Tríduo Pascal

terça-feira, 14 de novembro de 2017

I DOMINGO DO ADVENTO – ANO B

I DOMINGO DO ADVENTO – ANO B
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 33“Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento. 34É como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando. 35Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem: à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer. 36 Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo. 37O que vos digo, digo a todos: Vigiai!” (Mc 13, 33-37).
As duas vindas de Nosso Senhor
O círculo e o losango são as mais perfeitas figuras geométricas segundo o conceito de São Tomás de Aquino, pois representam o movimento do efeito que retorna à sua causa. Cristo é a mais alta realização dessa simbologia porque, além de ser o princípio de todo o criado, é também o fim último. Daí encontrarmos, tanto no término do ano litúrgico, como em sua abertura, os Evangelhos que transcrevem as revelações de Jesus sobre sua última vinda.
A penitência, na expectativa do Natal
A Igreja não elaborou suas cerimônias através de um planejamento prévio. Organismo sobrenatural como é, nascido do sagrado costado do Redentor e vivificado pelo sopro do Espírito Santo, possui uma vitalidade própria com a qual se desenvolve, cresce e se torna bela, de maneira orgânica. Assim foi-se constituindo o ano litúrgico ao longo dos tempos, em suas mais diversas partes. Em concreto, o Advento surgiu entre os séculos IV e V como uma preparação para o Natal, sintetizando a grande espera dos bons judeus pelo aparecimento do Messias.
À expectativa de um grande acontecimento místico-religioso, corresponde uma atitude penitencial. Por isso os séculos antecedentes ao nascimento do Salvador foram marcados pela dor dos pecados pessoais e do de nossos primeiros pais. Mais marcante ainda se tornou o período anterior à vida pública do Messias: uma voz clamante no deserto convidava todos a pedirem perdão de seus pecados e a se converterem, para que assim fossem endireitados os caminhos do Senhor.

Esperança pervadida pelo desejo de santidade
Desejando criar condições ideais para participarmos das festividades do Nascimento do Salvador — sua primeira vinda —, a Liturgia selecionou textos sagrados relativos à sua segunda vinda: a nota dominante de uma é a misericórdia e a da outra, a justiça. Entretanto, esses dois encontros com Jesus formam um todo harmônico entre o princípio e o fim dos efeitos de uma mesma causa. Os Padres da Igreja comentam largamente o contraste entre uma e outra, mas, segundo eles, devemos ver na Encarnação do Verbo o início de nossa Redenção e na ressurreição dos mortos a sua plenitude.
Para estarmos à altura do grandioso acontecimento natalino, é indispensável colocarmo-nos diante da perspectiva dos últimos acontecimentos que antecederão o Juízo Final. Daí o fato de a Igreja durante muito tempo ter cantado na Missa a sequência “Dies Irae”, a famosa melodia gregoriana.
Mais do que simplesmente recordar-nos o fato histórico do Natal, a Igreja quer fazer-nos participar das graças próprias à festividade, tal qual delas gozaram a Santíssima Virgem, São José, os Reis Magos, os Pastores, etc. Ora, uma grande esperança, pervadida pelo desejo de santidade e por uma vida penitencial, sustentava o povo eleito naquelas circunstâncias. E nós devemos imitar seu exemplo e seguir seus passos, em face não só do Natal como também da plenitude de nossa redenção: a gloriosa ressurreição dos filhos de Deus.
Primeira e segunda vindas de Jesus se unem diante de nossos horizontes neste período do Advento, fazendo-nos analisá-las quase numa visão eterna; talvez, melhor dizendo, de dentro dos próprios olhos de Deus, para Quem tudo é presente. Eis algumas razões pelas quais se entende a escolha do roxo para os paramentos litúrgicos, nessas quatro semanas. É tempo de penitência. E por isso o Evangelho de hoje nos fala da vigilância, por não sabermos quando retornará o “senhor da casa”. É indispensável que não sejamos surpreendidos dormindo.
Veio como réu, voltará como Juiz
É preciso considerar que o Senhor não virá como Salvador, mas sim como Juiz, não só enquanto Deus, mas também enquanto Homem, tal como nos explica São Tomás: “Havendo, pois, (Deus) colocado Cristo-Homem como cabeça da Igreja e da humanidade, e havendo-Lhe submetido tudo, concedeu-Lhe também — e com maior direito — o poder judicial” (1). “Cristo mereceu, ademais, esse ofício, por haver lutado pela justiça e haver vencido, ao ser sentenciado injustamente. ‘O que esteve de pé ante um juiz — diz Agostinho — se sentará como juiz, e o que caluniosamente foi chamado réu, condenará os réus autênticos’” (2).
Nosso Senhor Jesus Cristo será o Grande Juiz, em sua humanidade santíssima unida hipostaticamente à Sabedoria divina e eterna. Assim, conhece Ele os segredos de todos os corações, tal qual escreve São Paulo aos Romanos: “No dia em que Deus julgará, por Jesus Cristo, as ações ocultas dos homens” (Rm 2,16).
Ele aparecerá em toda a sua glória, pois, em sua primeira vinda, porque se dispunha a ser julgado, revestiu-se de humildade. Portanto, deverá revestir-se de esplendor, ao retornar como Juiz (3). Pondera ainda São Tomás que, ao nascer em Belém, o Filho se encarnou para representar nossa humanidade junto ao Pai, mas, no fim do mundo, Ele virá aplicar a nós a justiça do Pai; por isso deverá demonstrar a glória de embaixador do poder eterno de Deus.
Esse juízo será universal, porque também o foi a própria Redenção. Ouçamos as explicações dadas por Santo Agostinho a respeito das duas vindas de Nosso Senhor: “Cristo, Deus nosso e Filho de Deus, realizou a primeira vinda sem aparato; mas na segunda virá apresentando-Se como Ele é. Quando veio calado, não Se deu a conhecer senão aos seus servos; quando vier manifestamente, mostrar-Se-á a bons e maus. Quando veio incógnito, veio para ser julgado; quando vier com majestade, fá-lo-á para julgar. Quando foi réu, guardou o silêncio anunciado pelo Profeta: ‘Não abriu a boca, como cordeiro levado ao matadouro, como ovelha muda ante os tosquiadores...’ (Is 57, 7). Mas não haverá de se calar assim, quando tiver de julgar. Na verdade, nem agora está calado para quem gosta de ouvi-Lo; e se diz que não Se calará, Ele o diz porque então deverão ouvi-Lo os que agora O menosprezam” (4).
Consideração benfazeja, tanto para os bons quanto para os maus
Nada será esquecido, os mínimos pensamentos ou desejos serão relembrados com vigor de realidade. Ações e omissões, a respeito de Deus, do próximo e até de nós mesmos. O Divino Juiz não deixará uma só vírgula sem análise, sem ser devidamente pesada. E para cada um proferirá de público uma inapelável e definitiva sentença. Alguns à sua direita, outros à esquerda. Destes últimos, quantos ali estarão por terem procurado um prazer fugaz, ou por terem se recusado a fazer um esforço insignificante? É preciso levar em conta que esse trágico panorama do Juízo Final será uma repetição pública do juízo particular de cada um.
Mas, por outro lado, quanta alegria terão os bons! “Os padecimentos do tempo presente nada são em comparação com a glória que há de se manifestar em nós” (Rm 8, 18). Os corpos dos justos estarão livres das fraquezas e enfermidades, serão imortais e espiritualizados, assimilados à luz de Cristo. Ao se verem reunidos em Maria e em Jesus, sentir-se-ão inundados de gozo e alegria, naquele dia de triunfo.
Daqui se conclui o quanto é benfazejo, tanto para os maus como para os bons, considerar de frente essa segunda vinda do Senhor. Para uns talvez lhes comova o temor de Deus, para outros poderá alentá-los, em meio às dores e dramas desta vida, a esperança dessa apoteótica cerimônia.
Sinais precursores dos últimos acontecimentos
A esta altura podemos melhor penetrar nas palavras de Nosso Senhor transcritas por Marcos no Evangelho de hoje. Seu capítulo 13 é todo ele escatológico. Inicia-se por um diálogo entre os discípulos e o Mestre a propósito da solidez dos edifícios que se alçavam nas proximidades do Templo, merecendo de Jesus a profecia: “Não se deixará pedra sobre pedra que não seja demolida” (Mc 13, 2). Evidentemente, esta afirmação aguçou a curiosidade dos Apóstolos e a grande interrogação versava sobre a ocasião dos acontecimentos. Jesus não revela datas, apenas anuncia os sinais predecessores: “Levantar-se-ão nação contra nação e reino contra reino; e haverá terremotos em diversos lugares, e fome. Isto será o princípio das dores” (Mc 13, 8).
Outros sinais e conselhos são concedidos por Ele aos Apóstolos nos versículos subsequentes, culminando com uma viva descrição dos últimos acontecimentos antes da conflagração final do mundo: “Se o Senhor não abreviasse aqueles dias, ninguém se salvaria; mas Ele os abreviou em atenção aos eleitos que escolheu” (Mc 13, 20); “passarão o céu e a Terra, mas as minhas palavras não passarão” (Mc 13, 31).
Neste passo de seu discurso escatológico, responde Jesus à pergunta inicial dos Apóstolos: “A respeito, porém, daquele dia ou daquela hora, ninguém o sabe, nem os Anjos do Céu nem mesmo o Filho, mas somente o Pai” (Mc 13, 32). E comentam os Padres da Igreja que, ao Se colocar entre os que não sabem, Cristo usou de diplomacia para não contristar os discípulos com o fato de não querer revelar-lhes. Impossível, contudo, seria que não o soubesse, pois nada pode haver de diferença entre o Pai e o Filho: “Sempre que [Ele] manifesta ignorar algo, não o faz por ignorância, mas por não ser tempo de falar ou de agir”.7
Estes são os antecedentes que explicam o Evangelho de hoje.
COMENTÁRIO AO EVANGELHO
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:  “Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento”.
Enquanto discípulo muito íntimo de Pedro, Marcos transmite em seu Evangelho — que, aliás, foi o primeiro a ser escrito e divulgado — a síntese das pregações de nosso primeiro Papa. Sua ênfase no “Estai alerta! Vigiai ...”, tem origem no empenho especial manifestado por seu mestre nos últimos anos de vida, na cidade de Roma. Esse cuidado, pervadido de zelo pelas almas, cumprindo o mandato do Senhor: “Apascenta as minhas ovelhas”, visava aos problemas que então cercavam o nascimento da Igreja.
Sem nos determos na análise da história de há quase dois milênios, voltemos nossos olhos para os dias da atualidade.
A vigilância, virtude auxiliar da prudência, enquanto se identifica com a solicitude, tem um importante papel em nossa vida espiritual e moral. Ademais, a prudência tem estreita ligação com a vida social do homem. Sobre quais objetivos deveria se exercer a prática dessa virtude neste começo de terceiro milênio? Quase não há um só momento em que possamos baixar nossa guarda.
Ação deletéria dos meios de comunicação social
De há muito — com a evolução da técnica e das descobertas científicas — os meios de comunicação social têm-se prestado a uma perigosa e atraente apresentação do mal e do pecado. Já na época de Leão XIII — fins do século XIX — encontramos a clara manifestação da preocupação daquele Papa de saudosa memória:
“Acrescentemos a isso estas seduções do vício, estes funestos convites ao pecado: aludimos às representações teatrais nas quais se exibem a impiedade e a licenciosidade, aos livros e aos jornais escritos com o propósito de ridicularizar a virtude e glorificar a infâmia, e a todas as artes que, inventadas para as necessidades da vida e dos honestos espairecimentos do espírito, colocaram-se a serviço das paixões para subornar as almas” (6).
Quatro anos mais tarde, nova declaração:
“Enfim, a ordem social está rompida até seus fundamentos. Livros e jornais, escolas e cátedras de ensino, círculos e teatros, monumentos e discursos, fotografias e belas-artes, tudo conspira para perverter os espíritos e corromper os corações” (7).
Já no século XX, seguindo sempre a mesma linha de ensinamento, faz-se ouvir a voz de Pio XI, também de feliz memória:
“Não há hoje um meio mais poderoso para exercer influência sobre as massas, quer devido às figuras projetadas nas telas, quer pelo preço do espetáculo cinematográfico, ao alcance do povo comum, e pelas circunstâncias que o acompanham” (8).
“O poder do cinema provém de que ele fala por meio da imagem, que a inteligência recebe com alegria e sem esforço, mesmo se tratando de uma alma rude e primitiva, desprovida de capacidade ou ao menos do desejo de fazer esforço para a abstração e a dedução que acompanha o raciocínio. Para a leitura e audição, sempre se requer atenção e um esforço mental que, no espetáculo cinematográfico, é substituído pelo prazer continuado, resultante da sucessão de figuras concretas” (9).
“É geralmente sabido o mal enorme que os maus filmes produzem na alma. Por glorificarem o vício e as paixões, são ocasiões de pecado; desviam a mocidade do caminho da virtude; revelam a vida debaixo de um falso prisma; ofuscam e enfraquecem o ideal da perfeição; destroem o amor puro, o respeito devido ao casamento, as íntimas relações do convívio doméstico. Podem mesmo criar preconceitos entre indivíduos, mal-entendidos entre as várias classes sociais, entre as diversas raças e nações” (10).
Essa ação deletéria tem seu início junto ao despontar do uso da razão:
“E por isso sua fascinação se exerce com um atrativo particular sobre as crianças, os adolescentes e os jovens. Justamente na idade na qual o senso moral está em formação, quando se desenvolvem as noções e os sentimentos de justiça e de retidão, dos deveres e das obrigações, do ideal da vida, é que o cinema toma uma influência preponderante” (11).
Não fica atrás a advertência de Pio XII, em meados do século passado:
“Esse inimigo está corrompendo o mundo com uma imprensa e com espetáculos que matam o pudor nos moços e nas moças, destroem o amor entre os esposos, e inculcam um nacionalismo que leva à guerra” (12).
Outro Papa, sempre de saudosa memória, Paulo VI, assim se refere a esses males:
“Ao mesmo tempo em que esses instrumentos — destinados por sua natureza a difundir o pensamento, a palavra, a imagem, a informação e a publicidade — influenciam a opinião pública e, por conseguinte, o modo de pensar e de atuar dos indivíduos e dos grupos sociais, exercem também pressão sobre os espíritos que incide profundamente sobre a mentalidade e a consciência do homem, já incitado por múltiplas e opostas solicitações e quase submergido nelas.
“Quem pode ignorar os perigos e os danos que esses instrumentos, mesmo nobres, podem acarretar a cada um dos indivíduos e à sociedade, caso não sejam utilizados pelo homem com responsabilidade, com reta intenção e de acordo com a ordem moral objetiva? (...)
“Pensamos sobretudo nas jovens gerações, que procuram, não sem dificuldades e às vezes com aparentes ou reais extravios, uma orientação para suas vidas de hoje e de amanhã, e que devem poder tomar decisões, com liberdade de espírito e com senso de responsabilidade. Impedir ou desviar sua difícil procura com falsas perspectivas, com ilusões enganosas, com seduções degradantes, significaria decepcionar suas justas esperanças, desorientar suas nobres aspirações e mortificar seus generosos impulsos.” (13)
Visões prejudiciais para o bem comum da sociedade
E nosso tão querido João Paulo II se exprimia de forma clara e lúcida sobre a mesma questão, em janeiro de 2004:
“Estes mesmos meios de comunicação possuem a capacidade de causar prejuízos graves às famílias, apresentando uma visão inadequada e mesmo deformada da vida, da família, da Religião e da moral. Este poder, tanto para reforçar como para desprezar os valores tradicionais, como a Religião, a cultura e a família, foi compreendido com clareza pelo Concílio Vaticano II, que ensinou que, ‘para o reto uso desses meios, é absolutamente necessário que todos os que se servem deles conheçam e ponham em prática, nesse campo, as normas da ordem moral’ (Inter mirifica, n.4). [...]
“A família e a vida familiar são também, com muita frequência, descritas de maneira inoportuna pelos meios de comunicação. A infidelidade, a atividade sexual fora do matrimônio e a ausência de uma visão moral e espiritual do vínculo matrimonial são descritas de maneira não crítica, enquanto às vezes se apresentam de modo positivo o divórcio, a contracepção, o aborto e a homossexualidade. Essas visões, promovendo as causas contrárias ao matrimônio e à família, são prejudiciais para o bem comum da sociedade”.14
Em documento da Congregação para a Doutrina da Fé, seu então prefeito, Cardeal Joseph Ratzinger, já advertia para o efeito nefasto que os meios de comunicação social podem ter para a Fé e a moral. Em 1992, publicou normas canônicas numa Instrução sobre alguns aspectos do uso dos instrumentos de comunicação social na promoção da doutrina da Fé: “Ideias errôneas se difundem sempre mais através dos meios de comunicação social em geral e, de maneira específica, através de livros. [...] As normas canônicas constituem uma garantia para a liberdade de todos: seja dos fiéis individualmente, que possuem o direito de receber a mensagem do Evangelho na sua pureza e integridade; seja das pessoas empenhadas na pastoral, dos teólogos e de todos os católicos, que têm o direito de comunicar o seu pensamento, sempre dentro da integridade da Fé e dos costumes e no respeito aos Pastores”.15
Campo de batalha para mestres e confessores
É um convite, pois, para que todos nós sejamos vigilantes no tocante à imprensa, aos livros e revistas provocativas, à televisão, à rádio, à internet, entre outros.
E nunca é demais sublinhar o que foi dito por Pio XI, citado logo atrás, a respeito dos malefícios causados ao próprio uso das faculdades da alma — produzindo, por exemplo, a decadência intelectual —, quando esses veículos de comunicação são mal empregados.
Esse é um grande campo de batalha para os confessores, os diretores de consciência, os pais, os mestres, os formadores e os apóstolos: “Cuidado! Ficai atentos...”. Tanto mais que não se sabe “quando chegará o momento”.
‘É como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando”.
Segundo os Padres da Igreja, foi Jesus quem “deixou a sua casa”, ao subir aos céus. E a nós, deu-nos o encargo de vigiarmos. Nossa primeira obrigação recai sobre nós mesmos. De nada nos adianta rezar se não nos afastamos das ocasiões que podem nos levar ao mal. Além disso, cada um de nós, em sua função, tem responsabilidade sobre outros: patrões sobre empregados, pais sobre filhos, mestres sobre alunos, etc.
Os Pastores são representados pela figura do porteiro, a qual também simboliza o nosso dever de velarmos por nossos próprios corações.
Vigiai, pois, visto que não sabeis quando virá o senhor da casa, se de tarde , se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã; para que vindo de repente, não vos encontre a dormir.
Não é só neste trecho que Jesus repete de forma imperativa seu conselho de vigilância. Os quatro Evangelhos contêm várias passagens relativas a esse empenho do Divino Mestre. Aqui, em concreto, as circunstâncias são descritas com certa variedade e de maneira metafórica. O importante é não sermos apanhados dormindo por ocasião de uma visita imprevista.
Essa advertência tem um real fundamento. A criatura humana, ao pecar, não recebe um castigo de imediato. Por isso o pecado vai aos poucos se transformando em habitual e, no fim, se torna um inveterado vício. Por uma necessidade de racionalizar e, assim, aquietar sua própria consciência, a pessoa acaba por atribuir a Deus o juízo relativista que elaborou para justificar-se.
Jesus, apesar de conhecer bem o pecado de cada um de seus irmãos e até de odiá-lo, cala-se por amor à salvação destes, para conceder-lhes mais oportunidades de se emendarem. Ora, sem vigilância, esse processo de regeneração é impossível. É preciso que Jesus não nos “encontre a dormir”, ou seja, entibiados nos vícios...
O que vos digo a vós, digo-o a  todos: Vigiai!
Assim termina o cap. 13 de Marcos. O capítulo seguinte será a descrição de toda a Paixão.
Neste versículo se encontra o caráter universal dos conselhos proferidos por Jesus a propósito da suma importância da vigilância em face não só do fim do mundo, mas também do fim de cada um de nós. Todos nós morreremos. Em que momento, não o sabemos. Estejamos alertas! Nesse dia nos encontraremos com Jesus; será o nosso juízo particular. Não será o único, pois Ele quer dar um caráter público e social ao julgamento, daí haver um segundo juízo.
Conclusão
Em nosso egoísmo, somos levados a nos considerar o centro de nossas atenções e preocupações, mas a essência de nossa vida cristã é social: “Amai-vos, uns aos outros” (Jo 13, 34; 15, 12; 15, 17); ou: “Quem ama ao próximo, cumpriu a lei” (Rom, 13, 8). Jesus pesa nossos atos em função de nossa misericórdia com o próximo, ou seja, Ele usa, para nos julgar, de um critério social.
Deus distribui seus bens de forma desigual aos homens, para que uns possam dispensar e outros receber. Isso se passa não só no campo material como também, e sobretudo, no campo cultural e espiritual. Pela misericórdia e justiça unidas, seremos nós julgados diante de todos os anjos e homens.
Preparemo-nos, pois, neste Advento, para receber Jesus que vem na plenitude de sua misericórdia, e roguemos Àquela que O traz a este mundo sua poderosa intercessão para o nosso segundo encontro com Ele, quando vier de improviso, na plenitude de sua justiça.

1) Suma Teológica, III q 59, a 2 ) Suma Teológica, III q 59, a 3 3 ) Cf. Suma Teológica, Supl. q 90, a 2. 4 ) Serm. 18,1: PL 38, 128-129. 5 ) Sto. Hilário, 9, de Trinit. 6 ) Exeunte iam anno, 25 de dezembro de 1888. 7 ) Carta ao povo italiano, 8 de dezembro de 1892. 8 ) Vigilante cura, n. 18. 9 ) ibid., n. 19. 10 ) ibid., n. 21. 11 ) ibid., n. 25. 12 ) À Ação Católica Italiana, 12 de outubro de 1952. 13 ) Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, 1º de maio de 1967. 14) JOÃO PAULO II. Mensagem para o 38° Dia Mundial das Comunicações Sociais, n.2-3. 15) CONGREGAÇAO PARA A DOUTRINA DA FE. Instmção sobre alguns aspectos do uso dos instrumentos de comunicação social na promoção da doutrina da Fé, Introdução.

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