Comentários ao Evangelho III Domingo do Advento Mt 11, 2-11 ( Domingo Gaudete) Ano A – 2013
Mons João Clá Dias
“Naquele tempo, 2 João estava na prisão. Quando ouviu
falar das obras de Cristo, enviou-Lhe alguns discípulos, 3 para Lhe
perguntarem: ‘És Tu, Aquele que há de vir, ou devemos esperar um outro?’.
4 Jesus respondeu-lhes: ‘Ide contar a João o que estais
ouvindo e vendo: 5 os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os
leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados.
6 Feliz aquele que não se escandaliza por causa de Mim!’.
7 Os discípulos de João partiram, e Jesus começou a falar
às multidões sobre João: ‘O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo
vento? 8 O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas? Mas os que vestem
roupas finas estão nos palácios dos reis.
9 Então, o que fostes ver? Um profeta? Sim, Eu vos
afirmo, e alguém que é mais do que profeta. 10 É dele que está escrito: ‘Eis
que envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o teu caminho diante
de Ti’. 11 Em verdade vos digo, de todos os homens que já nasceram, nenhum é
maior do que João Batista. No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que
ele’” (Mt 11, 2-11).
Uma lufada de ânimo para chegar até o fim
Dizia o célebre teórico
de guerra Karl von Clausewitz1 que a melhor forma de vencer um adversário é
fazê-lo perder o ânimo de combater, pois a quebra de sua força moral é a causa principal
de seu aniquilamento físico. Assim, quando empreendemos uma ação com desânimo, não
atingimos a meta. Pelo contrário, quem tem uma confiança sólida, baseada numa
fé vigorosa, desenvolve energias e entusiasmo para perseverar até o fim com
galhardia. Se, por acaso, na realização de um árduo esforço, sentimos faltar o
fôlego, basta uma lufada de esperança para redobrar as boas disposições e
garantir o sucesso.
A Igreja, no 3º Domingo
do Advento — chamado Domingo Gaudete —, tem em vista este propósito: fazer uma
pausa nas admoestações do período de penitência e amenizar a tristeza causada
pela lembrança dos pecados cometidos, para considerar com alegria a perspectiva
do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Em breve seremos libertados de
nossa miséria, se soubermos ouvir os seus ensinamentos e nos abrirmos às graças
que Ele nos traz, e poderemos seguir adiante com entusiasmo, confortados pela
certeza de que nos será dada a salvação. Esse verdadeiro gáudio pela próxima
vinda do Redentor é a nota tônica desta Missa, simbolizada pela cor rósea dos
paramentos e expressa nos textos litúrgicos, sem, todavia, excluir totalmente o
caráter penitencial. Depois do pecado original, a cruz tornou-se indispensável
para obtermos a glória no cumprimento da finalidade para a qual fomos criados.
A sede de felicidade da criatura humana
Se voltarmos nossa
atenção para cada criatura humana, encontraremos em todas elas o desejo de alcançar
a felicidade. Quando Adão, belíssimo boneco de barro, saiu das mãos divinas e
lhe foi infundido um sopro de vida, já possuía ele essa aspiração que era
atendida com largueza por sua participação na própria natureza de Deus, a
Felicidade Absoluta. Tão elevada era a figura deste varão que o Senhor ia
visitá-lo no Paraíso, à hora da brisa da tarde (cf. Gn 3, 8). Eram felizes
nossos primeiros pais! Porém, expulsos daquele local de delícias em consequência
do pecado, Adão e Eva viram-se obrigados a habitar este mundo repleto de
dificuldades, sem perder, entretanto, aquele anseio de felicidade. Ardiam de
desejo de retornar ao estado de outrora, de gozar das maravilhas que tinham
conhecido no Éden. Mais tarde, constituído o povo de Israel, especialmente
amado pela Providência, esperava ele o advento de um Salvador que o tirasse dessa
desditosa situação.
Com o transcurso dos
séculos e dos milênios, os hebreus ― sempre numa tremenda instabilidade e submetidos
à escravidão por diversas vezes ― foram alimentando a ideia de que o Messias seria um homem aquinhoado por
dons meramente naturais, portador de soluções humanas e políticas para todos os
problemas. Sua grande incógnita era acerca da vinda deste enviado que traria a
felicidade, a qual já não concebiam como uma condição semelhante à do Paraíso,
mas segundo padrões terrenos. Algo parecido ocorre conosco, pois sabemos que o
centro de nossa vida e a fonte da alegria é Nosso Senhor Jesus Cristo; contudo,
as ilusões do mundo apontam para uma pseudofelicidade baseada em boa carreira,
na aquisição de um valioso patrimônio, numa posição de prestígio, num vantajoso
casamento ou, talvez, em negócios lucrativos. Numa palavra, a felicidade para
os que assim pensam está na matéria, e não em Deus. Eis aí o lamentável equívoco.
Para desfazer esta
falácia, a Liturgia do Domingo da Alegria nos indica o verdadeiro caminho da
felicidade e oferece um exemplo seguro a seguir.
A alegria de cumprir a própria missão
O episódio narrado na
sequência evangélica do 3º Domingo do Advento dá-se em circunstâncias muito
especiais. Nosso Senhor estava adentrando o segundo ano de sua vida pública e
já realizara inúmeros milagres, encontrando-Se de regresso da pequenina cidade
de Naim, onde por sua iniciativa ressuscitara o filho de uma viúva (cf. Lc 7, 11-15).
Ao passar pelas estradas tortuosas da região entrou no vilarejo e deparou-Se com
alguns homens transportando um morto. Mandou parar o cortejo e restituiu a vida
ao defunto, entregando-o em seguida à sua mãe. Este fato teve enorme
repercussão que, somada à de muitos outros, moveu Israel inteiro a falar do
grande Profeta que havia surgido.
O Precursor pagou sua fidelidade à verdade com a prisão
“Naquele tempo, 2a
João estava na prisão”.
João Batista, varão
íntegro que recentemente abalara Israel com sua pregação e exemplo de vida,
havia sido preso. Em sua retidão, o Precursor dissera algumas verdades ao rei
Herodes Antipas ― que, escravo das próprias paixões, era dominado por uma
concubina, a esposa de seu irmão Filipe ― e, por isso, o tirano resolvera prendê-lo.
Pungente contraste: as paixões desregradas e soltas de Herodes dão-lhe uma
liberdade de ação ilegítima, e a honestidade de João leva-o à prisão.
Na perspectiva do
Domingo Gaudete surge uma pergunta: qual dos dois goza de autêntica alegria, Antipas,
o adúltero, ou São João, encarcerado por sua fidelidade? Devemos nos compenetrar
de que Deus criou o homem para um destino eterno, no gáudio ou no sofrimento. Portanto,
a verdadeira alegria é a que nos conduz à felicidade do Céu, e não aquela que nos
acarreta a desgraça sem fim. No entanto, a humanidade bem gostaria de criar uma
terceira via: um limbo onde não houvesse sofrimento nem possibilidade de visão
beatífica, mas apenas uma vida natural, puramente sensitiva, pela eternidade
inteira.
Lembremo-nos da
importante máxima: “non datur tertius ― não há uma terceira posição”. Esta foi
inventada por satanás ao cair do Céu e é feita de fumaça, é ilusória, pois na
realidade não existe: ou violamos a moral e damos vazão às nossas más
inclinações, reproduzindo em nós a pseudoalegria de Herodes Antipas, ou somos íntegros,
a exemplo de João, e também nós estamos a todo instante na “prisão”, ou seja, subjugando
e acorrentando nossas tendências e paixões desordenadas.
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