1 Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. 2
Está escrito no Livro do profeta Isaías: ‘Eis que envio meu mensageiro à tua
frente, para preparar o teu caminho. 3 Esta é a voz daquele que
clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas!’.
4 Foi assim que João Batista apareceu no deserto, pregando
um batismo de conversão para o perdão dos pecados. 5 Toda a região
da Judeia e todos os moradores de Jerusalém iam ao seu encontro. Confessavam
seus pecados e João os batizava no rio Jordão. 6 João andava vestido
de pelo de camelo e comia gafanhotos e mel do campo. 7 E pregava,
dizendo: ‘Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de
me abaixar para desamarrar suas sandálias. 8 Eu vos batizei com
água, mas ele vos batizará com o Espírito Santo’” (Mc 1, 1-8).
Fazei penitência!
A vestimenta e os hábitos de São João Batista destoavam muito dos
costumes daquela sociedade. O contraste dos homens impuros e gananciosos, com
aquela figura reta, simples, eloquente, e que bradava: ‘Fazei penitência!’,
deixava as consciências profundamente abaladas.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias,
EP
I – O mal no universo criado
À medida que
progride, vai a ciência desvendando maravilhas insuspeitadas na vastidão
sideral. Constantemente se descobrem novos corpos celestes, muitos deles de
fulgurante beleza, dispostos em espaços astronômicos fora de qualquer padrão
humano, locomovendo-se com velocidades assombrosas numa delicada e sublime
harmonia, reflexo da perfeição do Criador.
Se essa constatação
nos causa explicável admiração, consideremos que Deus, em sua onipotência,
poderia ter criado infinitos universos, com infinitas outras criaturas, e esses
infinitos seres estariam em sua presença por toda a eternidade. Dentro de cada
um desses mundos, bem saberia Ele como a História se desenvolve a cada
instante. Pois, como sublinha São Pedro na Segunda Leitura deste domingo do
Advento, “para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos como um dia” (II Pd
3, 8).
É próprio da Providência Divina ordenar os males para o bem
Ora, como conceber
que Deus, sendo onipotente e a Bondade em substância, tenha criado este nosso
universo onde o pecado pôde se fazer presente já na revolta de Lúcifer, antes
da queda de nossos primeiros pais? Por qual razão lhes permitiu Ele a
possibilidade de cair? Não teria sido melhor criar uma humanidade incapaz de se
deixar arrastar por delírios como a construção da Torre de Babel?
Perguntas como estas
afligiram homens de todas as eras, e tornam-se pungentes, sobretudo, em nossos
dias tão marcados pelo hedonismo e pela aversão a qualquer sofrimento. Ante
elas, cabe lembrar a doutrina de São Tomás de Aquino, segundo a qual “não é
incompatível com a bondade divina permitir que haja males nas coisas governadas
por Deus”.1
Para justificar sua
afirmação, o Doutor Angélico aduz, entre outras razões, a seguinte: “Se o mal
fosse totalmente excluído das coisas, daí se seguiria a eliminação de muitos
bens. Portanto, não é próprio da Providência Divina excluir das coisas
totalmente o mal, mas sim ordenar a algum bem os males que se produzem”.2
Com grande beleza
literária, desenvolve esse assunto o padre Monsabré: “O mal é, de si, odioso,
mas a industriosa Providência sabe tirar dele proveito em favor do bem. Do
espetáculo da iniquidade triunfante, Ela faz nascer o desejo de uma perfeição
sublime que compensa, aos olhos de Deus, as humilhações de nossa natureza
degradada; da perseguição dos maus, Ela colhe virtudes heroicas, méritos que
não conseguiríamos adquirir numa vida tranquila, sacrifícios sangrentos que,
unidos ao Sacrifício da Cruz, enriquecem o precioso tesouro da Redenção; das
agressões do erro, Ela faz surgir admiráveis manifestações da verdade. A
corrupção romana gera o eremitismo da Tebaida, o furor dos carrascos multiplica
os mártires, a insolência da heresia chama ao combate os Irineus, os Atanásios,
os Hilários, os Cirilos, os Ambrósios, os Agostinhos, os Jerônimos, todo o
batalhão sagrado dos Doutores”.3
O mesmo autor
acrescenta: “Percorrei a história das catástrofes e nela vereis sempre o mal
condenado a favorecer a causa do bem: os “Preparai no deserto o caminho do
erros incitando à procura da Senhor, aplainai na solidão a estrada verdade, as
heresias abrinde vosso Deus; nivelem-se todos os do campo para os dogmas,
vales, rebaixem-se todos os montes as invasões dos bárbaros ree colinas,
endireite-se o que é torto e alisem-se as asperezas” (Is 40, 3-4) juvenescendo
o sangue e as virtudes dos povos, as revo“Profeta Isaías”, por Aleijadinho -
Santuário luções flagelando grandes do Senhor Bom Jesus de Matosinhos,
Congonhas do Campo (MG) crimes e dando duras e salutares lições à depravação
das leis, dos caracteres e dos costumes, as perseguições fazendo germinar a
gloriosa raça dos mártires, o crime do Calvário consumando a Redenção do
mundo”.4
A libertação anunciada por Isaías
Dentre os numerosos
episódios do Antigo Testamento em que vemos Deus suscitar o bem dos males que
afligiam o povo judeu basta lembrar, por exemplo, o período do cativeiro no Egito
(cf. Ex 1, 8-22) finalizado com Moisés, ou, com ainda maior propriedade, o
exílio na Babilônia, ao qual nos remete a primeira leitura deste domingo (Is
40, 1-5.9-11).
Encontravam-se os
judeus sob a férula babilônica, chorando e expiando os pecados cometidos,
quando, em certo momento, Deus se compadeceu deles e enviou-lhes o Profeta
Isaías5 para anunciar a esperada libertação: “Consolai o meu povo,
consolai-o, diz o vosso Deus. Falai ao coração de Jerusalém e dizei em alta voz
que sua servidão acabou e a expiação de suas culpas foi cumprida” (Is 40, 1-2).
As palavras do
profeta indicam com clareza ter chegado a hora do perdão para o povo de Deus.
Ele tomou a iniciativa de tirá-lo do cativeiro, impondo-lhe apenas uma
condição: “Preparai no deserto o caminho do Senhor, aplainai na solidão a
estrada de vosso Deus; nivelem-se todos os vales, rebaixem-se todos os montes e
colinas, endireite-se o que é torto e alisem-se as asperezas” (Is 40, 3-4).
Trata-se aqui de uma
linguagem simbólica usada para significar realidades espirituais. Com efeito, o
Profeta convida seu povo a abater o orgulho, que leva o homem a julgar-se um
deus; a atuar com retidão, corrigindo as ideias erradas; e a eliminar as
asperezas geradas na alma pelo amor-próprio e pelo egoísmo. Isto feito, estarão
criadas as condições para o Criador manifestar sua bondade e seu poder.
Mas a libertação
profetizada por Isaías transborda os limites da Antiga Aliança, devendo ser
entendida no seu sentido primordialmente messiânico: “Lá vem o Senhor, nosso
Deus! Ele vem com poder, seu braço tudo vence. Vem com Ele o que Ele ganhou, à
frente d’Ele o que conquistou. Qual pastor que cuida com carinho do rebanho,
nos braços apanha os cordeirinhos, para levá-los ao colo, e à mãe ovelha vai
tangendo com cuidado” (Is 40, 10-11).
Assim, a primeira
leitura deste domingo, de diáfana e riquíssima simbologia, prepara nossas almas
para a chegada do Redentor.
II – A voz que clama no deserto
A Liturgia de hoje
nos apresenta o início do Evangelho de São Marcos, chamado por São Justino de
Memórias de Pedro,6 pois o Evangelista, discípulo e intérprete do Apóstolo,
teve uma só preocupação ao escrevê-lo: inteira fidelidade a tudo quanto ouvira
de seu mestre.7
Por isso, comenta um
autor do século passado: “Através de seu grego hebraizante, apoiados nos
antigos testemunhos e no exame interno do livro, podemos reconhecer emocionados
a inconfundível fisionomia de São Pedro [...]. Este é o Evangelho de Pedro,
composto com singeleza por seu discípulo, sem outra pretensão literária a não
ser a de reproduzir as pregações de seu mestre”.8
Muito significativo é
o fato de ter sido redigido este segundo sinótico em Roma, para um ambiente no
qual predominavam os gentios convertidos. Com efeito, segundo narra Eusébio de
Cesareia, a origem desse manuscrito está nos insistentes pedidos feitos a
Marcos pelos ouvintes do Príncipe dos Apóstolos. Eles o importunaram com todo
gênero de exortações a compor um memorial escrito da doutrina que lhes fora
transmitida de viva voz. E não deixaram o Evangelista em paz enquanto este não
conseguiu finalizar sua tarefa.9
Mensagem central da pregação de São Pedro
1 “Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”.
Vivaz e direto como
seu mestre, São Marcos começa o relato mostrando já na primeira linha a ideia
central que vai orientar e pervadir seu Evangelho: Cristo é verdadeiro Homem e
verdadeiro Deus.
Com o intuito de
defender diante de seus ouvintes a personalidade divina de Jesus, São Pedro
ressaltava em sua pregação o domínio supremo do Filho de Deus sobre as forças
da natureza, sobre os corações e sobre os próprios demônios, os quais tantas
vezes os gentios cultuavam como deuses. É esse o motivo de São Marcos citar
muitos milagres não relatados nos outros sinópticos, a ponto de seu livro ser
conhecido como o Evangelho dos milagres.10
Cumpre-se a antiga profecia
2 “Está escrito no Livro do profeta Isaías: ‘Eis que
envio meu mensageiro à tua frente, para preparar o teu caminho. 3 Esta é a voz
daquele que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas
estradas!’”.
São João inicia seu
Evangelho remontando-se à geração eterna do Verbo. São Mateus dedica os
primeiros versículos do seu, a enumerar os antepassados do Messias segundo a
carne. E São Lucas abre o respectivo sinótico narrando extensamente a
miraculosa concepção de João Batista, prelúdio da Encarnação de Cristo no seio
da Virgem Santíssima, por obra do Espírito Santo.
O de São Marcos,
porém, o mais breve dos quatro, abre-se com as preliminares do ministério
público de Jesus. “Era natural que o discípulo preferido de São Pedro começasse
seu relato no ponto onde o Príncipe dos Apóstolos colocava o início da pregação
evangélica”, observa Fillion.11
Para introduzir o
tema ele proclama com solenidade uma das frases de Isaías relembradas na
primeira leitura.12 Nela, o Antigo e o Novo Testamento, por assim dizer, se
osculam reverentes. A “voz daquele que clama no deserto” toma vida concreta na
pessoa do Precursor. A profecia anunciadora da libertação do jugo babilônico
reveste-se de um sentido muito mais atual e profundo: a necessidade da
conversão e da emenda de vida diante do anúncio da Boa Nova que vai começar.
O maior dos homens e dos profetas
4 “Foi assim que João Batista apareceu no deserto,
pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados. 5 Toda a região da
Judeia e todos os moradores de Jerusalém iam ao seu encontro. Confessavam seus
pecados e João os batizava no rio Jordão. 6 João andava vestido de pelo de
camelo e comia gafanhotos e mel do campo”.
A vestimenta e os
hábitos do Batista destoavam muito dos costumes daquela sociedade. Ele
“representava a penitência; representava, portanto, o jejum, a flagelação, a
solidão no deserto, a mortificação. E por causa disso seu corpo tinha a pele
bronzeada por mil sóis ardentes do Oriente Médio. Ele era forte e, entretanto,
muito magro, de tal maneira os jejuns o haviam consumido. Era também a própria
representação da severidade cheia de bondade”.13
Deambular por regiões
despovoadas, vestido com o áspero pelo de camelo, alimentando-se de gafanhotos
e mel silvestre, constituíam sinais inequívocos de vida ascética. Antes já
tinham se espalhado “por toda a região montanhosa da Judeia” (Lc 1, 65) as
miraculosas circunstâncias do seu nascimento. Tudo isso contribuiu para fixar
na opinião pública a figura de uma pessoa completamente incomum.
Não por acaso,
retirou-se ele para o deserto, lugar tantas vezes escolhido por Deus para Se
comunicar com os homens. O isolamento proporciona uma perspectiva de eternidade
muito difícil de alcançar no meio das agitações da vida social. Bem sabiam
disso os anacoretas, como Santo Antão, os quais fugiam do convívio humano e se
instalavam em lugares ermos, em busca de condições mais favoráveis para o
contato com o sobrenatural.
A nobreza de alma e o
desprendimento do Precursor são postos em realce por essa escolha. Sendo
parente do Messias — a Virgem Maria era prima de sua mãe, Santa Isabel —,
podia
ele perfeitamente ter permanecido na casa de seus pais, beneficiando-se de um
convívio mais próximo com Jesus. Mas, dócil ao sopro do Espírito Santo, tomou o
caminho do deserto, dando extraordinário exemplo de flexibilidade à voz da
graça.
São João Batista foi,
em suma, uma figura ímpar na história de Israel. O tetrarca Herodes o
considerava homem justo e santo, e o protegia. Temia-o e gostava de ouvi-lo,
embora suas palavras o deixassem desconcertado. Seus ouvintes chegaram a se
perguntar interiormente se ele não era o Cristo. Mas o maior dos elogios feitos
ao Precursor saiu dos lábios divinos de Nosso Senhor: “Entre todos os nascidos
de mulher não há ninguém maior do que João” (Lc 7, 28).
Com efeito, dentre
todos os profetas do Antigo Testamento, só ele teve a incomparável glória de
encontrar-se pessoalmente com o Divino Salvador e apontá-Lo em termos
inteiramente claros: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,
29).
A alma desse
mensageiro tinha de estar à altura da sua missão. Superior a Abraão, a Moisés e
ao próprio Isaías, a Divina Providência quis fazer dele o arauto por
antonomásia. “Deus quer que ele seja grande porque sua missão é grande, porque
foi escolhido para preceder tão de perto Aquele que deve vir”.14
Uma nação convulsionada pela pregação de João
Ao encontro do
Batista acudiam, como vimos em São Marcos, habitantes de “toda a região da
Judeia e todos os moradores de Jerusalém” (Mc 1, 5). A esses se somaram pessoas
“de toda a região do Jordão” (Mt 3, 5) e até galileus, como André, o irmão de
Simão (cf. Jo 1, 35-42).
“Podemos imaginar —
observa Bento XVI — a impressão extraordinária que a figura e a mensagem de
João Batista deviam provocar na efervescente atmosfera de Jerusalém daquela
época. Finalmente estava de novo ali um profeta, cuja própria vida o
identificava como tal. Finalmente se anuncia de novo a ação de Deus na
História”.15
Movido por um impulso
sobrenatural, o povo judeu sentia haver naquela figura austera o prenúncio de
algo grandioso. Por isso acorriam todos a confessar-lhe suas faltas e receber o
batismo de suas mãos. A pregação de João convulsionara essa nação que há cerca
de duzentos anos não ouvia a voz de um profeta e precisava ser preparada para
receber o Messias.
O Precursor produzia
um verdadeiro choque naquelas pessoas acostumadas a se preocupar exclusivamente
com as coisas da Terra, adoradoras do conforto e da vida agradável. Ao
contrário da maioria dos seus ouvintes, comenta o Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira, “ele é desprendido, é um facho ardente de amor de Deus. Só vive para
a realização da missão que ele tem. Só tem Deus diante dos olhos”. 16
E o mesmo autor
acrescenta: “Àquele povo que esperava um Messias temporal, um rei poderoso,
João aparecia falando do Messias. De um Messias que era anunciado não por um
guerreiro, nem por um potentado, mas por um penitente.
“O contraste dos
homens impuros e gananciosos, com aquele homem reto, simples, eloquente, e que
bradava: ‘Fazei penitência!’, deixava as consciências profundamente abaladas.
São João Batista
despertava um enorme sentimento de vergonha. No contato com ele, as pessoas
compreendiam que não podiam ser assim. E o Precursor completava o efeito,
dizendo: ‘Endireitai os caminhos do Senhor… Aí vem o Messias… O dia de Deus
está próximo’”.17
Entreabrem-se as portas da Revelação
7 “E pregava, dizendo: ‘Depois de mim virá alguém mais
forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias.
8 Eu vos batizei com água, mas Ele vos batizará com o Espírito Santo’”.
Ao fazer tal
afirmação, o Batista dá ideia da força moral, espiritual e sobrenatural
d’Aquele que haveria de vir. E mostra, ao mesmo tempo, a humildade de sua alma,
pois competia aos servos “desamarrar as sandálias” e lavar os pés dos
visitantes.
Podemos imaginar o
impacto produzido por semelhante asserção nos seus ouvintes, acostumados a
vê-lo enfrentar com energia fariseus e saduceus. “O machado já está posto à
raiz das árvores. Toda árvore que não der bom fruto será cortada e arrojada ao
fogo” (Mt 3, 10) — ameaçava-os sem temor. Maravilhados, sem dúvida, com seus
ensinamentos, procuravam os discípulos do Precursor imaginar a grandeza desse
outro personagem de tal forma superior a ele.
Mas, enquanto
preparava o povo judeu para seu encontro com o Messias, São João Batista foi
entreabrindo as portas da Revelação que o próprio Filho de Deus vinha trazer.
Já nesses versículos (Mc, 1, 7-8) transparece o dogma da Santíssima Trindade.
Neles estão de algum modo presentes o Pai, Deus do Povo Eleito, o Filho, que estava
sendo anunciado, e o Espírito Santo, aqui mencionado junto com o anúncio do
Batismo sacramental. São João revela-se assim como um homem realmente inspirado
por Deus, pois demonstra conhecer um dos principais mistérios da Fé, antes
mesmo da pregação do Divino Mestre.
Ao dar início a vida
pública de Jesus, o Precursor vai paulatinamente desaparecer: “Esta é a minha
alegria que agora se completa. É necessário que Ele cresça, e eu diminua” (Jo
3, 30), vai afirmar. E, logo após, deixará como derradeiro ensinamento um dos
mais belos reconhecimentos da divindade de Cristo:
“Aquele que vem do
alto, está acima de todos. Quem é da Terra, pertence à Terra e fala as coisas
da Terra. Aquele que vem do Céu está acima de todos. Ele dá testemunho do que
viu e ouviu, mas ninguém aceita o seu testemunho. Quem aceita o seu testemunho
atesta que Deus é verdadeiro. De fato, Aquele que Deus enviou fala as palavras
de Deus, pois Ele dá o Espírito sem medida. O Pai ama o Filho e entregou tudo
em suas mãos. Aquele que crê no Filho tem a vida eterna. Aquele, porém, que se
recusa a crer no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele”
(Jo 3, 31-36).
III – Uma entrega que prepara a alma para O natal
O tempo litúrgico do
Advento nos leva a participar de algum modo dos anseios de todos quantos no
Antigo Testamento aguardaram com fidelidade a vinda do Messias, e a viver o
clima de grandiosa expectativa alentado pelo Precursor.
Necessidade de “conversão incessante”
Passaram-se dois mil
anos desse acontecimento histórico, mas para Deus não há ontem nem amanhã, mas
apenas um eterno “hoje”. Como dos israelitas cativos na Babilônia, ou dos
judeus da época de Jesus, Ele espera de nós a conversão.
Não desejando que
ninguém se perca, o Criador usa de paciência para conosco enquanto espera nos
encontrar numa “vida pura e sem mancha, e em paz” (II Pd 3, 14), como afirma
São Pedro na segunda leitura de hoje. Para isso, Deus nos convida, por assim
dizer, a cada hora, cada minuto, cada segundo, a nos emendarmos de nossos
desvios e imperfeições.
À primeira conversão
deve seguir-se uma conversão incessante. Não basta dizer: “Sou cristão. Já me
converti!”. Ou, como o jovem rico do Evangelho: “Tudo isso eu tenho observado
desde a minha juventude” (Mc 10, 20). Ou quiçá: “Confessei-me e passei do
estado de pecado mortal para o estado de graça”. É preciso que a cada dia
cresça nosso amor.
Portanto, por muito
que alguém progrida nas vias da virtude, sempre haverá pontos nos quais é
possível melhorar. Nosso Senhor nos convida a estarmos com os olhos
constantemente postos no plus ultra, no “duc in altum” (Lc 5, 4), isto é,
ousando sempre lançar as redes mais longe, com o coração transbordante de
grandes desejos para a máxima glória de Deus.
Solução ao alcance de qualquer um de nós
Analisando as coisas
sob esse prisma, cabe perguntar: não teremos nós algo concreto a entregar a
Jesus antes de comemorarmos mais uma vez, neste ano, o seu nascimento na gruta
de Belém? Talvez o rompimento de uma amizade inconveniente ou perigosa, por
cuja causa nos afastamos d’Ele, ou quiçá a renúncia ao desmedido apego a um
determinado bem, ou alguma situação, que frequentemente acaba por nos conduzir
ao pecado. A Liturgia nos inspira hoje a depor aos pés da Virgem Mãe qualquer
defeito capaz de nos impedir de receber com ardente devoção o Menino Deus.
Não temos obrigação
de, neste Advento, nos esforçarmos para acondicionar da melhor forma possível a
“gruta” da nossa alma, a fim de Jesus não encontrar nela um ambiente mais frio
e inóspito que o da Gruta de Belém? Examinemo-nos cuidadosamente para saber a
quantas andamos nesse sentido. Haverá sem dúvida falhas a sanar em nosso
procedimento. Quais? E desvios a retificar em nossa vida. Quais?
Se, feito esse
balanço, o resultado nos for desfavorável e não sentirmos ânimo suficiente para
corrigir esses defeitos, a solução está ao alcance de qualquer um de nós:
recorrer com filial confiança a Nossa Senhora, Refúgio dos Pecadores. Ela nos
obterá de seu Divino Filho graças para uma completa vitória sobre todas nossas
falhas e desvios. Pois Jesus Cristo — que quis permanecer cativo durante nove
meses em seu seio puríssimo, dependendo d’Ela em todas as coisas, e A coroou
como Rainha do Céu e da Terra — não deixará de atender as súplicas por Ela feitas
em favor de seus devotos.
1SÃO TOMÁS DE AQUINO. Opúsculos y Cuestiones
selectas. Madrid:
BAC, 2008, v.V, p. 156.
2 Idem, ibidem.
3 MONSABRÉ, OP,
JacquesMarie-Louis. Retraites Pascales. 6.ed. Paris: P. Lethielleux, 1905,
p.25-26.
4 MONSABRÉ, OP,
JacquesMarie-Louis. Exposition du Dogme Catholique. Carême 1876. 9.ed. Paris:
Aux Bureaux de l’année dominicaine, 1892, p.205-206.
5 Conhecido
como o Segundo Isaías, distinto do que anunciara os castigos.
6 SÃO JUSTINO,
apud FILLION, Louis-Claude. La Sainte Bible commentée. Paris: Letouzey et Ané,
1912, t.VII, p.195. 7
7 Cf. EUSÉBIO
DE CESAREIA. Historia Eclesiástica. Madrid: BAC, 1973, v.I,
p.194.
8 CABALLERO, SJ, José. Introducción del traductor.
In: MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios – San Marcos y
San Lucas. Madrid: BAC, 1951, v.II, p.3.
9 Cf. EUSÉBIO
DE CESAREIA, op. cit., p.88.
10 Cf. FILLION, op. cit., p.194. Idem, p.197.
11 Não parece
supérfluo esclarecer que à frase de Isaías reproduzida pelos quatro
Evangelistas — “Preparai no deserto o caminho do Senhor, aplainai na solidão a
estrada de vosso Deus” (Is 40, 3) — São Marcos acrescenta algumas palavras de
Malaquias (3, 1) e do Êxodo (23, 20). Encontram-se elas também em São Mateus
(11, 10) e em São Lucas (1, 76; 7, 27).
12 Cf. BENTO
XVI. Jesus de Nazaré – Primeira parte: Do Batismo do Jordão à Transfiguração.
São Paulo: Planeta, 2007, p.31.
13 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência inédita,
17/11/1972.
14 BEATO
COLUMBA MARMION. Jesus Cristo nos seus mistérios – Conferências espirituais.
2.ed. Lisboa: Ora & Labora, 1951, p.122.
15 BENTO XVI,
op. cit., p.31.
16 CORRÊA DE
OLIVEIRA, op. cit.
17 Idem,
ibidem.
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