Conclusão dos comentários ao Evangelho Solenidade da Assunção de Nossa Senhora – Lc 1, 39-56
Júbilo na eternidade
Que gáudio
incomparável experimentaram todas as almas bem-aventuradas quando Nossa Senhora
ali entrou em corpo e alma! Embora seu Divino Filho já estivesse ressurrecto na
companhia dos eleitos, o fato de unir-Se a eles, sendo a mais bela, elevada e
santa das puras criaturas, foi um surto de consolação para quantos aguardavam a
ressurreição de seus corpos. No que diz respeito aos Anjos, vinham eles
esperando havia muito tempo tal acontecimento, pois Maria fora a pedra de
escândalo, o sinal de contradição que dividira o mundo angélico, e a fidelidade
a Ela, enquanto protagonista do plano divino, havia sido a causa da beatitude
dos bons.
Ao lado deste, outro
motivo os fazia ansiar pela chegada da Virgem Santíssima: ao criar o Céu
Empíreo, Deus o fez de modo definitivo, tendo preparado desde o início todos os
tronos destinados aos Bem-aventurados e, dentre estes, o de Nosso Senhor Jesus
Cristo Homem e o de Nossa Senhora Rainha. Assim, desde muito antes que ambos
nascessem, os Anjos observavam e admiravam a magnificência dos lugares
reservados para Eles, perguntando-se quando seriam ocupados. No caso de Maria,
é possível que Deus os tenha deixado em certo suspense, sem revelar pormenores
sobre a sua natividade, a fim de que levantassem hipóteses ao longo da História
da salvação, permanecendo sempre atentos para discernir quando a prevaricação
do povo eleito O levaria a suscitar aquela filha perfeita. Ávidos de vê-La sentada
no trono que Lhe fora destinado, queriam venerá-La, prestar honras e homenagens
a uma Rainha que, sendo apenas criatura humana, teria mais graça que todos eles
juntos. E no instante de sua subida aos Céus que, finalmente, veem a realização
desse anseio, e com quanto júbilo!
A coroação da Santíssima Virgem
Tendo Nossa Senhora completado
sua missão, bem podemos imaginar como foi seu triunfo no Céu: as três Pessoas
da Santíssima Trindade A receberam e A glorificaram. Coroada pelo Pai, que Lhe
conferia o poder impetratório e depositava em suas mãos o governo da criação,
Maria Santíssima passou a ser a administradora dos tesouros divinos; um suspiro
d’Ela é capaz de mover a vontade do Criador, O Filho, a Sabedoria Eterna e Encarnada,
Lhe deu toda a sabedoria, e o Espírito Santo, enquanto seu Esposo, Lhe concedeu
a faculdade de santificar as almas.
II - HUMILDADE, FONTE DA GRANDEZA
Toda a grandeza que contemplamos
em Maria Santíssima tem origem em sua humildade, o que se torna patente no trecho
do Evangelho recolhido pela Santa Igreja para esta Solenidade. Em sua primeira
parte vemos, sobretudo, o quanto Santa Isabel A elogia e exalta. Como já
tivemos oportunidade de fazer extensas considerações a esse respeito,10
limitemo-nos, no restrito espaço do presente artigo sobre a Assunção, a
comentar de modo breve as palavras de Maria, isto é, o Magnificat.
Riquíssimo e de
incomparável beleza, como convém a um cântico nascido dos lábios da Santíssima
Virgem, bem pode ser considerado como um marco na História, dividindo-a em duas
fases: o que veio antes, o egoísmo; e o que veio depois, a santidade, fruto da
humildade. Com o pecado original o orgulho foi introduzido na humanidade,
maculando sua trajetória, até o momento em que, sem nenhuma sombra desse vício,
nasceu Maria. Sua Visitação a Santa Isabel é para nós exemplo da preocupação
que precisamos ter uns com os outros, procurando que cada um venha a ser mais
do que é.
A humildade de Maria Lhe fez merecer a glória
46 Então Maria disse: “A minha alma engrandece o Senhor, o
meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, 48 porque olhou para a humildade
de sua serva. Doravante todas as gerações Me chamarão Bem-Aventurada, 8 porque
o Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor. O seu nome é Santo, 50 e sua
misericórdia se estende, de geração em geração, a todos os que O respeitam”.
Deus é a Bondade e,
portanto, sumamente dadivoso, pois é próprio à sua natureza a constante
disposição de dar. O grande problema somos nós mesmos, já que, com frequência,
colocamos obstáculos à sua generosidade. Nos primeiros versículos do Magnificat,
Nossa Senhora mostra como o Senhor olha para suas criaturas com amor e desejo
de conceder seus dons. Ele nos quer tanto que, em virtude desse amor, vai
infundindo em nossas almas o Bem — que é Ele mesmo. Este é o princípio e a raiz
de toda perfeição e santidade, e não o esforço pessoal, como, talvez, poderíamos
ser levados a crer. Maria não levantou obstáculos a esta ação divina devido ao
reconhecimento de seu próprio nada, e a claríssima consciência de sua contingência
fez com que o olhar criador de Deus pousasse sobre Ela e operasse maravilhas.
Sua humildade Lhe deu mérito para ser a Mãe de Deus e, tendo-se acrisolado ao longo
da vida terrena, tomou-A digna da Assunção aos Céus.
Uma figura pode
ajudar a entendermos com mais clareza esta verdade: imaginemos uma grande
bordadeira que, ao receber de presente certo tecido de linho branco, idealiza
um bordado extraordinário. Contudo, se lhe for oferecido um tecido estampado
ela não terá como exercer suas habilidades. O mesmo se passa quando Deus
encontra em nossas almas o vazio, pois decide realizar nelas um magnifico
“bordado”, como o fez com a Virgem Maria.
Quando conhecemos
pessoas cheias de si ficamos compadecidos, pois damo-nos conta de que impedem a
Deus de cumulá-las com sua graça. Falta-lhes a humildade. Esta vai se tornando
rara em nossos dias e não deve ser confundida com uma falsa virtude propugnada
pelo igualitarismo, desdobramento do orgulho, por sua vez pai de todos os
vícios e causa mais profunda de tantos desvarios sentimentais e impuros. A
autêntica despretensão existe quando há disponibilidade em relação a Deus,
inteira consonância com Ele, abandono em suas mãos e desejo de cumprir sua
santíssima vonta de. Quanto falta à sociedade de hoje esse estado de espírito!
As promessas do mundo face às promessas de Deus
51 Ele mostrou a força de seu braço: dispersou os
soberbos de coração. 52 Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. Encheu
de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias”.
O cântico do
Magnificat passa, nestes versículos, para uma segunda parte. Na primeira, como
vimos, Maria descreve os favores recebidos, e nesta segunda mostra o nada do
mundo, a fim de ressaltar o quanto ele e o demônio, com aparência de grande poder,
fazem promessas muito diferentes das divinas. A paz mundana pareceria acalmar
todos os nossos desejos ilegítimos, fruto do pecado original. No entanto,
quando algo nos é proposto pelo adversário de Deus, tenhamos a certeza de ser
precisamente o que ele nos irá roubar. O demônio promete a glória, e é a glória
eterna que nos arrebata; promete o bem-estar, e é o bem-estar que nos tira,
porque se pecarmos seremos infelizes nesta vida e depois por toda a eternidade,
tal como ele.
A paz oferecida por
Deus exige luta. “Si vis pacem, para bellum — Se quereis a paz, preparai-vos
para a guerra”.1’ Dentro de nós, para adquirir a verdadeira paz, é preciso
guerrear contra nossas más inclinações e sermos heróis. E então que se
manifesta em nós “a força de seu braço”, que é onipotente e derruba os orgulhosos,
enquanto “levanta do pó o indigente e tira o pobre do monturo, para, entre os
príncipes, fazê-lo sentar-se” (Sl 112, 7-8).
Ao mesmo tempo, Ele
enche de dons e graças aquele que tem sede e fome de justiça, e despede de mãos
vazias os que se julgam cheios dos bens do mundo, ou seja, prestígio, fortuna,
ciência, etc.
Deus sempre supera nossas expectativas
54 “Socorreu Israel, seu servo, lembrando-Se de sua
misericórdia, 55 conforme prometera aos nossos pais, em favor de Abraão e de sua
descendência, para sempre”.
Na última parte de
seu inspirado cântico, Nossa Senhora frisa como Deus — opostamente ao demônio, ao
mundo e à carne — dá tudo quanto promete e o faz em superabundância. Ele nos
oferece uma vida eterna extraordinária, e quando virmos a realidade nos daremos
conta de que nos concedeu muito mais do que éramos capazes de imaginar. A luz
da contemplação da glória de Maria, neste dia somos convidados, com o
Magnificat, a ter o coração repleto de confiança no Senhor que, em sua
prodigalidade divina, quer nos cumular de bens desde que não coloquemos
obstáculos.
III - UM CAMINHO DE LUZ É ABERTO A TODOS
Liturgia desta
Solenidade nos abre grandes portas e um caminho florido e cheio de luz, no que
diz respeito à salvação eterna. Diante do penhor de nossa ressurreição, que nos
é dado pelo mistério da Assunção de Maria Santíssima, deveríamos nós considerar
mutuamente uns aos outros segundo esse ideal, como se estivéssemos já
ressurrectos, pois acima do abatimento e das provações desta vida brilha a esperança
da glorificação para a qual rumamos.
Vivamos buscando os
bens do alto, e que nosso pensamento acompanhe o trajeto seguido por Maria
Virgem. Ela penetrou no Céu em corpo e alma e foi exaltada; nós, na hora presente,
como não podemos adentrá-lo fisicamente, façamo-lo ao menos em desejo.
Voltemo-nos para o trono de Maria Assunta, e assim receberemos graças sobre
graças para estarmos sempre postos nesta via que nos conduzirá à ressurreição
feliz e eterna, quando recuperaremos os nossos corpos em estado glorioso.
1) SOLENIDADE DA
ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA. Oração do Dia. In:MISSAL ROMANO. Trad. Portuguesa da
2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos
aprovados pela Sé Apostólica. 9.ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.638.
2)Cf. STO AGOSTINHO
De Civitate Dei. L.XI, c.19. In: Obras. 3.ed. Madrid: BAC, 1977, v.XVI, p.717.
3) Cf. SAO TOMAS DE
AQUINO. Suma Teológica. I, q.61, a.4.
4) SÃO BERNARDO.
Sermones sobre el Cantar de los Cantares. Sermón XVII, n.4. In: Obras
Completas. Madrid: BAC, 1955, v.11, p.106.
5) Cf. SAO TOMAS DE
AQUINO, op. cit., q.58, a.6; a.7.
6) SANTO AGOSTINHO.
De Genesi ad litteram. L.IV, c.30, n.47. In: Obras. 2.ed. Madrid: BAC, 1969, v.XV, p.632.
7) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., II-II, q.24, al.
8) SANTO ALBERTO MAGNO. Mariale. Q.
XLVI, n.l. Buenos Aires: Emecé, 1948, p.235.
9) Cf. SÃO TOMÁS DE
AQUINO, op. cit, III, q.57, a.3.
10) Cf. CLÁ DIAS, EP,
João Scognamiglio. A arrebatadora excelência da voz de Maria. In:Arautos do
Evangelho. São Paulo. N.132 (Dez., 2012); p.10-17; Comentário ao Evangelho do
IV Domingo do Advento — Ano C
11) Este adágio
latino provém de um antigo texto romano, de fins do século IV, dC: “Igitur qui
desiderat pacem, prceparet bellum; qui victoriam cupit, milites imbuat di
ligenter; qui secundos optat eventus, dimicet arte, non casu. Nemo provocare,
nemo audet offendere, quem intellegit superiorem esse pugnaturum” (VEGETI
RENATI, Flavii. Epitoma rei militaris. L.III, proem. Lipsiæ: B. G. Teubneri,
1869, p.64).
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