito da virtude
divina, não só enquanto ser, mas também enquanto ações e
paixões, movimentos e qualidades corpóreas. Portanto, assim como a
alma se encherá de certa claridade espiritual, ao gozar da visão
divina, também, por certa redundância desta no corpo, se revestirá
este, à sua maneira, da claridade da glória”. 3
Ademais, os corpos dos bons, no próprio instante da
ressurreição, gozarão da agilidade. “A alma, que unida a seu fim
último gozará da visão divina, experimentará o cumprimento total
de seu desejo em tudo. E como o corpo se move conforme o desejo da
alma, resultará que o corpo obedecerá absolutamente à indicação
do espírito. Por isso os corpos que terão os bemaventurados
ressuscitados serão ágeis. E isto é o que diz o Apóstolo no mesmo
lugar (1 Cor 15, 43): Semeado na fraqueza ressuscita vigoroso. Pois
experimentamos a fraqueza corporal porque o corpo se sente incapaz de
responder aos desejos da alma nas ações e movimentos que lhe impõe;
fraqueza que, então, desaparecerá totalmente pela virtude que
sobeja no corpo ao estar a alma unida a Deus. Por isso, na Sabedoria
(3,7) se diz também dos justos que correrão como centelhas na
palha, não porque tenham que moverse necessariamente, pois tendo a
Deus de nada precisam, mas para demonstrar seu poder” 4.
O corpo glorioso se levantará da poeira da terra,
espiritualizado, dotado de sutileza. “A alma que goza de Deus se
unirá perfeitissimamente a Ele e participará de Sua bondade em grau
sumo, conforme sua própria medida; e de igual modo o corpo, pois
este se sujeitará perfeitamente à alma” 5.
A impassibilidade dos corpos gloriosos não permitirá a
existência de nenhum defeito, dor ou mal. “A alma que goza de Deus
terá tudo em ordem à remoção de todo mal, porque onde está o
Sumo Bem não cabe mal algum. Logo, também o corpo, aperfeiçoado
pela alma e em proporção a ela, será imune de todo mal, não só
atual, mas inclusive do mal possível. Do atual, porque em ambos nem
haverá corrupção, nem deformidade, nem defeito nenhum. Do
possível, porque nada poderão sofrer que lhes perturbe. E por isso
serão impassíveis. Mas esta impassibilidade não excluirá neles as
paixões essencialmente sensíveis, porque usarão dos sentidos para
gozar daquilo que não repugna o estado de incorrupção” 6.
Ressurreição dos condenados
Os maus também ressuscitarão íntegros. “As almas
dos condenados têm efetivamente natureza boa, que foi criada por
Deus; mas terão a vontade desordenada e afastada do próprio fim.
Portanto, seus corpos, no que se refere à natureza, serão reparados
e íntegros, pois ressuscitarão na idade perfeita, com todos os seus
membros e sem nenhum defeito, nem corrupção que tivesse ocasionado
uma falha da natureza ou enfermidade” 7.
As almas dos maus, ao ressuscitarem seus corpos, estarão
sujeitas a estes; diferentemente da situação dos bem-aventurados,
serão elas carnais e não espirituais. “Como sua alma estará
voluntariamente separada de Deus e privada de seu próprio fim, seus
corpos não serão espirituais, ou seja, sujeitos totalmente ao
espírito, senão que sua alma será carnal pelo afeto” 8.
Nem de longe experimentarão a agilidade dos corpos
gloriosos. Muito pelo contrário, serão de certo modo sujeitos à
lei da gravidade. “Tais corpos não serão ágeis, nem obedientes à
alma, sem dificuldade, mas serão graves e pesados, de certo modo
insuportáveis à alma, tais quais são as mesmas almas que se
afastaram de Deus pela desobediência” 9.
Serão ainda mais sujeitos às dores e ao sofrimento do
que o somos nós nesta vida terrena mas, sem nunca em nada se
corromper, além das respectivas almas serem “atormentadas pela
privação total do desejo natural da bem-aventurança” 10.
E pelo fato de estar a alma excluída da luz do
conhecimento divino, seus corpos serão “opacos e tenebrosos” 11.
Sobre esses desgraçados, triunfará a morte.
Ressuscitarão para ser lançados na morte eterna. A eles não se
aplicarão as palavras de Isaías (25, 8) e Oséias (13, 14) citadas
pelo Apóstolo “A morte foi tragada pela vitória. Onde está, ó
morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1
Cor 15, 55).
Continua...
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