Continuação dos comentários ao Evangelho – VI Domingo da Páscoa – Ano A – Jo 14, 15-21
III – Preparação para a descida do Espírito Santo
15b “...e Eu rogarei ao Pai, 16 e Ele vos dará um outro Defensor, para
que permaneça sempre convosco:”
O termo Defensor — Paráclito,
tradução do original grego Parakletos — significa etimologicamente “chamado a
auxiliar”, como o vocábulo latino Advocatus. Quando Se refere ao Espírito Santo
como Defensor, Nosso Senhor emprega essa palavra no sentido de Advogado. Cabe
ao advogado a função de defender em juízo a causa de seus clientes,
apresentando todos os argumentos e provas para que estes não sejam condenados.
Ora, dada a contingência
humana, todos nós cometemos faltas. Como afirma São João, com exceção apenas de
Nossa Senhora e do próprio Jesus Cristo, Homem Deus, quem diz que não tem
pecado é um mentiroso (cf. I Jo 1, 8).
Assim, todos somos réus e, com
razão, tememos a justiça divina. Como nos apresentaremos diante do Juiz com
essas lacunas, sem termos a integridade de que nos fala o versículo anterior? Por
essa razão, o Divino Pastor nos promete enviar o Defensor para nos auxiliar na prática
da Lei.
De fato, quando agimos bem,
devemos ter certeza absoluta de que nossa boa ação não é fruto de nossa pobre
natureza decaída, mas sim do indispensável auxílio da graça divina. Santa
Teresinha experimentava claramente esta insuficiência ao escrever: “Sentimos
que, sem o socorro divino, fazer o bem é tão impossível como trazer de volta o
Sol ao nosso hemisfério durante a noite”.8
Esse Defensor, afirma ainda
Nosso Senhor, permanecerá para sempre conosco. Ou seja, estará agindo sem cessar,
protegendo e consolando, embora não na mesma intensidade, e por vezes de modo imperceptível.
Cabe-nos, assim, ouvirmos o que Ele nos diz no fundo da alma, seguindo os
princípios e os ditames de nossa consciência. Para isso também, temos
necessidade de uma graça divina.
Se formos fiéis a essas
inspirações, teremos um Advogado contra as acusações apresentadas por nossa
consciência e aquelas que o demônio fará a cada um de nós, no Juízo Particular.
Oposição entre o Espírito Santo e o mundo
17a “o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque
não O vê nem O conhece”.
O que leva o mundo a não ver
nem conhecer o Espírito da Verdade?
Quem resolve seguir princípios
contrários à Lei de Deus, procura deformar e aquietar a sua consciência, para
não ouvir a voz do Espírito Santo que está sempre a indicar-lhe as retas vias
da virtude e da santidade à qual todos — sem qualquer exceção — são chamados,
conforme a doutrina bem explicitada pelo Concílio Vaticano II: “Jesus, mestre e
modelo divino de toda a perfeição, pregou a santidade de vida, de que Ele é
autor e consumador, a todos e a cada um dos seus discípulos, de qualquer
condição: ‘Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito’ (Mt 5, 48) [...]
É, pois, claro a todos que os cristãos, de qualquer estado ou ordem, são
chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade”.9
Participar do relacionamento entre as três Pessoas divinas
17b “Vós O conheceis, porque Ele permanece junto de vós e estará dentro
de vós. 18 Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós. 19 Pouco tempo ainda, e o
mundo não mais Me verá, mas vós Me vereis, porque Eu vivo e vós vivereis. 20
Naquele dia sabereis que Eu estou no meu Pai e vós em Mim e Eu em vós”.
A cena é emocionante. Nesse
discurso de despedida, Nosso Senhor quer deixar patente que cada um de nós,
batizados, faz parte desse relacionamento de familiaridade entre o Pai, o Filho
e o Espírito Santo. Como o Pai está no Filho, a Trindade estará em mim, se eu
amar a Deus e cumprir a Lei. O Espírito Santo estará em mim, e serei templo
vivo d’Ele.
Como devemos, pois, cuidar desse
templo, desse tabernáculo que somos nós mesmos, nunca permitindo que nele entre
a desordem do pecado!
Não existe amor sem humildade
21a “Quem acolheu os meus mandamentos e os observa, esse Me ama”.
Aqui o Divino Mestre retoma a
ideia do início do Evangelho deste domingo: amar a Deus sobre todas as coisas
significa praticar os Mandamentos. Nisto consiste a prova do verdadeiro amor.
Ora, podemos dizer que a base
fundamental para acolher os Mandamentos da Lei de Deus se chama humildade. O
orgulhoso confia em si, julga-se capaz de tudo e, por isso, não verá necessidade
de crer num Deus onipotente. Para acolher os Mandamentos, deve-se rejeitar aquilo
a que a natureza humana decaída aspira: ser considerada deus. A partir do
momento em que a pessoa se inclina ao pecado, começa a ceder em matéria de
orgulho ou de sensualidade, e se não receber uma proteção muito especial da
graça, ela irá até o último limite do mal.
Observa a este propósito o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “Como os cataclismos, as más paixões têm uma
força imensa, mas para destruir. Essa força já tem potencialmente, no primeiro instante
de suas grandes explosões, toda a virulência que se patenteará mais tarde nos
seus piores excessos”.10
O perigo das concessões
De fato, as concessões ao
pecado comparam-se a uma pequena bola de neve que se desprende do alto do
monte, vai crescendo à medida que desce e acaba provocando uma avalanche. Aparentemente
insignificantes no princípio, se não forem combatidas, podem levar a alma ao extremo
desta absurda pretensão: “Hei de subir até o céu e meu trono colocar bem acima
das estrelas divinas, hei de sentar-me no alto das montanhas pelas bandas do norte,
onde os deuses se reúnem! Vou subir acima das nuvens, tornando-me igual ao
Altíssimo” (Is 14, 13-14).
O delírio de querer ser Deus
está incrustado em todo defeito consentido. Ilustra bem isso a tentação
proposta a Eva pelo demônio, incitando- a a comer do fruto proibido: “No dia em
que dele comerdes [...] sereis como deuses” (Gn 3, 5). Comer do fruto da árvore
da ciência do bem e do mal era a única proibição que havia no Paraíso! Contudo,
Adão caiu, e seu pecado produziu, segundo Lacordaire, “efeitos desastrosos,
tais como o obscurecimento do espírito, o enfraquecimento da vontade, o
predomínio do corpo sobre a alma e dos sentidos sobre a razão, consequências
lamentáveis que nos são por demais reveladas pela experiência que fazemos, em
nós mesmos, do império do pecado”.11
Até hoje a humanidade inteira
padece as consequências dessa primeira transgressão a uma ordem de Deus,
cometida no Paraíso. E Nosso Senhor Jesus Cristo teve de encarnar-Se e
voluntariamente derramar todo o seu sangue para repará-la. Por aí se mede
quanto precisamos de vida interior, de oração e de vigilância para cortarmos logo
no início tudo quanto possa nos conduzir ao pecado.
O contrário desta situação nos
é dado pelo maravilhoso convite do versículo seguinte.
Continua no próximo post.
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