Naquele tempo, 16 os Onze discípulos foram para a Galileia,
ao monte que Jesus lhes tinha indicado. 17 Quando
viram Jesus, prostraram-se diante d’Ele. Ainda assim alguns duvidaram.
18 Então
Jesus aproximou-Se e falou: “Toda a autoridade Me foi dada no Céu e sobre a Terra.
19 Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome
do Pai e do Filho e do Espírito Santo, 20 e
ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que estarei convosco todos
os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 16- 20)
O penhor da nossa vitória
Ao assumir nossa carne, quis o
Filho de Deus viver entre nós para nos dar o exemplo da plenitude da perfeiçõo
a que deseja nos elevar A subida do Senhor aos Céus é também um ponto de imitação.
Como será, então, a nossa?
I - A HORA DA PARTIDA DE JESUS CRISTO
Igreja celebra na Quinta-feira
da 6ª Semana do Tempo Pascal a Solenidade da Ascensão do Senhor, transferida no
Brasil para o 7 Domingo da Páscoa, por razões pastorais. Houve épocas em que
esta festividade era realizadacom grande brilho. Assim como se comemora à
meia-noite do dia 24 de dezembro o nascimento do Menino Jesus e às três horas
da tarde da Sexta-Feira Santa a sua Morte, a Ascensão o era ao meio-dia. Na
Idade Média costumava-se realizar uma procissão para representar o trajeto
feito por Nosso Senhor, acompanhado pelos Apóstolos e discípulos, de Jerusalém
ao Monte das Oliveiras, de onde Ele ascendeu para junto do Pai (cf. At 1, 12). Durante
a Missa, o diácono apagava o Círio Pascal logo após o
cântico do Evangelho, simbolizando
o último episódio da existência visível do Redentor na Terra.
Hoje, ao contemplarmos sua
subida aos Céus, tenhamos presente que Jesus não nos abandonou, mas, pelo
contrário, continua conosco, conforme a promessa feita no Evangelho: “Eis que
estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo”. E nós, enquanto filhos,
também desejamos permanecer com Ele, uma vez que veio a este mundo trazer-nos a
participação na sua natureza divina.
II - QUANDO SERÁ RESTAURADO O REINO?
Ao longo de seus escritos, os
evangelistas procuram expor os acontecimentos centrais da vida terrena de Nosso
Senhor, na maior parte da qual Ele assumiu um corpo padecente como o nosso. No
entanto, com exceção de São Lucas, quase nada dizem a respeito da Ascensão (cf.
Mc 16, 19), evento de suma importância. Apenas no terceiro Evangelho
encontramos alguns versículos dedicados a este mistério (cf. Lc 24, 50-51), além
de um relato mais pormenorizado, no início dos Atos dos Apóstolos, em que,
dando sequência a seu primeiro livro, o mesmo autor descreve a ação mística de
Jesus após sua partida para os Céus, ou seja, o desenvolvimento e expansão da
Igreja em seu nascedouro.
Por tal razão, e por ter sido o
término do Evangelho de São Mateus objeto de outros comentários,’ será ele
analisado à luz da narrativa da Ascensão feita por São Lucas — primeira leitura
desta Solenidade (At 1, 1-11) —, já que o texto evangélico não se refere
propriamente ao fato histórico da despedida de Nosso Senhor, mas sim a uma de
suas aparições ocorrida durante os quarenta dias em que, ressuscitado, conviveu
com os Apóstolos e lhes transmitiu seus últimos ensinamentos.
Errônea concepção a respeito do Messias
Naquele tempo, 16 os Onze discípulos foram para a Galileia, ao
monte que Jesus lhes tinha indicado. 17 Quando
viram Jesus, prostraram-se diante d’Ele. Ainda assim alguns duvidaram.
Várias destas manifestações de
Nosso Senhor nesse período deram-se na Galileia. Ao escolher uma região
afastada de Jerusalém tornava-se patente que o verdadeiro culto a Deus não se
prendia mais ao Templo, mas à sua Pessoa Divina. O primeiro versículo do
Evangelho recorda também sua predileção pelos lugares elevados, tantas vezes
demonstrada durante sua vida pública. Alguns acreditam que este episódio
tenha ocorrido no Tabor, outros em um dos montes situados nas proximidades do
Lago de Genesaré.2 O certo é que o local foi determinado pelo próprio Jesus por
razões sapienciais, como comenta São Rábano Mauro: “O Senhor apareceu-lhes num
monte para dar a entender que o Corpo que havia tomado da terra ao nascer —
como sucede a todos os homens — já estava elevado acima de todas as coisas
terrenas quando ressuscitou, e ensinava aos fiéis que, se desejassem ver como
Ele a magnificência da ressurreição, deviam esforçar-se por passar das mais
baixas paixões às mais elevadas aspirações”.3
Ao reconhecerem Jesus, os Onze
prostraram-se diante d’Ele para adorá-Lo. Bem podemos cogitar que nesses encontros
durante sua permanência visível entre nós antes de subir aos Céus, os Apóstolos
sentiam no fundo da alma que algo grandioso estava para acontecer. Entretanto,
apesar de O haverem acompanhado em sua pregação, de terem passado pelo terrível
trauma de vê-Lo preso, flagelado, coroado de espinhos, morto na Cruz e sepultado,
tendo inclusive constatado o milagre da Ressurreição e presenciado suas
aparições já em Corpo glorioso ao longo de quarenta dias, não souberam interpretar
bem aquela promessa imponderável feita pela graça em seu interior, porque lhes
faltava a descida do Espírito Santo. Deduziram eles, equivocadamente, ter
chegado a hora do triunfo social de Cristo.
Conforme crença comum entre os
judeus, aguardavam eles a restauração da soberania política de Israel, levada a
uma nova plenitude em que, finalmente, o povo eleito estivesse acima de todas
as nações, sem precisar pagar impostos aos romanos. E imaginavam Jesus como o
rei ideal segundo essa perspectiva. Em consequência, a divulgação do Evangelho,
como Ele havia recomendado que fizessem, seria feita ao mesmo tempo com a
palavra nos lábios, a espada na mão direita e uma bolsa na esquerda.
Embora eles, enquanto membros
do povo judeu, estivessem já por vários anos sofrendo a perseguição e o
ostracismo, não entendiam o motivo pelo qual Deus permitia esses infortúnios, o
que na verdade visava instruí-los a não depositar a esperança no poder, na
política ou no dinheiro, e sim no sobrenatural, na Religião verdadeira, na
Redenção operada por Cristo e na Revelação feita por Ele. Surpreende-nos
comprovar que essa errônea concepção tenha perdurado por tanto tempo entre os Apóstolos,
mas a realidade é que nas aparições de Nosso Senhor ressuscitado, e até no
momento da Ascensão, eles ainda pensavam numa glória humana, a ponto de
chegarem a indagar: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino em Israel?” (At
1, 6). A explicação mais corrente dos exegetas a essa passagem centra-se na
mentalidade deformada dos que a formularam, e poucos se detêm na significativa
resposta do Divino Mestre.
Cristo reina por meio da Igreja
Com efeito, é de se notar como,
nessa ocasião, Ele não contradiz os discípulos, não refuta de forma violenta
seu anseio de um poderio ostensivo na face da Terra. Ao invés disso, lhes diz:
“Não vos cabe saber os tempos e os momentos que o Pai determinou com a sua
própria autoridade” (At 1, 7). E uma clara alusão a que algo na linha do que
desejavam de fato se realizaria, mas no tempo estabelecido pela vontade divina.
Momentos, portanto, em que a onipotência de Deus tem de se manifestar com todo
o seu vigor na obra d’Ele chamada Santa Igreja Católica Apostólica Romana,
verificando-se os efeitos do preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo,
de valor infinito, derramado no Calvário. Haverá então um só rebanho, sob a
égide de um só pastor, e a autoridade de Cristo se exercerá de modo refulgente,
inclusive com reflexos na vida social.
Essa mesma perspectiva, descortinada
pelo Senhor no dia de sua Ascensão, nós a encontramos nos subsequentes versículos
deste Evangelho:
18 Então
Jesus aproximou-Se e falou: “Toda a autoridade Me foi dada no Céu e sobre a
Terra”.
Tal autoridade “no Céu e sobre
a Terra” Nosso Senhor a possui desde todos os séculos, enquanto Segunda Pessoa
da Santíssima Trindade, Filho Unigênito de Deus. Porém, enquanto Homem Ele a
recebeu por direito de conquista através do sacrifício de sua Paixão e Morte,
como observa São Jerônimo: “Foi dado o poder Aquele que pouco antes havia sido
crucificado, sepultado num túmulo, que jazia morto e depois ressuscitou. Foi-Lhe
dado o poder no Céu e na Terra para que o que antes reinava no Céu agora reine
em toda a Terra, por meio da fé dos que creem”.4
Muitas vezes, contudo, a Igreja
enfrenta terríveis tribulações nas quais seus inimigos empreendem todos os
esforços para arrebatar a sua autoridade. A análise da História nos leva a
comprovar que Deus permite, em certas circunstâncias, até mesmo um triunfo
aparente do mal. E quando este está prestes a atingir o seu auge e a ponto de
cravar o estandarte da vitória absoluta, Deus reverte o curso dos
acontecimentos. Assim, dado que nunca houve uma crise tão grave como a de
nossos dias, em que o progresso do mal se encontra num estágio avançado e vislumbra
seu êxito total, é necessário que, em determinado momento, este mesmo mal seja
acuado, aterrorizado, humilhado e jugulado, e a Igreja brilhe com novo fulgor.
Esta vitória, como acima dissemos, não se limita à santidade no campo das
almas, que ela sempre suscitou desde que foi fundada, mas abarca inclusive a
sacralização da ordem temporal.
Ensina São Paulo que a própria criação,
com a “esperança de ser também ela libertada do cativeiro da corrupção, [...]
geme e sofre como que dores de parto” (Rm 8, 21-22), pois, se foi “sujeita à
vaidade” (Rm 8, 20), também deve ser beneficiada pela Redenção. Da mesma
maneira, pode-se afirmar que a sociedade civil, a qual está na base da
espiritual e lhe oferece elementos, foi fortemente atingida pelo pecado e
precisa receber neste mundo — pois ela não passará para a eternidade — a sua
glória, pelos méritos do Salvador. A assembleia celeste, todavia, formada pelos
Santos, é perpétua e seu prêmio consiste no convívio com Deus, na visão
beatífica.
A nós, como outrora aos discípulos,
não nos “cabe saber os tempos e os momentos”, mas temos certeza de que essa
glorificação virá, pois Nosso Senhor possui pleno domínio sobre todas as coisas
e, por mais que os homens queiram impedir o cumprimento de seus desígnios, Ele
os realizará quando for de sua vontade.
A necessidade de evangelizar
19 “Portanto,
Ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo, 20a e ensinando-os a observar tudo o que vos
ordenei!”
Abandonando o futuro nas mãos
de Deus, o que deveriam fazer os Apóstolos? Pôr em prática a recomendação de
Jesus neste versículo, sem pensar em qualquer restauração segundo seus
critérios deturpados, preparando-se para serem testemunhas da Boa-nova em todo
o orbe, sem contar com qualquer recurso militar, político ou financeiro, e sim
com a força do Espírito Santo, como Ele lhes garantiu antes de deixá-los:
“descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a
Judeia e na Samaria, e até os confins da Terra” (At 1, 8). Com este irresistível
poder eles começariam a divulgar os ensinamentos do Divino Mestre e o Reino de
Deus se implantaria de forma impalpável, muito mais através da fé do que pelos
meios concretos, tal como o grão de mostarda que, ao ser semeado, vai se desenvolvendo
quase imperceptivelmente até alcançar vigorosa expansão (cf. Mt 13, 3 1-32).
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