Tríduo Pascal

sábado, 9 de novembro de 2013

Evangelho IV Domingo do Advento – Ano A – 2013 – Mt 1, 18-24

Comentário ao Evangelho – 4º Domingo do Advento  - Ano A  – 2013 – Mt 1, 18-24
           Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Evangelho -  Mt 1, 18-24
18 “A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua Mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. 19 José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em segredo. 20 Enquanto José pensava nisso, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: ‘José, filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque Ela concebeu pela ação do Espírito Santo. 21 Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois Ele vai salvar o seu povo dos seus pecados’. 22 Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: 23 ‘Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, o que significa: Deus está conosco’. 24 Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado e aceitou sua esposa” (Mt 1, 18-24).
Dois silêncios que mudaram a História
Duas criaturas puramente humanas intervêm no mais grandioso acontecimento da História: a Encarnação do Verbo. Diante do silêncio de Maria face à realização n’Ela desse sublime Mistério, São José atravessa uma provação terrível e lancinante. E pratica, também em silêncio, um dos maiores atos de virtude jamais realizados sobre a Terra.
Dois silêncios se entrecruzam
Com breves e inspiradas palavras, narra-nos São Mateus o mais grandioso acontecimento da História, a Encarnação do Verbo, e os episódios subsequentes.
À primeira vista, a singela descrição do Evangelista pode-nos causar a impressão de que tudo transcorreu de modo suave e aprazível, não havendo lugar para qualquer sofrimento e menos ainda para a terrível provação que levou São José à extrema decisão de “abandonar Maria em segredo”.
Tanto nesta passagem do Evangelho quanto na de São Lucas que, com igual simplicidade, narra a Anunciação do anjo a Maria (cf. Lc 1, 26-38), deparamo-nos com realidades situadas no mais alto plano da Criação, acessíveis à nossa inteligência somente pela luz da Fé, que nos faz vislumbrar os grandes mistérios da graça e da glória.
Conforme revela o anjo, Maria será Mãe por obra do Espírito Santo, sem concurso humano. Precisamente por esse motivo, dir-se-ia ser São José na Sagrada Família um mero complemento destinado a fazer o papel de pai apenas para efeitos civis e de opinião pública. Sua função seria, então, quiçá dispensável, no plano da Encarnação do Verbo e, portanto, na Redenção do gênero humano.
Sem embargo, uma consideração mais aprofundada do Evangelho proposto para este 4º Domingo do Advento nos revelará atraentes verdades a respeito deste varão incomparável, pai adotivo de Jesus e esposo da Virgem Imaculada.
Após a Encarnação, Maria guarda silêncio
18 “A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua Mãe, estava prometida em casamento a José e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo”.
De acordo com o direito judaico da época, o matrimônio entre israelitas era constituído por dois atos distintos aos quais poderíamos chamar de esponsais e núpcias.
Antes do casamento, os pais dos nubentes redigiam o contrato matrimonial, onde constavam os bens que cada parte entregaria para formar o patrimônio da nova família. Bem estabelecido esse ponto, realizava-se uma cerimônia, diante de testemunhas, na qual o noivo entregava simbolicamente à noiva um objeto de valor. Com esse gesto ficava selado o compromisso, tornando-se os contraentes marido e mulher, pois os esponsais judaicos “constituíam verdadeiro contrato matrimonial”.1
Embora a partir desse momento fosse permitido ao casal morar sob o mesmo teto, era costume esperar até as núpcias, que seriam celebradas algum tempo depois, durante as quais o esposo conduzia solenemente a esposa à sua casa, entre festas e manifestações de júbilo.
Assim, ao afirmar que Maria “estava prometida em casamento a José e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo”, o Evangelista situa o momento da Encarnação do Verbo no período posterior à cerimônia do compromisso, mas antes de Maria ir habitar na casa do esposo.
É nesse intervalo que a Mãe de Deus, acompanhada por José, empreende a viagem à casa de sua prima. Ainda não eram visíveis os sinais da gravidez de Maria; e quando Isabel glorificou-Lhe a maternidade divina, proclamando-A bem-aventurada, falou sob inspiração do Espírito Santo.
A solene saudação da prima não perturbou nem surpreendeu a Virgem Maria; mas, exímia na prática da humildade, esforça-Se em elevar a atenção até Deus, proclamando no Magnificat as grandes maravilhas feitas n’Ela pelo Altíssimo. Nada diz da aparição do Arcanjo Gabriel, nem sequer anuncia a maior novidade de todos os tempos: a chegada do Redentor!
Pareceria compreensível que Ela convidasse parentes e amigos para se unirem em orações de preparação e de ação de graças, durante os nove meses de espera do nascimento do Messias. Entretanto, Maria guarda completo silêncio sobre aquele mistério inefável, até com o próprio esposo, pois nenhuma ordem recebera de Deus em sentido contrário. Revela, assim, uma excelsa submissão e docilidade aos desígnios da Providência.
O esposo de Nossa Senhora era justo
19ª “José, seu marido, era justo...”.
São José era justo, frisa o Evangelista. E diante dessa Virgem que lhe fora dada como esposa, cuja virtude deixou surpresos até os anjos,2 tomou uma atitude humilde e admirativa.
Pode-se conjecturar que, à medida que melhor A ia conhecendo, crescia seu enlevo por Ela. Percebia a indignidade de qualquer homem, por mais virtuoso que fosse, para ser esposo daquela Virgem angelicalmente pura, que não padecia da fames peccati, a inclinação para o mal presente em todos os seres humanos.
Certamente, admirava-se de ver como tudo Ela fazia de maneira perfeita: desde um simples movimento de mão ou um rápido olhar, até a forma de pronunciar as palavras com o mais harmonioso dos timbres de voz; o modo incomparavelmente afável de acolher os outros ou o recolhimento com que rezava. A cada dia devia aumentar sua convicção de estar em total desproporção com aquela Virgem Santíssima que a Providência lhe outorgara por esposa.
Ora, alguns meses depois, quando São José foi buscar Nossa Senhora na casa de Santa Isabel, eram visíveis os sinais da gestação do Menino Jesus. Contudo, Ela nada lhe disse... E ele nada perguntou...
Uma coisa era certa: como afirma um famoso mariólogo, “ele bem sabia como era admirável a virtude de Maria, e, apesar da evidência exterior dos fatos, não conseguia acreditar ser Ela culpada”.3
A santidade da Virgem Maria era inquestionável e afastava qualquer suspeita da mente do Santo Patriarca. Todavia, também evidente e inexplicável era a realidade. Compreendeu, então, que se deparava com um mistério e, não diminuindo em nada sua admiração pela Virgem das Virgens, aceitou sem reparos os desígnios divinos que não alcançava a entender. A virtude ímpar de sua Esposa falava mais alto do que aquela situação incompreensível, como canta com inspiradas palavras São João Crisóstomo: “Ó inestimável louvor de Maria! Acreditava São José mais na castidade de sua Esposa do que naquilo que seus olhos viam, mais na graça que na natureza: percebia claramente que Ela era Mãe, e não podia crer que fosse adúltera; julgou ser mais possível uma mulher conceber sem concurso de varão do que Maria poder pecar”.4

Não há dúvida de que São José, diante do mistério da milagrosa Encarnação do Verbo, proclama um verdadeiro “fiat!”. Pois, sem deixar-se levar por uma visualização humana, e confiando inteiramente na virtude da Mãe de Deus, põe-se docilmente nas mãos da Providência: “Faça-se aquilo que Vós quereis, embora eu não chegue a compreendê-lo!”.
José decide abandoná-La em segredo
19a “... e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em segredo”.
Segundo a lei mosaica, estando Maria para dar à luz sem a menor participação dele, devia José adotar uma das quatro atitudes seguintes: a primeira era denunciar a Esposa a um tribunal, pedindo anulação dos esponsais; a segunda, levá-La para sua casa, como se fosse o pai do nascituro; a terceira, repudiá-La publicamente, embora escusando-A e sem pedir castigo; e a quarta, emitir libelo de repúdio em privado, diante de duas testemunhas e sem alegar os motivos.5 Ora, qualquer dessas hipóteses era impensável para São José, pois em todas ficaria lesada a honra de Nossa Senhora.
Havia, entretanto, uma quinta saída: fugir, abandonando a esposa grávida, subtraindo-se assim às obrigações impostas pela Lei. Deste modo, assumiria sobre si a infâmia de ter abandonado sem motivo a esposa inocente e o futuro filho, ficando ele mal perante a sociedade. Foi esta a sua escolha.
Ademais, como bem aponta uma importante corrente de comentaristas, diante de mistérios sobrenaturais de tal maneira impenetráveis, São José sentia-se cada vez menos merecedor do sublime convívio com Maria Santíssima e o Filho que d’Ela iria nascer. Assim entende, por exemplo, o padre Jourdain: “José quis afastar-se de Maria por julgar-se indigno de viver na companhia de uma virgem tão santa”.6
Silêncio motivado pela humildade
Bem se compreende que José tenha resolvido abandonar Maria “em segredo”, a fim de pô-La a salvo de qualquer suspeita. Mas, por que ocultar-Lhe essa decisão? Somente um extremo de delicadeza, próprio das almas mais alcandoradas, pode nos explicar esse silêncio: receava colocar sua Esposa na contingência de expor-lhe aquele mistério que ele, por humildade, julgava não ser digno de conhecer.
Na viagem de volta da casa de Santa Isabel, possivelmente, meditava São José sobre tudo isso em seu coração, e ao chegar a Nazaré foi dormir, na paz, com a disposição de no dia seguinte partir às ocultas. Nossa Senhora, por sua vez, tendo ciência infusa, discernia o que se passava na alma do esposo, e rezava. Que admirável equilíbrio de alma o do santo Patriarca, capaz de, nessas circunstâncias, conciliar o sono! Quão extraordinária virtude a desse incomparável varão, cuja alma a Providência acrisolava com o sofrimento, a fim de melhor prepará-lo para o seu papel de pai jurídico de Jesus e guardião da Sagrada Família!
O anjo do Senhor resolve o impasse
O episódio da provação de São José é dos mais pungentes e grandiosos já havidos, em matéria de confiança. Nele, esta virtude é eximiamente praticada tanto por Nossa Senhora em relação a Deus e a seu esposo, como por este em relação a Deus e a Ela.
Ambos souberam manter um silêncio humilde e confiante. Vejamos como resolveu a Providência o impasse criado por esses dois silêncios que se entrecruzaram...
20a “Enquanto José pensava nisso, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: ‘José, filho de Davi ...’”.
Frisando ser José, como Maria, filho de Davi, o anjo evoca a promessa divina de que Cristo nasceria dessa linhagem, ou seja, da mais nobre estirpe do Povo Eleito. Afirmação esta que Fillion leva mais longe ainda, ao escrever: “José era então o principal herdeiro de Davi”.7
Aparece aqui um importante elemento para bem avaliarmos o papel de São José na Sagrada Família e na própria ordem da Encarnação. Assim como Deus escolheu desde toda a eternidade a Mãe da qual nasceria Jesus, algo semelhante fez com aquele que seria o pai nutrício do Verbo Encarnado, dotando-o dos mais altos atributos, inclusive do ponto de vista natural.
O anjo dissipa a provação de São José
20a “... não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque Ela concebeu pela ação do Espírito Santo”.
Para dissipar a provação de José a respeito de sua insuficiência no campo sobrenatural em relação à santidade de Maria, o anjo o convida a não ter medo de recebê-La como esposa. Ao anunciar-lhe que Maria concebera pelo Espírito Santo, mostrava-lhe também não estar Ela — como, aliás, nenhuma criatura humana — à altura desse sublime Mistério. Portanto, o Paráclito que A escolheu haveria de dar-Lhe as graças para o cumprimento de sua incomparável missão. E o mesmo se passaria com ele, José.

Má vontade diante do milagre patente
8 “Os vizinhos e os que costumavam ver o cego — pois ele era mendigo — diziam: ‘Não é aquele que ficava pedindo esmola?’. 9 Uns diziam: ‘Sim, é ele!’. Outros afirmavam: ‘Não é ele, mas alguém parecido com ele’. Ele, porém, dizia: ‘Sou eu mesmo!’. 10 Então lhe perguntaram: ‘Como é que se abriram os teus olhos?’. 11 Ele respondeu: ‘Aquele homem chamado Jesus fez lama, colocou-a nos meus olhos e disse-me: ‘Vai a Siloé e lava-te’. Então fui, lavei-me e comecei a ver’. 12 Perguntaram-lhe: ‘Onde está ele?’. Respondeu: ‘Não sei’”.
Um fato tão extraordinário como este foi motivo de grande sensação, comentários e discussões entre “os vizinhos e os que costumavam ver o cego” pedindo esmolas. O sintético relato evangélico não especifica se houve manifestações de entusiasmo, de incredulidade ou de ódio. Contudo, parece certo que a primeira reação de alguns foi, pelo menos, de “ignorar” a evidência da cura milagrosa. Indício disso é o tom reservado das respostas do feliz beneficiário do milagre.
Má-fé e dureza de coração dos fariseus
13 “Levaram então aos fariseus o homem que tinha sido cego. 14 Ora, era sábado, o dia em que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego. 15 Novamente, então, lhe perguntaram os fariseus como tinha recuperado a vista. Respondeu-lhes: ‘Colocou lama sobre meus olhos, fui lavar-me e agora vejo!’. 16 Disseram, então, alguns dos fariseus: ‘Esse homem não vem de Deus, pois não guarda o sábado’. Mas outros diziam: ‘Como pode um pecador fazer tais sinais?’. 17 E havia divergência entre eles. Perguntaram outra vez ao cego: ‘E tu, que dizes daquele que te abriu os olhos?’. Respondeu: ‘É um profeta’. 18 Então, os judeus não acreditaram que ele tinha sido cego e que tinha recuperado a vista”.
A par do desentendimento instalado entre os fariseus a propósito do acontecimento, esses versículos tornam patentes dois aspectos do estado de espírito deles. A má-fé: pouco se importando com o favor dispensado por Nosso Senhor ao infortunado cego, proferem contra Ele a desgastada censura de violação do sábado. E a dureza de coração: mesmo diante da evidência, negam-se a acreditar em Jesus e inquirem o mendigo, não para apurar a verdade, mas na esperança de conseguir um testemunho hostil ao Divino Mestre. “Interrogam-no acerca da visão obtida, não para saber, mas para forjar uma calúnia e impor falsidade”,9 comenta São Tomás. O ex-cego, pelo contrário, faz diante deles um ato de fé em Jesus: “É um profeta”.
Como se esquivam os pais do cego
18b “Chamaram os pais dele 19 e perguntaram-lhes: ‘Este é o vosso filho, que dizeis ter nascido cego? Como é que ele agora está enxergando?’. 20 Os seus pais disseram: ‘Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego. 21 Como agora está enxergando, isso não sabemos. E quem lhe abriu os olhos também não sabemos. Interrogai-o, ele é maior de idade, ele pode falar por si mesmo’. 22 Os seus pais disseram isso, porque tinham medo das autoridades judaicas. De fato, os judeus já tinham combinado expulsar da comunidade quem declarasse que Jesus era o Messias. 23 Foi por isso que seus pais disseram: ‘É maior de idade. Interrogai-o a ele’”.
Não tiveram dificuldade os pais do cego em perceber a malícia e o ódio que imperavam nesse inquérito dos fariseus. E tinham motivos de sobra para temê-los, pois a expulsão da sinagoga poderia ter graves consequências no campo civil, como o desterro e o confisco dos bens. Por isso preferiram cortar qualquer possibilidade de fazer algum pronunciamento a respeito de Jesus: Não sabemos, perguntai ao nosso filho, ele é maior de idade.
Contraste entre o ódio dos fariseus e a sabedoria do mendigo
24 “Então, os judeus chamaram de novo o homem que tinha sido cego. Disseram-lhe: ‘Dá glória a Deus! Nós sabemos que esse homem é um pecador’. 25 Então ele respondeu: ‘Se ele é pecador, não sei. Só sei que eu era cego e agora vejo’. 26 Perguntaram-lhe então: ‘Que é que ele te fez? Como te abriu os olhos?’. 27 Respondeu ele: ‘Eu já vos disse, e não escutastes. Por que quereis ouvir de novo? Por acaso quereis tornar-vos discípulos d’Ele?’. 28 Então insultaram-no, dizendo: ‘Tu, sim, és discípulo d’Ele! Nós somos discípulos de Moisés. 29 Nós sabemos que Deus falou a Moisés, mas esse, não sabemos de onde é’. 30 Respondeu-lhes o homem: ‘Espantoso! Vós não sabeis de onde ele é? No entanto, ele abriu-me os olhos! 31 Sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aquele que é piedoso e que faz a sua vontade. 32 Jamais se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. 33 Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada’. 34 Os fariseus disseram-lhe: ‘Tu nasceste todo em pecado e estás nos ensinando?’. E expulsaram-no da comunidade”.

Grande era a contumácia dos dirigentes da sinagoga. Nota-se nesses versículos, mais uma vez, sua malévola insistência na tentativa de obter do miraculado uma declaração contra o Senhor. “Os fariseus procuravam em sua resposta somente um motivo para desvirtuar os fatos e negar que Cristo o havia curado”, observa o padre Tuya.10 Mas, assistido pelo Espírito Santo, o mendigo respondeu-lhes com acerto, tal como o próprio Jesus teria feito em iguais circunstâncias. “Que contraste entre o ódio, a astúcia e a violência dos fariseus, reprimida no início, mas logo depois declarada, e, de outro lado, a calma, a habilidade e a fina ironia do mendigo que, embora aparentemente vencido, conseguirá a vitória!”,11 comenta bem a propósito Fillion. Prevaleceu a sabedoria do homem simples fiel à graça sobre a pretensiosa ciência dos fariseus, ficando patente que o milagre beneficiara mais profundamente a visão da alma do que a visão do corpo.
Quanto aos fariseus, estes reagiram de acordo com sua obstinação: após insultar grosseiramente o homem que uma autoridade justa deveria tratar com toda a benevolência, decretaram contra ele a sentença de excomunhão.

Uma razão a mais para Jesus o atrair a Si com sua divina bondade. Comenta, a esse respeito, Santo Agostinho: “Depois de muitas coisas, foi excluído da sinagoga dos judeus aquele que era cego e agora enxergava. Enfureceram-se contra ele e o expulsaram. E era isso que temiam seus pais, conforme foi declarado pelo Evangelista. [...] Temiam, pois, eles serem enxotados da sinagoga; ele não temeu e foi enxotado; os pais permaneceram nela. Mas ele é acolhido por Cristo e pode dizer: ‘Porque meu pai e minha mãe me abandonaram’. Que acrescentou? ‘O Senhor, porém, tomou-me sob a sua proteção’. Vem, ó Cristo, e recebe-o; eles o excomungaram, acolhe-o tu. Tu, o Enviado, acolhe o excluído”.12


Elevado ao plano da união hipostática
Ao selecionar este Evangelho para o último domingo antes da Natividade do Senhor, a Igreja nos convida a considerar duas criaturas puramente humanas — Maria e José — à luz da Encarnação do Verbo, elevando assim as nossas cogitações até o sétimo e mais alto plano da ordem da Criação, acima dos minerais, vegetais, animais, homens, anjos, e até da própria graça. Desse elevadíssimo plano hipostático, só Jesus Cristo, Homem-Deus, participa em estado absoluto.
Também Nossa Senhora, a seu modo, participa dessa ordem hipostática, por ter cooperado de forma moral e livre para a Encarnação, com seu fiat, bem como por ter contribuído fisicamente para a formação do Corpo de Cristo. “Por essa colaboração, Maria consegue tocar com sua própria operação a Deus”, afirma o dominicano frei Bonifácio Llamera.8
Ora — segundo o padre Bover e vários outros autores — o próprio São José foi unido a esse mistério extraordinário, embora “não fisicamente, como a Virgem Mãe de Deus, mas moral e juridicamente”.9 Pois, segundo afirma o mencionado padre Llamera, além de intervir na constituição da ordem hipostática pelo seu consentimento livre e voluntário, ele coopera de forma direta e imediata na conservação dessa mesma ordem.10
A análoga conclusão chega, sob um prisma diverso, o padre Garrigou-Lagrange, o qual afirma que a missão de São José vai além da ordem da natureza, e não somente humana, mas também angélica. Para melhor frisar seu pensamento, o teólogo dominicano levanta uma pergunta a respeito dessa missão: “Será ela somente da ordem da graça, como a de São João Batista, o qual prepara as vias da Salvação; como a missão universal dos Apóstolos na Igreja para a santificação das almas; ou a missão particular dos fundadores de ordens?”. E apresenta esta resposta: “Observando de perto a questão, vê-se que a missão de São José ultrapassa até a ordem da graça, e confina com a ordem hipostática constituída pelo próprio mistério da Encarnação”.11
“Deus pediu à Virgem — comenta o padre Llamera — seu consentimento para a Encarnação. Ela o concedeu livremente, e neste ato voluntário se radica sua maior glória e mérito”.12 Mas também ao santo Patriarca foi solicitada sua anuência ao virginal matrimônio com Maria, condição para a Redenção; outrossim, pediu-lhe a Providência uma heroica aceitação, sem entender, do mistério da Encarnação: mais acreditou ele na inocência de Maria do que na evidência da gravidez, constatada pelos seus olhos. Sem dúvida, foi esse “fiat!” de São José um dos maiores atos de virtude jamais praticados na Terra.
Abre-se assim ante nossos olhos, às portas do Natal, um vastíssimo panorama em relação aos tesouros de graça depositados na alma do esposo virginal de Maria e pai adotivo de Jesus. Segundo piedosa afirmação, “sabemos que algumas almas, por predileção divina, como as de Jeremias e do Batista, foram santificadas antes de verem a luz do dia. Ora, o que diríamos de José? (...) [Ele] supera todos os outros santos em dignidade e santidade; somos, pois, livres para conjecturar que, embora não esteja consignado na Escritura, ele deve ter sido santificado antes de seu nascimento e mais cedo que qualquer um dos demais, pois todos os Santos Doutores concordam ao dizer que não houve nenhuma graça concedida a qualquer santo, exceto Maria, que não tenha sido concedida a José. (...) A grande finalidade que Deus tinha em vista ao criar São José, era associá-lo ao mistério da Encarnação (...). Ora, para corresponder a tão elevada vocação, a qual, depois da Virgem Mãe, foi superior a todas as outras, quer dos anjos ou dos santos, José deveria necessariamente ter sido santificado em eminentíssimo grau, para ser digno de assumir sua posição na sublime ordem da União Hipostática, na qual Jesus teve o primeiro lugar e Maria o segundo”.13
Enfim, não desvendará ainda a Teologia insuspeitadas maravilhas na pessoa de São José, o castíssimo chefe da Sagrada Família e Patriarca da Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana?
1 LLAMERA, OP, Bonifacio. Teologia de San José. Madrid: BAC, 1953, p.39.
2 “Não se pense que somente quando os anjos viram a Maria no Céu e sentada no trono da glória, A saudaram como Rainha. Não. Desde o primeiro instante de sua vida já Lhe tributaram os devidos obséquios, pelo fato mesmo de que, desde então, transportados em êxtase de admiração, suspiravam por esta Mulher singularíssima, que embora vinda de um deserto, se apresentava cheia de graça e de grandeza. Por conseguinte, perguntando-se uns aos outros, e pedindo-se mutuamente a explicação deste grande acontecimento, deste fato único nos anais dos fatos mais extraordinários e solenes, desta indizível maravilha, exclamavam: ‘Quem é esta que sobe do deserto, inebriada de delícias?’ (Ct 8, 5)” (BULDÚ, Ramon [Dir.] Tesoro de oratoria sagrada. 2.ed. Barcelona: Pons, 1883, v.IV, p.326-328.)
JOURDAIN, Zèphyr-Clément. Somme des grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900, t.II, p.321.
4 SAN JUAN CRISÓSTOMO. Hom I in Mat., apud SUÁREZ, SJ, Francisco. Misterios de la Vida de Cristo. Madrid: BAC, 1948, v.V, p.254.
5 Cf. TUYA, OP, Manuel de. Bíblia Comentada – Evangelios. Madri: BAC, 1964, v.V, p.27-28.
6 JOURDAIN, op. cit., p.323
7 FILLION, Louis-Claude. La Sainte Bible commentée. Paris: Letouzey et Ané, 1912, t.VII, p.25.
8 LLAMERA, op. cit., p.120.
9 BOVER. De cultu S. Joseph amplificando, p.32. Barcelona: 1928, apud Llamera, op. cit., p.132.
10 Cf. LLAMERA, op. cit., p.137-138.
11 GARRIGOU-LAGRANGE, Réginald. La Mère du Sauveur et notre vie intérieure, p.III, c.VII.
12 LLAMERA, op. cit., p.120.

13 THOMPSON, Edward Healy. The Life and Glories of Saint Joseph. London: Burns & Oates, 1888, p.41.

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