Comentário
ao Evangelho – II domingo da Quaresma – Mt 17, 1-9 – Ano A – 2014
Seis dias depois, tomou Jesus consigo
Pedro, Tiago e João, seu irmão, e levou-os à parte a um monte alto, e
transfigurou-Se diante deles. O Seu rosto ficou refulgente como o Sol, e as
Suas vestes tornaram-se luminosas de brancas que estavam. Eis que lhes
apareceram Moisés e Elias falando com Ele. Pedro, tomando a palavra, disse a
Jesus: “Senhor, que bom é nós estarmos aqui; se queres, farei aqui três tendas,
uma para Ti, uma para Moisés, e outra para Elias.” Estando ele ainda a falar,
eis que uma nuvem resplandecente os envolveu; e saiu
da nuvem uma voz que dizia: “Este é o meu Filho muito amado em quem pus toda a
minha complacência; ouvi-O”. Ouvindo isto, os discípulos caíram de bruços, e
tiveram grande medo. Porém, Jesus aproximou-Se deles, tocou-os e disse-lhes:
“Levantai-vos, não temais”. Eles, então, levantando os olhos, não viram
ninguém, exceto Jesus. Quando desciam do monte, Jesus fez-lhes a seguinte
proibição: “Não digais a ninguém o que vistes, até que o Filho do Homem
ressuscite dos mortos” (Mt 17, 1-9).
Como
será a felicidade eterna?
A
Transfiguração foi para os discípulos um antegozo do Céu e uma imensa
consolação para enfrentar as futuras provações da Paixão e Morte de Jesus.
Também todo batizado recebe consolações, como estímulo a perseverar no serviço
de Deus.
A imensa felicidade do Paraíso
celeste
São
Paulo declara aos Coríntios ter sido arrebatado ao Céu em certo momento de sua
vida, e lá ter ouvido palavras impossíveis de ser transmitidas e menos ainda de
poder explicá-las: “... foi arrebatado ao paraíso; e ouviu palavras inefáveis
que não é lícito [ou possível] a um homem repetir” (2 Cor 12, 4).
De
fato, para os místicos torna-se difícil externar suas experiências interiores,
e daí bem podemos compreender o quanto faltaram a São Paulo os termos de
comparação para relatar o que com ele se passara, pois, segundo o que ele mesmo
havia dito anteriormente: “nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem jamais
passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que O amam” (1
Cor 2, 9). Essa é a maravilha que nos aguarda no momento de ingressarmos na
vida eterna. E esse deve ter sido um considerável motivo para São Paulo
perseverar até a hora de seu martírio, apesar de ter ele visto então apenas
reflexos do Absoluto que hoje contempla face a face.
Consideremos
em profundidade — até onde pode alcançar nossa inteligência fortalecida pela fé
— qual será a essência de nossa felicidade quando ingressarmos na visão
beatífica.
Visão beatífica e conhecimento de
Deus através das criaturas
Segundo
São Tomás de Aquino, todos os seres criados por Deus poderiam ter sido
superiores, com exceção de três: a humanidade de Cristo, por estar unida
hipostaticamente à pessoa do Filho; a Virgem Santíssima, por ser Mãe de Deus; e
a visão beatífica, por se tratar de visão do próprio Deus 1. São Paulo afirma
ser imperfeito nosso conhecimento nas atuais circunstâncias, mas “quando vier o que é perfeito, o que é
imperfeito será abolido” (1 Cor 13, 10). E torna ainda mais clara essa
idéia utilizando-se desta comparação: “Quando
eu era criança, falava como criança, sentia como criança, discorria como
criança. Mas, quando me tornei homem, dei de mão às coisas que eram de criança.
Nós agora vemos como que por um espelho, obscuramente, mas então veremos face a
face” (1 Cor 13, 11-12).
Tão
rico foi o universo teológico recebido por São Paulo diretamente do próprio
Cristo Jesus que, às vezes, teses de preciosa substância ficam involucradas em
meio de outros temas, ao longo de suas epístolas. Esta, em concreto, é uma
delas. De fato, nosso conhecimento é imperfeito, pois, quer seja no campo
natural da pura inteligência, ou no sobrenatural, mediante a virtude da fé, e
inclusive no da profecia, tem uma nota comum: a elaboração subseqüente
realizada com base nos conceitos criados e com o esforço da abstração.
Pelo
contrário, ao vermos Deus face a face, a fé redundará em visão e, portanto, se
evanescerá com todo o conhecimento abstrativo.
“Agora vemos como que por um espelho...”
ou seja, por meio de um instrumento; conhecemos a Deus só “porque as coisas invisíveis dEle, depois da criação do mundo,
compreendendo-se pelas coisas feitas, tornaram-se visíveis” (Rm 1, 20). E é
a partir desse contato direto com as criaturas que elaboramos outros motivos e
princípios através da própria fé, utilizando conceitos criados. Por isso é
obscuro nosso conhecimento e, portanto, imperfeito. Porém, quando chegar o fim,
teremos um conhecimento imediato, claro e total de Deus, se bem que não
possamos conhecê-Lo totalmente.
A felicidade do ser inteligente:
o exercício de suas faculdades
Talvez
entendamos ainda melhor essa questão se seguirmos o pensamento de São Tomás de
Aquino 2. Segundo o Doutor Angélico, o desejo de felicidade do ser inteligente
leva-o a buscar sua própria perfeição, exercitando suas mais elevadas
faculdades. Isto se verifica até quanto aos próprios sentidos, e por isso
podemos constatar que o olho se regozija ao ver, e o paladar, ao saborear. E em
conseqüência constitui um tormento a inatividade forçada dos mesmos.
Ora, a
felicidade do ser inteligente também se verifica no exercício de suas
faculdades e tornar-se-á ele tanto mais feliz quanto mais nobres sejam essas
faculdades e mais formoso e elevado o objeto sobre o qual se exerçam. Não há
dúvida de que, naturalmente falando, nada há de mais excelente no homem do que
sua inteligência e nada pode superar a suprema verdade que é o próprio Deus. É,
portanto, na inesgotável e sempre renovada visão beatífica que o homem encontra
a plenitude da felicidade, extensiva a todas as suas apetências legítimas,
como, por exemplo, o desejo de governar: “e
reinarão com Ele ...” (Ap 20, 6); ou a necessidade dos bens: “Todos os bens me vieram juntamente com ela,
e inumeráveis obras pelas suas mãos” (Sb 7, 11). “O que é presentemente para nós uma tribulação momentânea e ligeira,
prepara-nos um peso eterno de glória para além de toda a medida” (2 Cor 4,
17).
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