Continuação dos comentários
ao Evangelho – XXXIII Domingo do Tempo Comum - Ano C -
2013 - Lc 21, 5-19
A
ruína de Jerusalém e a parusia
“Mas
eles perguntaram: ‘Mestre, quando acontecerá isto? E qual vai ser
o sinal de que estas coisas estão para acontecer?’”.
Os Apóstolos nada
perguntam sobre a causa dessa destruição, mas sim quando ela
ocorreria. Como bons israelitas, de espírito previdente, queriam
saber com exatidão o que iria suceder. O arrasamento do edifício
sagrado, símbolo da grandeza do povo eleito, parecia-lhes impossível
antes do fim dos tempos, pois, “para um judeu, a ruína da cidade e
do Templo equivale à ruína do mundo”.5 Não podiam eles conceber
que algum dia lhes faltaria aquele Lugar Santo, único no mundo. Esta
é a razão de juntarem em suas perguntas dois fatos totalmente
distintos: a ruína de Jerusalém e a parusia.6
Como observa São
Cirilo, os Apóstolos “não perceberam a força de suas palavras e
julgavam que Ele falava da consumação dos séculos”.7 Por isso,
Nosso Senhor, “sem deixar de responder à pergunta com clareza
suficiente para eles conjecturarem os acontecimentos vaticinados”,8
falará em dois sentidos: um, a destruição do Templo material;
outro, o fim do mundo. Na realidade, o desaparecimento dessa
grandiosa construção significava o fim de um mundo: a época da
antiga Lei cedia lugar à era da Graça.
Ver
todos os acontecimentos na perspectiva divina
“Jesus
respondeu: ‘Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão
em meu nome, dizendo: ‘Sou eu!’; e ainda: ‘O tempo está
próximo.’ Não sigais essa gente! 9 Quando ouvirdes falar de
guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas
coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim’. 10 E Jesus
continuou: ‘Um povo se levantará contra outro povo, um país
atacará outro país. 11 Haverá grandes terremotos, fomes e pestes
em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais
serão vistos no céu’”.
Jesus responde aos
discípulos com uma linguagem enigmática, sem procurar desfazer o
equívoco em que incorriam, nem responder-lhes com exatidão. Prefere
deixar num lusco-fusco os aspectos cronológicos da pergunta, com
vistas à formação moral e espiritual dos seus ouvintes.
Com efeito, a
expectativa do fim do mundo como um evento próximo habituava-os a
contemplar os acontecimentos desde a perspectiva divina, e preparava
as almas daqueles primeiros cristãos para as perseguições que
teriam de enfrentar, prefiguras dos últimos tempos, pelo ódio e
crueldade dos perseguidores. Ora, sempre que os pecados da humanidade
passam de certo limite, Deus intervém manifestando sua cólera e
castigando os caprichos e egoísmos dos homens.
Com a Encarnação,
Deus levara seu amor às criaturas a um ponto inexcogitável pelos
homens, e mesmo pelos anjos. Uma extrema bondade caracterizou a vida
pública de Jesus, marcada por inúmeras curas e milagres. Porém,
Ele não seria Deus se não manifestasse também o esplendor da sua
justiça, virtude não menor que a misericórdia. Tem Ele, por assim
dizer, duas mãos: a da misericórdia e a da justiça. Com a
primeira, perdoa e protege; com a segunda, cobra e castiga. De uma
dessas mãos divinas, ninguém escapa.
Para contemplar a
Deus na perspectiva verdadeira, sem distorções nem unilateralismos,
é preciso amar n’Ele esses dois aspectos. Considerar a Segunda
Pessoa da Santíssima Trindade morrendo na Cruz para nos redimir, é
poderoso estímulo para a nossa piedade. Mas não podemos também
deixar de admirar sua severidade, ainda quando ela possa vir a nos
atingir.
Porque, como ensina
Santo Afonso Maria de Ligório, “não merece a misericórdia de
Deus quem se serve dela para ofendê“Nossa Senhora do Apocalipse”
- Casa -Lo. A misericórdia é para quem Rosa Mística, dos Arautos
do Evangelho, teme a Deus, e não para o que São Paulo dela se serve
com o propósito de não temê-Lo. Aquele que ofende a justiça —
diz o Abulense — pode recorrer à misericórdia; mas a quem pode
recorrer o que ofende a própria misericórdia?”.9
Sereis
presos e perseguidos
12
“Antes, porém, que estas coisas aconteçam, sereis presos e
perseguidos; sereis entregues às sinagogas e postos na prisão;
sereis levados diante de reis e governadores por causa do meu nome”.
Ao anunciar aos
Apóstolos as perseguições e sofrimentos que haveriam de enfrentar,
Nosso Senhor tinha em vista também instruir os cristãos de todos os
tempos, porque inúmeras vezes ao longo da História a proclamação
do nome de Jesus Cristo lhes trará como consequência serem
injustamente presos, perseguidos ou conduzidos aos tribunais. E isto
chegará ao auge nos últimos tempos, pois quanto maior for a
decadência moral da humanidade, inelutavelmente mais ódio haverá
contra os justos, cuja mera existência já representa muda censura
aos maus.
Bem pondera São
Gregório Magno: “A última tribulação será precedida de muitas
outras, porque devem vir antes muitos males que possam anunciar o mal
sem fim”.10
Testemunhas
da fé na hora da provação
13
“Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé”.
Errôneo seria
pensar que durante as perseguições cabe aos bons ficarem encolhidos
e timoratos, incapazes de qualquer ação. Pelo contrário, dão-lhes
elas ensejo a testemunharem com coragem a boa doutrina diante
daqueles que se desviaram do caminho certo.
Ao afirmar que as
portas do inferno não prevalecerão contra a sua Igreja (cf. Mt 16,
18), estabeleceu o Divino Fundador que ela será não apenas
invencível, mas sempre triunfante. Assim, por mais que os infernos,
não podendo destruí-la, se organizem para sufocá-la, jamais
conseguirão impedir sua atuação. E, sejam quais forem as
aparências, a Luz de Cristo permanecerá em sua Esposa com todo o
seu poder e grandeza, aguardando o momento de manifestar-se de forma
intensa, majestosa e irresistível.
Nessas horas de
tempestade, suscita a Providência testemunhas da fé que sejam
fachos da Luz de Cristo a rasgar a obscuridade da provação. Muitas
vezes, inclusive, Deus Se utiliza de instrumentos frágeis, de modo a
deixar mais patente sua onipotência: Gedeão, último homem da tribo
de Manassés; Judite, piedosa viúva; e os próprios Apóstolos,
simples pescadores. E, se percorrermos as grandes aparições da
Virgem Maria, desde Guadalupe até Fátima, a quem vemos como
receptores da mensagem, senão pessoas de escassa cultura e
predicados?
Quanto aos
acontecimentos do fim do mundo, serão justamente a firmeza na fé e
a força impetratória dos fiéis, perante o ódio insaciável dos
sequazes do anticristo, que atrairão a intervenção divina,
desencadeando o castigo final.
Conselho
divino confirmado pela História
14
“Fazei o firme propósito de não planejar com antecedência a
própria defesa; 15 porque Eu vos darei palavras tão acertadas, que
nenhum dos inimigos vos poderá resistir ou rebater”.
Com esta
surpreendente afirmação, parece Nosso Senhor convidar seus
discípulos à negligência, ao invés de incentivá-los a se
prevenirem perante a perspectiva da perseguição. Ora, esclarece o
Cardeal Gomá, Jesus “não lhes manda que não procurem precaver-se
nos transes difíceis pelos quais passarão, mas sim que não se
aflijam por isso, pois nos momentos de crises mais agudas poderão
contar com a inspiração especial de Deus”.11
De fato, na luta de
todos os dias, vale o princípio atribuído a Santo Inácio: “Rezai
como se tudo dependesse de Deus e trabalhai como se tudo dependesse
de vós”.12 Mas nesta passagem do Evangelho refere-Se o Mestre aos
momentos de extrema aflição em que tudo parece perdido. Nessas
horas, comenta São Gregório, “é como se o Senhor dissesse a seus
discípulos: ‘Não vos atemorizeis. Vós ireis ao combate, mas Eu é
que combaterei; vós pronunciareis palavras, mas quem falará sou
Eu’”.13
E a História
comprova com abundância a esplêndida realização dessa profecia de
Nosso Senhor, nos julgamentos iníquos promovidos contra os filhos da
luz. Santa Joana d’Arc, por exemplo, era uma camponesa sem estudos;
suas respostas, entretanto, confundiram o tribunal que a julgava,
pela extraordinária profundidade teológica.
Deserção
e traição nas próprias fileiras
16
“Sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos,
parentes e amigos. E eles matarão alguns de vós. 17 Todos vos
odiarão por causa do meu nome”.
Até no seio das
próprias famílias haverá divisão, multiplicando o sofrimento
daqueles que serão entregues por “pais, irmãos, parentes e
amigos”. Pois, como ensina São Gregório, “os mais cruéis
tormentos para nós são os causados pelas pessoas mais queridas,
porque, além da dor corporal, sentimos o carinho perdido”.14
Já o Cardeal Gomá
interpreta este versículo num sentido simbólico, mais abrangente:
“Aos vexames que deverão sofrer da parte dos inimigos, se
acrescentará um mal mais grave: a deserção e a traição nas
próprias fileiras”.15 Com efeito, quantas vezes não foram hereges
ou apóstatas os mais acirrados adversários da Igreja?
Deus
é o principal Ator da História
18
“Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça”.
Julgamos, por vezes,
serem raríssimas as intervenções de Deus nos acontecimentos
terrenos. Como se Ele, após criar o universo, deixasse os fatos
correrem por si, procedendo de forma semelhante a alguém que planta
uma árvore e se despreocupa totalmente do seu crescimento. Nada mais
contrário à realidade. Deus não só age na História, mas,
sobretudo, é seu principal Ator. Tudo está em suas santíssimas
mãos, nada foge ao seu governo: “Em Deus vivemos, nos movemos, e
somos” (At 17, 28).
Às vezes, a ação
da Divina Providência nos fatos concretos é visível aos olhos de
todos, por ser desígnio seu torná-la patente. Porém, na maior
parte das ocasiões, Ela opera de forma oculta ou discreta, deixando
por conta do nosso entendimento e da nossa fé discernir o cunho de
sua atuação.
O Criador tem tudo
contado, pesado e medido. E, ao agir sobre os acontecimentos, tem
sempre em vista, junto com a própria glória, a salvação dos que
são seus. Por isso, afirma São Paulo: “Tudo quanto acontece,
concorre para benefício dos justos” (Rm 8, 28).
Cada um dos nossos
atos, gestos ou atitudes serão consignados no Livro da Vida. Nenhum
ato de virtude ficará sem recompensa, conforme afirma São Beda:
“Não cairá um só fio de cabelo da cabeça dos discípulos do
Senhor, porque não somente as grandes ações e as palavras dos
santos, mas também o menor de seus pensamentos será dignamente
premiado”.16
Continua no próximo post.
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