Continuação dos comentários ao Evangelho 1º Domingo da Quaresma - Ano A -Mt 4, 1 - 11
Com o diabo não se conversa
4 Mas Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Não
só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”.
Tomando
uma atitude radical, Ele cortou a conversa com o demônio. Como podemos comprovar
nesta e nas tentações seguintes, suas respostas são taxativas, dadas com a
nítida intenção de encerrar o colóquio. Além disso, o argumento utilizado por Jesus
baseia-se na autoridade da Escritura, contra a qual não há recurso. Ao evocar as
palavras do Deuteronômio, “não só de pão vive o homem” (8, 3), Ele como que
afirmava: “Não só de pão, mas também de pão”. Reconhece a necessidade do
alimento e até do dinheiro, porém, ensina que devem ser utilizados com a
primeira atenção posta em Deus. Seu divino exemplo é de desprendimento das
coisas concretas.
Outra
lição que daí decorre diz respeito ao modo de proceder de Jesus em face de uma
necessidade pessoal. Aquilo que o demônio queria que realizasse em proveito
próprio, ao converter as pedras em pão, Ele o faz depois, em favor de terceiros,
nas Bodas de Caná, ao converter a água em vinho (cf. Jo 2, 1-11), e
multiplicando pães e peixes ao longo da vida pública (cf. Mt 14, 15-21; Mc 6,
30-44; Lc 9, 10-17; Jo 6, 1-13). Sua conduta é perfeita, pois precisamos dar
aos Outros aquilo que o maligno sugere que obtenhamos para nós mesmos, e fazer-lhes
o bem que gostaríamos de receber.
Movido
por sua característica pertinácia, o anjo mau não desiste e faz nova proposta.
A quimera de uma religião sem
cruz
Então o
diabo levou Jesus à Cidade Santa, colocou-O sobre a parte mais alta do Templo,
6 e Lhe disse: “Se és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo! Porque está
escrito: ‘Deus dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, e eles Te levarão nas
mãos, para que não tropeces em alguma pedra”. Jesus lhe respondeu: “Também está
escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus!”
Ðiscutem
os autores se o demônio foi caminhando com o Divino Mestre até a parte mais
alta do Templo ou se usou de suas faculdades angélicas para conduzi-Lo até lá.7
Grande parte deles sustenta que O levou pelos ares, para dar-Lhe a sensação de
que tinha muito poder. Insensatez, pois o tentador não sabia que Jesus Cristo,
enquanto Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o criara e lhe outorgara a capacidade
de realizar este prodígio. “Levava Cristo como se Ele estivesse obrigado, sem
dar-se conta de que ia voluntariamente”.8 No alto do Templo o diálogo continua,
e como Nosso Senhor silenciou satanás na primeira tentação valendo-Se da
Escritura, ele agora contra-ataca, com inteligência, utilizando a mesma arma.
Seu argumento consiste em alegar a proteção que Deus Lhe daria se Ele Se
lançasse do pináculo do edifício sagrado. Não obstante, “as falsas flechas do diabo,
tiradas das Escrituras, são quebradas por Cristo com os escudos verdadeiros das
próprias Escrituras”.9
Nesta
tentação o demônio propunha uma caricatura da Religião verdadeira, excluindo o
papel da dor, do sacrifício e do caminho autêntico para a santidade. Uma
religião baseada no fabuloso, no portento e no prodígio, porque, do principal
local de culto de Israel desceria de forma fulgurante o Messias, muito diferente
do varão crucificado que Nosso Senhor estava destinado a ser, por amor à
humanidade pecadora. A resposta admite dois sentidos, para confundir o diabo e
dar a conversa, mais uma vez, por concluida: “Não me tentes porque Eu sou Deus”
ou “Eu não posso fazer isto, porque seria tentar a Deus”. Nós, porém, podemos
interpretá-la como um ensinamento a respeito da resignação que deve
caracterizar o nosso relacionamento com Jesus. E lícito pedirmos milagres e até
manifestações grandiosas, mas cientes de que se não formos atendidos a nossa fé
tem de permanecer intacta.
O príncipe das trevas sempre tira
o que promete
Novamente,
o diabo levou Jesus para um monte muito alto.
Mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e sua
glória, 9 Lhe disse: “Eu Te darei tudo isso, se Te ajoelhares
diante de mim, para me adorar”, ‘° Jesus lhe disse: “Vai-te embora, satanás,
porque está escrito: ‘Adorarás ao Senhor teu Deus e somente a Ele prestarás culto”.
Então o diabo O deixou, E os Anjos se aproximaram e serviram a Jesus.
Apesar
de ter sido vencido duas vezes, o demônio deseja chegar ao último ponto: ser adorado
por Nosso Senhor, o que suporia uma negação do culto a Deus. Para isto ele
oferece o domínio temporal que — sempre cobiçado ao longo da História —levou
muitos homens a seguir os ídolos, abandonando o verdadeiro Deus. No entanto,
com uma resposta que não prima pela diplomacia, Jesus, em primeiro lugar,
expulsa o príncipe das trevas e, depois, ainda sublinha que apenas ao Senhor —
ou seja, a Ele mesmo — é devido o culto que o maldito pretendia desviar para
si.
Grande
é o contraste entre Adão e Nosso Senhor Jesus Cristo. O primeiro deu ouvidos à
recomendação da serpente, transmitida por Eva, e comeu o fruto, perdendo aquilo
que o demônio prometera: “sereis como Deus” (Gn 3, 5). Pois com o pecado a vida
divina se extinguiu em sua alma, enquanto se tivesse correspondido ao mandado do
Senhor receberia um acréscimo de felicidade, manteria o estado de graça e teria
feito notável progresso na vida espiritual. Portanto, aquilo que o tentador fingia
querer dar foi justamente o que lhe roubou. A Nosso Senhor ele ofereceu o
serviço dos Anjos e todos os tesouros da Terra, coisas que era incapaz de conceder,
mas que foram entregues a Jesus-Homem junto com a realeza sobre toda a
humanidade e sobre a ordem da criação, por ter vencido satanás e ter abraçado
os tormentos do Calvário. Eis um princípio que deve nortear constantemente a
nossa vida, até a hora da morte: nunca podemos dialogar com o demônio, criatura
maldita que sempre tira aquilo que promete. Devemos encerrar qualquer conversa
com ele logo no início, com o apoio da Palavra de Deus, à imitação de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
Continua no próximo post.
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