Lc 14, 1.7-14 – Comentário ao Evangelho 22º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013
Delírio
farisaico pelos primeiros lugares
7 “Jesus notou como os
convidados escolhiam os primeiros lugares”.
Naqueles banquetes dispunham-se as mesas em forma de “u”,
para facilitar o serviço, acomodando-se os comensais ao longo da parte externa.
O principal lugar, bem ao centro, estava reservado para a autoridade ou a
pessoa a quem se desejava homenagear. À sua direita sentava-se o anfitrião, à
sua esquerda, o primeiro dos convidados e assim iam se instalando os convivas,
por ordem decrescente de importância, até os extremos da mesa.
Naturalmente, nenhum escriba ou fariseu queria ocupar esses
últimos lugares; pelo contrário, disputavam sem inibição e com avidez os postos
de honra. Os problemas de precedência eram tão vivos entre eles que Nosso
Senhor chegara a recriminá-los publicamente por esse defeito: “Ai de vós, fariseus,
que gostais das primeiras cadeiras nas sinagogas e das saudações nas praças
públicas!” (Lc 11, 43).
Para ilustrar a exacerbada ânsia de prestígio que os
dominava, Fillion relata um curioso episódio, extraído do próprio Talmud:
“Certo dia, o rei asmoneu Alexandre Janeu dava um banquete a vários sátrapas
persas, e entre os convidados estava o rabino Simeão ben Shetach. Logo que
entrou no salão, foi ele sentar-se no lugar de honra, entre o rei e a rainha.
Ao ser repreendido por essa arrogante intrusão, respondeu de pronto: ‘Não está
escrito no livro de Sirac: Honra a sabedoria e ela te honrará’? Chegava a este
ponto o enfatuamento dos doutores israelitas naquela época!”.4
Ora, sendo os convidados desse banquete membros da seita dos
fariseus, chegando, começavam logo a manobrar para ficar o mais próximo
possível do anfitrião, a fim de satisfazer seu incontido orgulho. Tomados pelo
delírio de aparecer, disputavam entre si a precedência, sem o mínimo recato,
alegando cada qual em seu favor critérios como idade, relevância da sua
linhagem ou a própria sabedoria, como acima vimos. Pouco se preocupavam em
ouvir algum ensinamento ou admirar a quem quer que fosse; o único critério que
lhes interessava era serem objeto dos elogios e da consideração dos presentes.
Assim ofuscados pelo egoísmo, passara-lhes despercebida na
sala do banquete a presença de Alguém que, enquanto homem, era de estirpe real,
descendente de Davi; e, enquanto Deus, era o Criador do Céu, da Terra, do
alimento que ia ser servido e até dos próprios comensais.
Cristo, entretanto, senta-Se despretensiosamente à mesa, sem
exigir em nenhum momento uma manifestação do respeito devido à Sua Pessoa.
Modo delicado
de repreender
7b “Então contou-lhes
uma parábola: 8a “Quando tu fores convidado para uma festa de casamento…”
Talvez tenha de fato ocorrido, nesse banquete, uma cena
semelhante à descrita pouco adiante na parábola, motivo pelo qual Jesus
preferiu falar em tese, fazendo referência a uma hipotética festa de casamento;
dessa forma, evitava constrangimentos para os demais convidados. Assim opina o
Cardeal Gomá, o qual qualifica de “delicada maneira de repreender os fariseus”
o uso desse recurso literário.5
Segundo Santo Ambrósio, o Salvador os admoesta “com doçura,
para que a força da persuasão conseguisse suavizar a aspereza da correção, e
objetivando também que a razão ajudasse a persuasão, e a advertência corrigisse
o orgulho”.6 Analisando sob outro prisma o fato, observa Fillion: “Jesus
imagina de propósito a cena numa festa de bodas porque em tais circunstâncias,
nas classes abastadas, observa-se mais rigorosamente a etiqueta”.7 E o padre
Tuya acrescenta: “O banquete de casamento ao qual Jesus faz menção é o Reino
Messiânico [...]. Ali, os primeiros lugares estão reservados para os que foram
mais humildes”.8
“Quem se
eleva será humilhado”
8b“...não
ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais
importante do que tu, 9 e o dono da casa, que
convidou os dois, venha te dizer: ‘Dá o lugar a ele’. Então tu ficarás
envergonhado e irás ocupar o último lugar”.
Para realçar os inconvenientes do orgulho, Nosso Senhor
começa por mostrar aos fariseus o quanto a ânsia de ocupar os primeiros postos
era-lhes contraproducente, mesmo do ponto de vista meramente natural. Porque,
conforme ensina São Cirilo de Alexandria, “o elevar-se prontamente a honras que
não merecemos, denota que somos temerários e torna nossas ações dignas de
vitupério”.9
Melhor entenderemos esta parábola se considerarmos que não
vigoravam ainda no convívio social os princípios de cortesia introduzidos pela
benéfica influência do Cristianismo. Naquela época, a ausência de bondade
fazia-se sentir nas relações humanas, regidas pelos princípios da Lei de
Talião: “Olho por olho, dente por dente”. E o trato entre os homens era,
portanto, marcado pelo egoísmo e a dureza, buscando cada um apenas seus
próprios interesses.
Se o convidado da parábola tivesse, por precaução, escolhido
o último lugar, teria sido honrado pelo anfitrião. Entretanto, a procura
imprudente da vanglória, acarretou-lhe ser publicamente humilhado. Aliás, neste
sentido, é interessante notar, com o Cardeal Gomá, “o contraste entre aquele que
baixa, coberto de confusão, e o que sobe, cheio de honra; e entre as duras
palavras ditas ao primeiro e as suaves com as quais o segundo é convidado a
ocupar um lugar melhor”.10
Continua no próximo post